Sixty Degrees traça os possíveis cenários para o segundo semestre

Sixty Degress
Vitor Duarte

(Perspetivas para a segunda metade de 2020, traçadas pela equipa da Sixty Degrees.)

O primeiro semestre de 2020 ficou marcado pelo alastrar da pandemia COVID-19 da China a todo o Mundo, levando grande parte dos países desenvolvidos a optar por criar condições mais ou menos agressivas de confinamento generalizado da população. O tempo de confinamento foi variável de país para país, mas implicou, na generalidade, a paragem abrupta da atividade económica, a quebra da confiança dos consumidores e o um aumento dos programas governamentais de apoio às populações para compensação de parte da perda de rendimento derivada do confinamento.

Os impactos negativos destas medidas ainda persistem nas mais variadas economias. Na China, as vendas a retalho, até ao mês de maio, mostram quebras de 13,5% vs. o mesmo período do ano anterior, nos EUA, o número de desempregados mantém-se perto de 20 milhões de pessoas, e na Alemanha, a produção industrial registou uma quebra de 36,6%, em abril vs. o ano anterior. O turismo, viagens aéreas e indústria de eventos, são os setores mais afetados por só reabrirem numa fase mais avançada do desconfinamento.

Após as primeiras medidas de confinamento, o mercado financeiro registou uma rápida reação de aversão ao risco com a queda dos mercados acionistas superior a 30%, com o aumentar das yields em todos os segmentos de obrigações com risco de crédito percecionado e com a redução da liquidez desse mesmo mercado.

Com o intuito de diminuir o impacto desta paragem económica, governos e Bancos Centrais, um pouco por todo o mundo, têm desenhado e aplicado pacotes de estímulos financeiros dirigidos às empresas e a particulares, enfraquecendo a sua posição estrutural, pressionando métricas de dívida vs PIB (dívida a aumentar e o PIB e a receita fiscal a diminuir em 2020) e fomentando uma “repressão financeira”. O preço dos ativos financeiros por todo o mundo recuperou para níveis próximos dos valores máximos (o índice tecnológico americano NASDAQ registou mesmo o seu máximo histórico) o que, na ausência de uma recuperação económica que se traduza em resultados das empresas, implica que os ativos financeiros no geral estejam avaliados, historicamente, em níveis bastante elevados.

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Entre as possíveis explicações para esta exuberância pós-23 de março temos, por um lado, uma expectativa de recuperação económica sem precedentes, mas rápida e abrangente e, por outro, a possibilidade mais sinistra de fuga de capitais do mercado de dívida pública para o acionista por receio de nova crise na dívida soberana.

Na última fase do semestre, iniciou-se um fenómeno global de instabilidade social, despoletado pela morte de um cidadão americano às mãos da polícia, que levou a população a protestar contra o racismo existente nas forças de segurança americanas. Este fenómeno acabou por se alastrar um pouco por todo o mundo, num misto de protesto contra o racismo e a desigualdade, mas especialmente contra a falta de emprego e de confiança no futuro.

No campo geopolítico, temos vindo a assistir a alguns eventos relevantes mas, até agora, largamente ignorados pelos mercados financeiros:

  • Disputa fronteiriça, entre a Índia e a China, com mortes de militares, pela primeira vez em 45 anos;
  • Escalada de tensões na península coreana, com a Coreia do Norte a fazer explodir um edifício construído, em 2018, e utilizado como ponto para conversações com a Coreia do Sul;
  • A Turquia invadiu partes do norte do Iraque e da Líbia, bem como a violação por alguns soldados de uma fronteira terrestre com a Grécia.

A Sixty Degrees considera que os mercados financeiros partem, para o segundo semestre, de uma base bastante frágil, estando a performance dos ativos financeiros muito dependente do fornecimento de liquidez, por parte dos principais Bancos Centrais mundiais.

Cenário Central

O cenário central da Sixty Degrees, para o segundo semestre, baseia-se numa recuperação da atividade económica mais lenta que o esperado em função das várias limitações criadas pela pandemia ainda em curso. Enquanto vigorarem estas restrições, com destaque para a limitação relativa à concentração de pessoas, existe um efeito de quebra de confiança que leva a uma retração do consumo e do investimento por aumento da incerteza quanto ao futuro. Associado a este fenómeno, que vai desde a perda de rendimento e emprego ao acentuar de divergências económicas na sociedade, poderemos vir a assistir ao aumento das tensões geopolíticas e sociais, em vários pontos do mundo, que poderão criar ou acentuar alguns eventos de fuga ao risco, nos mercados financeiros. Assistiremos ainda, neste semestre, às eleições presidenciais norte-americanas, que se adivinham muito disputadas e provavelmente marcadas por mais instabilidade social, em resultado das dificuldades económicas e da enorme clivagem entre o eleitorado democrata e republicano. O resultado das eleições não será, com certeza, indiferente para os mercados financeiros, em especial os acionistas.

Na nossa opinião, o desenvolvimento deste cenário base refletir-se-á numa performance modesta para os vários ativos financeiros, associada a um nível de volatilidade elevado. Ainda assim, as principais classes de ativos, em especial as ações, terão potencial para uma performance ligeiramente positiva pois, em caso de declínio acentuado do preço dos ativos e potencial efeito sistémico de uma queda abrupta, assistiremos ao reforço dos estímulos financeiros por parte dos Bancos Centrais de todo o mundo. Por cada ronda adicional de estímulos, os efeitos positivos serão cada vez menores, mas poderão sustentar ainda a performance dos ativos, neste semestre, caso a deterioração económica não se acentue. Será bom recordar que a atual yield da dívida pública europeia está em níveis bastante reduzidos e que o retorno esperado poderá não compensar o risco da sua detenção.

Em relação às eleições presidenciais americanas, a antecipação de uma eventual eleição de Joe Biden poderá ter um efeito negativo nos mercados financeiros devido às diferenças da agenda Democrata, com mais gastos do estado e menos “pro-business”, relativamente à agenda Republicana.

Já na Europa, com os enormes desafios estruturais que tem pela frente, será necessário, no curto prazo, que os seus líderes cheguem rapidamente a uma resolução firme sobre o Fundo de Recuperação e Resiliência Europeia, que crie um mecanismo de transferência de fundos, entre os países com economias mais resilientes e os mais debilitados pela pandemia, e estabeleça uma excelente plataforma para relançar a imagem da União. Caso isso não se materialize e se assista a forte e permanente aumento do desemprego, as tensões sociais e políticas, nomeadamente na Itália e em França, deverão reacender-se e trazer novos focos de preocupação. Estes fenómenos poderão pressionar o mercado de dívida soberana europeia, devido à ausência de outros compradores que não o Banco Central Europeu, apressando assim o entendimento dos líderes dos 27.

Cenário Adverso – 2ª vaga da epidemia

Existe uma forte possibilidade, especialmente durante a época de Inverno no hemisfério Norte, da reimposição de medidas generalizadas de confinamento, com implicações sobre a densidade populacional em espaços fechados e o funcionamento de equipamentos públicos. Esta decisão poderá resultar do surgimento de uma muito forte 2ª vaga epidemiológica ou de receios baseados em poucos casos ou nalguma experiência menos bem-sucedida, num país específico.

Neste cenário, a recuperação económica será ainda mais lenta com quebras mais fortes e profundas em alguns momentos. A confiança será fortemente abalada. Os mercados financeiros sofrerão de imediato uma rápida correção dos valores atuais e a atuação dos Governos e Bancos Centrais será posta em causa por se materializar através de mecanismos que não obtiveram grande sucesso anteriormente. Os distúrbios sociais e protestos poder-se-ão intensificar.

Neste cenário será necessário um rápido reposicionamento dos investimentos, assumindo uma composição de ativos de elevada liquidez.

Em ambos os cenários, as empresas tecnológicas, com uma base de trabalho e vendas digitais, serão as líderes em termos de performance, pois a sua estrutura de custos está mais bem preparada para lidar com os desafios que se avizinham versus as empresas com estruturas físicas pesadas, muitos empregados e pouca flexibilidade, muito dependentes de não existir uma nova quebra pronunciada das vendas. 

Em relação a movimentos cambiais, o dólar americano continua a ser a moeda de refúgio, bem como a moeda de financiamento da maioria dos países e entidades a nível mundial, pelo que a procura base estará assegurada. Poderão existir movimentos fortes e de elevada volatilidade, especialmente se tivermos em conta a incerteza em torno do resultado das eleições norte-americanas, à medida que a data das mesmas se aproxima.

(Legenda da fotografia da esquerda para a direita: António Marques Dias, Catarina Quaresma Ferreira, António Mello Vieira, Filipe Bissaia Barreto, Virgílio Garcia, CFA e Nuno Sousa Pereira.)