O alinhamento da taxonomia da UE do gás natural e da energia nuclear

Diana Ribeiro Duarte, Pedro Capitão Barbosa e Manuel Bragança Santos. Morais Leitão
Diana Ribeiro Duarte, Pedro Capitão Barbosa e Manuel Bragança Santos. Créditos: Cedidas (Morais Leitão)

TRIBUNA de Diana Ribeiro Duarte, sócia; Pedro Capitão Barbosa, associado principal; e Manuel Bragança Santos, associado, da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados.

A emergência climática, a guerra em curso na Ucrânia e o seu impacto direto no aumento dos preços do gás em toda a Europa tornaram claro que os Estados-Membros e a União Europeia devem transitar, com urgência, para fontes de energia limpas, baratas e renováveis a nível nacional.

Mais recentemente, no dia 20 de julho, a Comissão Europeia propôs um novo regulamento e um plano de redução da procura de gás, de forma a colmatar a utilização de gás na Europa em 15% até à Primavera de 2023 para fazer face à escassez e à dependência do gás natural no continente.

Em sentido oposto, no dia 6 de julho de 2022, o Parlamento Europeu tinha votado a favor de permitir que o gás natural e a energia nuclear fossem classificados como investimentos verdes no âmbito da taxonomia da UE, o que significa que estes recursos energéticos serão considerados sustentáveis e, consequentemente, adequados para investir através de produtos financeiros com o rótulo ESG.

O Regulamento da Taxonomia é a peça central do quadro da UE sobre o crescimento dos investimentos sustentáveis na Europa e, juntamente com os seus atos delegados, desempenha um papel crucial na orientação dos investidores para setores sustentáveis, dando ao setor financeiro (um certo nível de) clareza sobre quais são as atividades económicas que podem ser consideradas sustentáveis.

O Parlamento Europeu ficou aquém dos 353 votos necessários para rejeitar a aprovação do Regulamento Delegado (UE) 2022/1214 da Comissão, de 9 de março de 2022, que altera o Regulamento Delegado (UE) 2021/2139 relativo às atividades económicas em determinados setores energéticos e o Regulamento Delegado (UE) 2021/2178 relativo à divulgação pública dessas atividades económicas (o Regulamento Delegado ou RD), o qual se pretende que seja uma proposta pragmática para assegurar que os investimentos em gás natural e energia nuclear cumpram critérios rigorosos e bem definidos.

O RD tem sido atormentado por muitas incertezas devido a alegadas ações de lobbying por parte de agentes da indústria e pela forte politização por parte de alguns Estados-Membros. Em primeiro lugar, a Comissão não conduziu uma avaliação sobre o impacto da sustentabilidade nem realizou uma consulta pública ao diploma, como o fez, por exemplo, com a implementação de fatores de ESG nas classificações de crédito. Acresce o facto de ter ocorrido uma reunião conjunta do Comité dos Assuntos Económicos e Monetários e do Comité do Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar, realizada no dia 14 de junho de 2022, que se opôs expressamente à adoção do RD, reforçando que quaisquer novos atos delegados ou alterações deveriam ser sujeitas a consulta pública e a avaliações de impacto sobre a sustentabilidade, uma vez que poderiam ter impactos económicos, ambientais e sociais significativos.

A Vertente Verde

As questões sobre a sustentabilidade, especialmente acerca da energia nuclear, têm sido discutidas desde a sua conceção. Quanto às questões relativas aos combustíveis fósseis, como o gás natural, a falta de emissões de CO2 tornou-se um fator significativo nesta classificação. 

Por um lado, o gás natural é um combustível fóssil e produz emissões que aquecem o planeta, tais como o CO2. O ponto chave para a classificação do gás natural como uma alternativa sustentável deve-se ao facto de este emitir muito menos emissões nocivas do que outros combustíveis fósseis, como o carvão, e é, portanto, uma boa alternativa temporária para substituir qualquer outro combustível mais “sujo”, enquanto não exista outra alternativa viável verdadeiramente sustentável. 

Por outro lado, a energia nuclear está completamente livre de emissões de CO2. Como tal, é objetivamente menos nociva para o ambiente do que os combustíveis fósseis. Contudo, não nos podemos esquecer dos resíduos radioativos nocivos e absolutamente destrutivos que produz e as consequências horríveis da sua errada utilização – no final de contas, o princípio que regula a produção da energia nuclear, o princípio da destruição maciça garantida, dá-nos algumas pistas sobre a importância de uma utilização cuidadosa e regulamentada da energia nuclear.

A adoção do RD e a sua classificação da energia nuclear e do gás natural como sustentáveis revela-se problemática no sentido em que a UE tem adotado uma abordagem estritamente científica para as classificações das atividades como sustentáveis e este RD foge a essa regra, realçando a natureza política do desenvolvimento sustentável. Esta adoção do RD também contribui para as incoerências e divergências crescentes no que respeita ao que é cientificamente necessário na prossecução ativa dos objetivos e metas que os Estados-Membros e a UE fixaram para as alterações climáticas.

Novos Critérios para a Energia Nuclear e para o Gás natural

Para ser classificada como atividade económica sustentável ao abrigo da RD, a produção de energia nuclear e de gás deve preencher os seguintes critérios (exemplificativos): 

  1. Um limite de 100g de CO2 / kWh para a emissão de gases com efeito de estufa durante o ciclo de vida resultante da produção de eletricidade a partir da energia nuclear e de combustíveis gasosos fósseis;
  2. Para os combustíveis gasosos fósseis, as instalações e plantas de gás devem ser concebidas e construídas para utilizar combustíveis gasosos renováveis e/ou com baixo teor de carbono e de forma a mudarem para a plena utilização de combustíveis gasosos renováveis e/ou com baixo teor de carbono tendo lugar até dia 31 de dezembro de 2035, acompanhado de um plano de compromisso aprovado pelo órgão de gestão da empresa;
  3. Para a energia nuclear, a construção e o funcionamento seguro de novas instalações nucleares (projetos da nova Geração III+) para as quais a licença de construção tenha sido emitida até 2045 pelas autoridades competentes dos Estados-Membros, em conformidade com a legislação nacional aplicável, para produzir eletricidade ou processar calor, incluindo para fins de aquecimento urbano ou de processos industriais como a produção de hidrogénio (novas instalações nucleares), bem como a modernização da sua segurança.

Novos Requisitos de Divulgação ao abrigo do Artigo 8.º do SFDR

Os novos requisitos de divulgação do artigo 8.º do SFDR ajudam os investidores e gestores de ativos com compromissos para alcançar um objetivo de zero emissões, permitindo a fácil identificação dos fundos com exposição ao gás e à energia nuclear e a seleção dos fundos com rótulo de sustentabilidade, ao mesmo tempo que exigem que as grandes empresas cotadas na bolsa informem especificamente quais são as atividades e as respetivas proporções que se ligam mais facilmente à energia nuclear e ao gás natural.

Modelo 1 Atividades relacionadas com o gás nuclear e fóssil

LinhaAtividades relacionadas com a energia nuclear
1.A empresa realiza, financia ou tem exposições perante atividades de investigação, desenvolvimento, demonstração e implantação de instalações inovadoras de produção de eletricidade que produzem energia a partir de processos nucleares com um mínimo de resíduos do ciclo do combustível.SIM/NÃO
2.A empresa realiza, financia ou tem exposições perante a construção e o funcionamento seguro de novas instalações nucleares destinadas a produzir eletricidade ou calor industrial, incluindo para fins de aquecimento urbano ou processos industriais, como a produção de hidrogénio, bem como para a melhoria da sua segurança, utilizando as melhores tecnologias disponíveis.SIM/NÃO
3.A empresa realiza, financia ou tem exposições perante o funcionamento seguro de instalações nucleares existentes que produzem eletricidade ou calor industrial, incluindo para fins de aquecimento urbano ou processos industriais, como a produção de hidrogénio a partir de energia nuclear, bem como a melhoria da sua segurançaSIM/NÃO
 Atividades relacionadas com o gás fóssil
4.A empresa realiza, financia ou tem exposições perante a construção ou exploração de instalações de produção de eletricidade que produzem eletricidade a partir de combustíveis fósseis gasosos.SIM/NÃO
5.A empresa realiza, financia ou tem exposições perante a construção, renovação ou exploração de instalações de produção combinada de calor/frio e eletricidade que utilizam combustíveis fósseis gasososSIM/NÃO
6.A empresa realiza, financia ou tem exposições perante a construção, renovação ou exploração de instalações de produção de calor que produzem calor/frio a partir de combustíveis fósseis gasosos.SIM/NÃO

Em primeiro lugar, estas novas divulgações sobre o gás natural e energia nuclear no alinhamento da taxonomia significam que os gestores de ativos, que já cumprem o Regulamento de Divulgação de Informação Financeira Sustentável (doravante "SFDR"), devem repensar e recategorizar os seus fundos rotulados como sustentáveis.

Em segundo lugar, ao abrigo das obrigações de divulgação do SFDR dos artigos 8.º e 9.º do SFDR, quaisquer investimentos efetuados pelas gestoras de ativos devem especificar se estão alinhados com as atividades económicas estabelecidas pelo Regulamento da Taxonomia, tais como a inclusão da energia nuclear e do gás, o que implica uma reavaliação das divulgações originais das gestoras de ativos por estes mesmos, conduzindo à incerteza jurídica.

Estas novas alterações nos requisitos de divulgação provam ser outro obstáculo para as gestoras de ativos que já estavam a tentar utilizar o quadro da taxonomia para avaliar o carácter sustentável dos seus fundos e escolhas de investimento, traduzindo-se em mais dados a serem analisados e processados (com as limitações inerentes à sua aquisição e acesso) e dificuldades na interpretação dos novos critérios.

Conclusão

Ao tentar encontrar um equilíbrio entre segurança energética e sustentabilidade, a União Europeia decidiu rotular o gás e as energias nucleares no quadro da taxonomia como atividades de transição, pois estas ajudam a garantir um abastecimento energético estável durante o processo de transição para uma economia sustentável e contribuem para a mitigação das alterações climáticas, nos termos do artigo 10(2) do Regulamento da Taxonomia.

Esperemos que isto represente um empurrão para os alocadores de capital para eliminar gradualmente as "ativos" de carvão nas suas carteiras – para o que também precisam de ter uma fonte de energia sucedânea em particular na disponibilidade, potência e rapidez de produção, o que como sabermos, não é tecnicamente simples nem isento de outros riscos, incluindo de ESG. Nunca é demais relembrar que, no entanto, o caminho para a neutralidade de carbono permanece longo e repleto de perigos: os Estados-Membros continuam a ser livres de decidir sobre o seu pacote energético e os investidores podem continuar a investir como desejarem, uma vez que não existe qualquer obrigação para os investidores de investirem apenas em atividades económicas que satisfaçam tais critérios específicos.