Alterações ao governance das gestoras de private equity e outros OIC

Diana Ribeiro Duarte e Pedro Capitão Barbosa.
Diana Ribeiro Duarte e Pedro Capitão Barbosa. Créditos: Cedida (Morais Leitão)

TRIBUNA de Diana Ribeiro Duarte, sócia, e Pedro Capitão Barbosa, associado principal, na Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados.

A Proposta de Lei n.º 94/XIV/2.ª, que vem reformar o Código dos Valores Mobiliários, inclui no seu pacote legislativo alterações ao Regime Jurídico de Supervisão da Auditoria, aprovado pela Lei n.º 148/2015, de 9 de setembro (RJSA), sendo uma das mais relevantes a dispensa da qualificação dos organismos de investimento coletivo (OIC), sociedades de capital de risco (SCR), sociedades de investimento em capital de risco e sociedades gestoras de fundos de capital de risco (SGFCR) como entidades de interesse público (EIP).

O facto de as entidades referidas deixarem de ser qualificadas como EIP para efeitos do RJSA implica que os referidos OIC e as suas respetivas entidades gestoras (i) não mais serão obrigadas a nomear um órgão de fiscalização plural e que (ii) a auditoria das suas contas não seguirá um regime regulatório mais exigente em relação às demais sociedades comerciais. Estas alterações acarretam as seguintes repercussões:

  • eliminação dos custos de remuneração e operação inerentes à existência de um órgão de fiscalização plural;
  • redução da complexidade do processo de auditoria das suas demonstrações financeiras e dos custos associados à contratação de revisores oficiais de contas (ROC) ou sociedades de revisores oficiais de contas (SROC);
  • redução significativa da complexidade dos mecanismos de governança e simplificação dos processos de decisão e reporte internos das sociedades gestoras;
  • eliminação de constrangimentos relevantes associados à nomeação (dispensa de processo organizado de consulta prévia ou de recomendação justificada de dois ROC/SROC por parte do conselho fiscal) e desempenho das funções (eliminação do respetivo período máximo) dos ROC/SROC;
  • simplificação dos requisitos regulatórios para iniciar e desempenhar as respetivas atividades devido à desnecessidade de escrutínio pela CMVM da idoneidade e experiência dos membros do conselho fiscal.

O balanço destas alterações pende para uma simplificação dos requisitos de constituição e de organização das entidades gestoras de fundos, positiva para as mesmas e para o setor da gestão de ativos em geral. Assim, se por um lado a não qualificação destas entidades como EIP poderá aliviar em demasia os seus controlos internos e no limite propiciar condutas impróprias do órgão de gestão (com potenciais repercussões negativas para os investidores nos OIC e para o mercado de gestão de ativos), a experiência tem demonstrado que a atuação dos órgãos de fiscalização colegiais nestas entidades tem sido de eficácia limitada, tendo em conta o processo de seleção dos seus membros, as relações próximas pré-existentes entre o conselho fiscal e os acionistas controladores das gestoras e um desconhecimento considerável do ambiente legal e regulatório que enforma a fiscalização das EIP.

Nessa medida, parece que o quadro regulatório desencadeado pela qualificação das entidades gestoras enquanto EIPs impôs custos acrescidos para a sua operação sem ter revelado benefícios relativamente à qualidade dos seus sistemas de governança. A este respeito, vale a pena referir que a própria CMVM, notoriamente zelosa na sua missão de proteger os interesses dos investidores, mostrou a sua concordância com esta alteração do RJSA no seu parecer à proposta de lei, principalmente por questões de eficácia nas suas ações de supervisão.

O que significa tudo isto para o setor da gestão de ativos? Resumidamente, que esta alteração ao RJSA, aparentemente singela, não deverá ser negligenciada. Se por um lado esta será uma oportunidade para simplificar a teia regulatória que está a dificultar a criação e o crescimento de várias sociedades gestoras, por outro lado impõe um ónus adicional à administração dessas sociedades gestoras, admitindo que escolham não possuir órgãos de fiscalização colegiais, para assumir uma maior responsabilidade no estabelecimento e supervisão de mecanismos de controlo de gestão na preparação das demonstrações financeiras das entidades gestoras e dos fundos que gerem e na supervisão dos trabalhos do ROC.