Trilogias do investimento e da poupança…

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Jorge Silveira Botelho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Jorge Silveira Botelho, CIO de BBVA AM Portugal.

São demasiadas as trilogias que confluem no espaço do investimento e da poupança e que se entrelaçam com muitas teorias económicas, socias e comportamentais que nos contam uma história profundamente humana, com tudo de bom e de mau que está subjacente.

A pedra angular do investimento económico e socialmente responsável, traduz-se hoje pelos critérios ESG (ambiental, social, governança), que se afirmam como a primeira trilogia do investimento e da poupança. Mas há que ter presente, que estes critérios ESG, de certa forma colidem e denunciam em parte, o falhanço de um modelo económico demasiado assente na extração e consumo de recursos escassos e na geração de lucros rápidos.

O compromisso com a sustentabilidade ganha adeptos de ideologias tão diferentes que imprime alterações em regimes muito distintos, como nos Estados Unidos ou na China. Basta pensar como a política monetária da Reserva Federal Americana passou a ter uma restrição intrinsecamente social, ou como na China as preocupações sociais e climáticas passaram a ser o garante imediato da própria sobrevivência do regime a longo prazo. 

O que está em causa é que o modelo tradicional que estava assente sobretudo no capital financeiro não é suficiente para garantir a sustentabilidade económica e social. É necessário encontrar uma visão holística de longo prazo, através de um modelo económico assente numa trilogia que promova as interações entre: o capital financeiro, o capital natural e o capital humano.

Esta trilogia do capital permite identificar as diferentes interações dos agentes económicos, expondo a cru todas as externalidades negativas e positivas a longo prazo, de um negócio, de um investimento, ou da poupança. Mas, por si só, não promove um modelo transformador de geração de valor, é preciso algo mais. É preciso um ordenamento jurídico que promova novas interações da trilogia do capital, assente na promoção eficaz de uma outra trilogia: a regulação, a tributação e a subvenção. É necessário regular para que as regras e o bem comum sejam iguais e percetíveis para todos, é essencial desestimular as práticas que não geram benefícios agregados de longo prazo e é preciso incentivar todas aquelas práticas que geram grande valor de longo prazo, independentemente de este não ser totalmente percetível a curto prazo.

Parece que é óbvio para toda a gente que esta transição de um modelo económico mais focado no imediato para um modelo mais debruçado nas implicações de longo prazo, acarreta alguns custos. No entanto, devemos ter cuidado em não enaltecer em demasia esses custos, uma vez que, não há grandes alternativas e muitos desses custos estão embrulhados em complexas questões geopolíticas, para as quais também vai ser preciso encontrar um compromisso no futuro, designadamente as implicações da transição energética para o Médio Oriente e para a Rússia…

Trilogia desinflacionista

No entanto, o bicho papão da inflação, que tão alegremente tem sido apregoado nos últimos meses, é totalmente impotente para destruir a mais forte das trilogias desinflacionistas que há memória nas últimas décadas: a dívida, a demografia e a disrupção tecnológica. Ninguém deveria ter dúvidas de que a pandemia ainda veio tornar mais presente e estrutural esta trilogia desinflacionista.

Se a questão das alterações climáticas pode no curto prazo provocar alguns constrangimentos, no médio e no longo prazo gera uma outra trilogia muito mais importante: a transição energética, a digitalização da economia e as alterações dos hábitos de consumo.

A primeira faz com que o custo efetivo de energia de longo prazo se reduza, pelo simples facto que depois de amortizados os custos dos projetos ao nível das fontes renováveis, o custo marginal de produzir energia é próximo de zero. A segunda premissa, a digitalização da economia associada às novas tecnologias, como a inteligência artificial, também é um fator chave para a redução das emissões de carbono. Mas debaixo desta revolução digital, vão-se alterar os modelos de negócio, uma vez que se torna exequível uma mais eficiente substituição do fator trabalho por fator capital em inúmeros setores de atividade, que vão da indústria aos serviços. Por fim, as implicações sociais das alterações do mercado de trabalho e as preferências mais sustentáveis dos consumidores, (muitas das quais ainda estão por ocorrer), vão ter fortes implicações nos hábitos de consumo, ao nível da frequência do consumo de bens e ao nível da relação da posse versus usufruto, sobretudo nos bens que perdem grande parte do seu valor intrínseco com o tempo.

Também deve ter-se em conta, as implicações da enorme emergência da irreversibilidade da transição energética, uma vez que, segundo a EIA, serão precisos investimentos públicos e privados, na ordem dos 4 biliões de dólares por ano até 2050. Não é certamente por acaso, que em matéria de subida de taxas de juro, a palavra paciência voltou recentemente a ser usada pelos Bancos Centrais que estão apreensivos com as dinâmicas futuras da evolução da dívida.

Nesta conjuntura, não deveriam existir grandes ilusões sobre a incapacidade de se conseguir gerar retornos reais sustentáveis em ativos de taxa de juro durante os próximos anos, porque, de facto, nada mudou de sentido nesta matéria com a pandemia, antes pelo contrário. De facto, a única maneira possível de se viver de forma sustentável e com qualidade de vida durante muitos anos, é intuindo como todas estas trilogias identificam a necessidade de ter uma visão de investimento e poupança de longo prazo em ativos reais, na medida em que, estes são os únicos ativos que geram a perspetiva de um cash-flow e/ou nos protegem da erosão monetária provocada por este prolongado regime de repressão financeira.

Assim e como quem não quer a coisa, voltamos ao princípio deste texto e caímos na inevitabilidade daquilo a que se chama a primeira derivada da trilogia ESG: Equities, Soils & Gold.