Hunter's Moon

Jorge Silveira Botelho BBVA_noticia
Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal.

The Hunter’s Moon é a primeira lua cheia que se sucede ao equinócio do outono no hemisfério norte. Nesses dias, o ângulo da órbita da lua em relação ao horizonte da Terra está mais pequeno, fazendo com que a lua cheia suba acima do horizonte, muito mais rápido do que o normal. Por várias noites, o nascer da lua vem logo após o pôr-do-sol. O resultado desse fenómeno traduziu-se numa abundância de um luar brilhante no início da noite, ideal para os predadores apanharem as suas presas e criaram as suas provisões para o inverno.

Parece existir um grande contraste entre este luar enorme e as posteriores evidências de que a chegada do outono nos aclara, com a falta de visibilidade patente nos comportamentos erróneos dos mercados financeiros, onde os Bancos Centrais e os governos, são simultaneamente parte do problema e da solução.

Na Europa, na reunião do Banco Central europeu na semana passada, ficaram evidentes duas situações:

-A primeira é que o BCE vai continuar subir taxas para tentar inverter a forte subida das expectativas de inflação implícitas na curva de rendimentos;

-A segunda, que de certa forma contradiz a primeira, é que a política monetária é ineficaz para resolver a atual situação provocada pelos múltiplos choques de oferta, em especial, o enorme e já demasiado prolongado choque energético

De certa forma, o que se deve inferir das palavras da presidente do BCE, Christine Lagarde, é que cabe aos governos encontrarem soluções para reverter a escalada dos preços de eletricidade, ou então, não resta outra alternativa ao BCE, senão a de continuar a subir taxas de juro até que a economia entre numa profunda recessão e esperar que isso por si só, seja suficiente para fazer cair as expectativas de inflação de médio e longo prazo.

É neste ponto que estamos, em que os governos europeus procuram soluções para reverter o custo de energia, que passam por cortes de impostos nos bens energéticos, pela regulamentação da fixação de preços do mercado de eletricidade, pelo congelamento de preços e pelo apressar do investimento com vista a garantir uma maior independência energética.

Quanto mais eficazes forem as medidas tomadas pelos Estados Europeus mais rápida vai ser a queda das expectativas de inflação e consequentemente menor vai ter de ser o esforço inglório de combate à inflação, por parte do BCE.

Em contrapartida nos EUA, a Reserva Federal Americana tem tido bastante sucesso em reverter as expectativas de inflação:

- Por um lado, porque o Estado americano facilitou o trabalho da FED, na medida em que, ao longo das duas últimas décadas implementou uma estratégia de independência e autossuficiência energética;

- Por outro lado, porque contrariamente ao que a FED diz e tal como a economista chefe do FMI, Gita Copinath, afirmou em Jackson Hole, o impacto do mercado de trabalho na inflação americana é diminuto. De facto, para além dos múltiplos choques da oferta (onde a subida dos preços internacionais dos bens energéticos também influiu) a valorização do mercado imobiliário e a consequente subida das rendas, é também um dos maiores contribuidores para a subida da inflação americana.

Neste sentido, é de registar a queda de mais de 40% dos preços da gasolina nos EUA em plena driving season (o que demonstra que o consumo de gasolina não é rígido…), mas também se deve destacar a forte desaceleração do mercado imobiliário, com oferta no mercado secundário a voltar para níveis de pré-pandemia e a vendas de novas casas a registarem uma queda acumulada de 50%. (fonte: Bloomberg). Esta dinâmica do mercado imobiliário ainda leva algum tempo a sentir-se na inflação, como comprovam os dados da inflação de agosto publicados ontem,  mas vai acabar por se refletir de forma mais evidente durante os próximos meses.

É neste contexto, que independentemente de uma subida de 75 b.p. das taxas de juro da FED durante a próxima semana, o ajustamento  das expectativas de inflação nos EUA é uma realidade incontornável. 

Assim, durante os próximos tempos, temos de estar focados em aproveitar a alteração deste paradigma, onde a consolidação de uma maior expectativa do sucesso do combate à inflação pode estar associada a uma maior clarividência, onde por entre a escuridão da noite se insinua uma enorme lua cheia, a Hunter’s Moon.

Apesar de complexos, estes continuam a ser tempos propícios para identificar oportunidades de investimento. Daí que, numa perspetiva de binómio risco/retorno, não faz sentido ignorar o enorme valor que está implícito nas curvas de rendimento de obrigações de crédito não especulativo. Tanto mais porque na Europa, entram em ação os estabilizadores automáticos e nos EUA, o combate à inflação já se tornou credível, aumentando com isso a probabilidade de um cenário de soft landing.

No que diz respeito ao mercado acionista global, em tempos geopolíticos ainda incertos, este ainda não oferece a atratividade flagrante que está presente dos mercados de crédito. Mas quem sabe, se até à próxima Hunter’s Moon vamos ter de consolar algum membro da FED, que publicamente após Jackson Hole se regozijava com a queda dos mercados….


Expetativas de inflação a 2 anos na Europa e nos EUA

Fonte: Bloomberg