ESG e Direitos Humanos – E agora? Em que é que se traduzem no mercado português?

Diana Ribeiro Duarte e João Tiago Silveira Morais Leitao
Diana Ribeiro Duarte e João Tiago Silveira. Créditos: Cedida (Morais Leitão)

TRIBUNA de Diana Ribeiro Duarte e João Tiago Silveira, sócios da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados.

A temática ESG tem estado na vanguarda das discussões de política pública e as empresas têm sido pressionadas pelos regulamentos europeus para darem cumprimento às regras e procedimentos ESG.

Desde a criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e a afirmação e compromisso com estes objetivos presentes na Comunicação da Comissão Europeia de 22 de novembro de 2016, a UE tem vindo a trabalhar num pacote legislativo que visa a sustentabilidade empresarial e a salvaguarda e promoção dos direitos humanos.

Este artigo visa fornecer um breve ponto de situação sobre a legislação europeia e portuguesa neste domínio.

Pacto Ecológico Europeu

A Comissão Europeia apresentou, em 11 de dezembro de 2019, o Pacto Ecológico Europeu (Acordo Verde), que compreende um conjunto de medidas para permitir às empresas e aos cidadãos europeus beneficiarem da transição sustentável, visando alcançar a neutralidade climática até 2050 e fazendo da Europa o primeiro continente neutro do ponto de vista climático, sendo o objetivo final reduzir o aquecimento global e mitigar os seus efeitos.

A Lei Europeia do Clima (Regulamento (UE) 2021/1119) entrou em vigor em 29 de julho de 2021, estabelecendo o objetivo de uma UE de ambiente neutro até 2050. Este diploma estabelece igualmente um objetivo de médio prazo de redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55% até 2030, em relação aos níveis de 1990.

Além disso, os regulamentos relativos à forma como os fatores ambientais, sociais e de governação são tidos em conta na metodologia inerente aos índices de referência (Regulamentos (UE) 2020/1816 e (UE) 2020/1817) fornecem novas classificações e exigem a quem tenha de os elaborar a publicação e divulgação de determinados documentos e informação.

Diretiva relativa a informação não financeira (Diretiva 2014/95/UE)

A Diretiva 2014/95/UE estabeleceu as regras sobre a divulgação de informação não financeira em matéria ESG (proteção ambiental, responsabilidade social e tratamento justo dos funcionários, respeito pelos direitos humanos, anticorrupção e suborno, e diversidade nos conselhos de administração das empresas) por certas empresas de interesse público da UE. O Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 89/2017, de 28 de julho, transpôs esta diretiva para o direito português, sendo estas obrigações dirigidas essencialmente às grandes empresas e às empresas cotadas.

Finalmente, em 21 de abril de 2021, foi adotada pela Comissão uma proposta de diretiva sobre os novos relatórios sobre sustentabilidade empresarial, que irá proceder a ajustamentos aos atuais requisitos de prestação de informação da diretiva de 2014 relativa a informação não financeira. É expectável que esta nova diretiva venha a alargar substancialmente o número de empresas abrangidas pela obrigação de divulgação (de algumas dezenas para mais de 1000 empresas).

A Segunda Diretiva dos Direitos dos Acionistas (Diretiva 2017/828/UE)

Adotada pelo Conselho Europeu em junho de 2017, a Segunda Diretiva de Direitos dos Acionistas, reforça os direitos dos acionistas ao estabelecer requisitos relativos ao exercício de certos direitos associados às ações com direito a voto em assembleias gerais de sociedades com sede social num Estado-Membro e cujas ações sejam admitidas à negociação num mercado regulamentado situado ou a operar num Estado-Membro. A Diretiva dos Direitos dos Acionistas II foi transposta para o direito português pela Lei n.º 50/2020, de 25 de agosto.

Regulamento de Divulgação de Informações Financeiras Sustentáveis (Regulamento (UE) 2019/2088)

O Regulamento de Divulgação de Informação Financeira Sustentável entrou em vigor em 29 de dezembro de 2019 (mas os deveres de divulgação efetivos apenas começaram a ter de ser cumpridos em março de 2021) e diz respeito à divulgação de informação relacionada com os critérios ESG no sector financeiro, no que respeita aos produtos financeiros, incluindo o impacto dos riscos ESG na sua tomada de decisões de investimento ou de aconselhamento. Em termos gerais, o regulamento visa assegurar que os participantes do mercado financeiro considerem a sustentabilidade e os fatores ESG nas suas decisões de investimento.

Regulamento da Taxonomia (Regulamento (UE) 2020/852)

O Regulamento da Taxonomia entrou em vigor em 12 de julho de 2020 (mas as consequências efetivas estão agora a ter início) e introduz uma taxonomia a nível da UE de atividades ambientalmente sustentáveis, estabelecendo assim um sistema ou quadro de classificação com o fim de facilitar aos participantes no mercado financeiro a definição e comparabilidade entre investimentos sustentáveis de uma perspetiva ambiental. Este Regulamento estabelece os objetivos e as condições de sustentabilidade que uma empresa precisa de cumprir para ser considerada sustentável do ponto de vista ambiental.

A Diretiva de Due Diligence e Responsabilização Empresarial pelas suas Cadeias de Valor

Em 10 de março de 2021, foi adotada pelo Parlamento da UE uma proposta informal de diretiva sobre due diligence e responsabilidade empresarial, nomeadamente quanto às suas cadeias de valor.

A proposta contempla requisitos obrigatórios em matéria de direitos humanos, ambiente e administração em toda a cadeia de valor para as empresas que operam no mercado interno da UE (empresas sediadas ou com negócios na União Europeia, independentemente da sua dimensão, forma, natureza, setor e estrutura empresarial), acompanhados de obrigações de informação e comunicação relativamente aos riscos identificados e às medidas de mitigação e prevenção adotadas, com potenciais sanções por incumprimento.

Alguns Estados-Membros já aprovaram legislação setorial (por exemplo, França, Alemanha e Países Baixos). Cabe agora à Comissão Europeia, que tem a competência formal para desencadear o processo legislativo na União Europeia, dar o próximo passo e iniciar o procedimento de aprovação deste novo quadro legislativo.

E agora?

O mercado está a mudar, os operadores do mercado financeiro procuram alcançar uma melhor pontuação em fatores ESG e o aumento de legislação europeia sobre ESG e direitos humanos tem contribuído para a adoção destes princípios e valores nos processos de investimento, levando a uma inevitável ligação entre investimento rentável e sustentável. Estas tendências têm alertado os operadores do mercado português, que estão a começar a abordar estes temas publicamente.

A regulamentação ESG irá naturalmente progredir em Portugal e os reguladores nacionais serão cada vez mais pressionados e encorajados a adaptar (e mesmo ir mais além) o regulamento europeu existente às necessidades e características do mercado português. Questões como a negociação de contratos com empresas de países onde a liberdade de expressão não é aceite, contratos com empresas que não promovem a igualdade de género ou contratos com empresas que não cumprem as normas ambientais nas suas atividades globais passarão a estar em causa num futuro próximo.