Chart of the Week - A relação entre o transporte marítimo e eventuais preços mais elevados do petróleo e do gás natural

Bruno Minoya Perez. Banco Carregosa
Bruno Minoya Perez. Créditos: cedida (Banco Carregosa)

O Chart of the Week é da autoria de Bruno Minoya Perez, diretor de Private Banking do Banco Carregosa.

Neste artigo é abordada a relação entre o transporte marítimo e eventuais preços mais elevados do petróleo e do gás natural liquefeito (GNL), e o impacto na reversão da desaceleração da inflação.

Conflito no Médio Oriente

A escalada do conflito na Faixa de Gaza que já dura há mais de 100 dias, tem um novo capítulo com os recentes ataques no Mar Vermelho, mais concretamente no Canal do Suez/Golfo de Áden.

Desde 19 de novembro que o Grupo Xiita Houthis, apoiado pelo Irão, atacou mais de 25 navios comerciais no Mar Vermelho, e no passado dia de 9 de janeiro, realizaram mais um ataque a Navios de Guerra britânicos e norte-americanos, provocando assim uma reação por parte da Armada destes países aliados. Os Houthis, grupo armado de rebeldes em guerra civil há mais de uma década no Iémen, reconhecidos pelo Irão como uma força legal deste grupo armado na região, que controlam uma boa parte do Iémen, têm uma enorme capacidade financeira, seja pelo financiamento do Irão ou através de armamento fornecido por este mesmo país, seja pelo levantamento de dinheiro através de plataformas de crowdfunding, que, hoje em dia, são uma fonte de receita para organizações terroristas.

Esta capacidade financeira aliada ao facto de este grupo se sentir solidário com o Hamas na luta contra Israel e o Ocidente, levará tendencialmente ao aumento das tensões no conflito do Médio Oriente e, consequentemente, a uma reação mais firme de defesa por parte das nações aliadas e democráticas do mundo. O alastrar do conflito com mais ataques de parte a parte, e com o envolvimento de outro grupo armado nomeadamente o Hezbollah, aumentará a insegurança da navegação marítima nesta região do globo e, com isso, o desencadear de alterações no comércio mundial com impacto a diversos níveis.

Consequências para o comércio

O Mar Vermelho representa uma das principais rotas comerciais mais importantes do Mundo. Pelo Canal do Suez passam cerca de 15% do comércio mundial de bens, desde matérias-primas aos produtos acabados, petróleo, gás natural liquefeito, equipamentos industriais, aparelhos eletrónicos, veículos automóveis e respetivos componentes, entre outros. Os recentes acontecimentos nesta região têm aumentado a insegurança e com isso levado a que algumas Companhias de Navegação estejam a alterar as rotas comerciais dos seus navios (desde novembro 23 até agora, o tráfego nesta região caiu perto de 50%) para rotas mais seguras. As taxas de transporte marítimo de mercadorias da Ásia para a Europa mais do que duplicaram nas últimas quatro semanas.

Porém, embora existam neste momento outras rotas mais seguras, existem consequências do desvio da navegação que importa referir, nomeadamente: i) rotas mais longas e, por isso, mais caras (ex: a rota de Singapura até ao Porto de Roterdão passando ao largo de África pelo Cabo da Boa Esperança implica cerca de mais 3.300 milhas náuticas (8.440 vs 11.720)); ii) aumento dos preços dos seguros feitos pelas companhias de navegação comercial; iii) disrupções nas cadeias de valor globais provocadas pelo atraso das entregas de mercadorias (mais uma vez, mostra a fragilidade das cadeias de abastecimento globais); iv) aumento dos custos de transporte dada uma maior distância que os navios têm de percorrer e, por isso, maior consumo de combustível, bem como mais custos laborais com os trabalhadores embarcados; v) menor capacidade de afetação dos navios a mais serviços de transporte, dado que demoram mais tempo a fazer o mesmo serviço.

Impacto nos preços e o Índice de Preços do Consumidor

Estes fatores, ora expostos, terão seguramente um impacto a prazo nos preços dos produtos que são transportados, bem como no preço do Petróleo e do Gás Natural Liquefeito (importantes componentes do Índice de Preços do Consumidor), dependendo este impacto da duração da insegurança na região do Mar Vermelho. 

A conjugação de todas as consequências acima referidas poderá indiciar uma inflação mais persistente nos países importadores das mercadorias transportadas, e colocá-la em níveis que não eram esperados para o ano de 2024 (entre as principais razões para a queda da inflação ao longo do último ano, estavam a redução nos custos de energia e os bottlenecks nas cadeias de abastecimento, que haviam, em grande parte, superado as restrições impostas pela pandemia). 

Esta conjuntura poderá reverter a desaceleração da inflação, podendo atrasar a ação dos Bancos Centrais e, com isso, comprometer o eventual movimento, tão ansiado pelos diversos agentes de mercado, de inversão do ciclo de subida das taxas de juro, quer por parte da Reserva Federal norte-americana quer por parte do Banco Central Europeu, já no primeiro semestre de 2024. De salientar também que, em paralelo com esta situação, alguns dados económicos, nomeadamente ao nível do IPC dos EUA em dezembro, saíram acima das expetativas, podendo assim retardar a ação da Fed.

Assim, poderá ser corroborada a tese higher for longer que tanto foi referida nos últimos meses de 2023, justificada por uma inflação acima das expetativas dos analistas nos vários blocos económicos, principalmente na Europa e nos EUA. Quantificar esta inflação é um exercício de difícil cálculo, depende da durabilidade do conflito na região do Mar Vermelho e do somatório dos custos globais que esta insegurança traz ao mundo. 

O agudizar das relações naquela região, seja pela ofensiva de resposta de Israel por forma a diminuir ou até mesmo dizimar a capacidade militar do Hamas, seja pelo arrastar de alguns países vizinhos para este conflito, nomeadamente o Irão, o Líbano e a Síria (e com eles, os respetivos Grupos Armados aliados do Hamas), irá provocar um aumento das incertezas no mundo e, com isso, teremos mais unkown unkowns…

Não é menos importante referir que os recentes encontros da Rússia com a Coreia do Norte irão reforçar o programa Nuclear e o programa de mísseis balísticos da Coreia para apoiar a Rússia na Guerra contra a Ucrânia, piorando assim a situação geopolítica no Nordeste da Ásia