Para onde caminha a indústria? Saiba o que pensa o consultor Philip Kalus

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Philip Kalus. Créditos: Cedida (Accelerando Associates)

São tempos absolutamente fascinantes para a indústria de gestão de ativos. Há algum tempo que falamos da necessidade de mudança, da digitalização, mas também que a distribuição de fundos tem que ser mais eficiente. A situação do COVID-19 serviu como um acelerador da mudança para um processo de digitalização sem precedentes. Um processo de transformação que demoraria 10 anos a acontecer, materializou-se em apenas um ano.

Esta é a opinião de Philip Kalus, CEO da Accelerando Associates, consultora especializada no setor, que considera que, frequentemente, se subestima o grande alcance que terá para a indústria de fundos as consequências de toda esta mudança originada pela pandemia. “Os órgãos diretivos de muitas gestoras deram-se conta de que no ano passado conseguiram falar com mais compradores de fundos do que nunca. E também conseguiram vender mais fundos que nunca, sem todo o esforço e os elevados custos que representam as viagens por todo o mundo...”, conta o especialista em entrevista à FundsPeople.

Apesar da pressa que se nota em regressar ao presencial, na sua opinião não voltaremos aos níveis do passado. “Os gestores de ativos são e continuarão a ser muito mais restritivos quanto às viagens e aos gestores. Os compradores de fundos, por seu lado, aprenderam que a análise dos produtos de forma telemática também funciona bem, inclusive de forma mais rápida e eficiente. São experiências irreversíveis”.

Gap entre vencedores e perdedores é maior do que nunca

“O gap entre vencedores, os gestores que contam com os produtos mais vendidos, e os perdedores, os que estão à frente das estratégias de onde saiu mais dinheiro, ampliou-se em 2020 até níveis nunca vistos. A tendência manteve-se este ano. Assumir que as gestoras que registam mais captações têm êxito apenas por uma questão de produto e de retorno é redutor”. Na sua opinião, trata-se de contar com um modelo de vendas e comunicação adaptado, consequente e enfocado.

“Alguns gestores de ativos acertaram em cheio e conseguiram montantes de vendas incríveis. Muitos conseguem-no, embora fique abaixo do seu potencial real. Outros simplesmente lutam muito. Os velhos modelos de distribuição com agendas cheias de reuniões com café pelo meio ficaram muito obsoletas. Do que se trata verdadeiramente é de ter um acesso verdadeiramente real, eficiente e relevante aos que têm nas suas mãos a capacidade de tomar decisões de investimento. Aí é onde está a verdadeira luta”, sublinha. Como exemplo de êxito assinala a BlackRock.

Os seus ativos superaram já o bilião de euros na Europa. “Já vende mais na Europa do que nos EUA. Não tem a ver com o seu produto ou comissões mais baixas. É o que chamamos de milha extra no acesso ao cliente, na experiência geral do cliente... aí é onde reside o êxito”.  Isto também não se limita a grandes entidades. “Há boutiques com recursos de venda minúsculos que cresceram de forma impressionante”.

ESG: os gestores europeus não devem ficar agarrados aos seus louros

A Europa é indiscutivelmente líder em investimento ESG. Para além disso, a maioria dos estudos que analisaram a integração dos fatores ESG demonstram uma clara liderança dos gestores ativos europeus face aos homólogos norte-americanos. Mas para Kalus, os europeus não devem ficar a dormir à sombra da bananeira. “Muitos gestores de ativos norte-americanos estão a considerar seriamente os aspetos ESG”, avisa.

Algo também justificado pela procura. Depois da introdução da SFDR, muitos compradores de fundos, sobretudo institucionais, insistem que os produtos devem estar classificados dentro do artigo 8 ou 9. “Curiosamente, apenas 26% dos fundos europeus cumprem este requisito. E, no entanto, este ano os fundos englobados dentro de ambos os artigos representam cerca de 50% de todas as vendas de fundos a nível europeu. Só estamos no início do caminho”, indica o CEO da consultora.

Risco de greenwashing

Para Kalus, existe um risco muito sério de greenwashing. “Na verdade sempre esteve aí, mas agora, com todos os gestores ativos a apanhar o comboio do ESG, aumentaram”, diz.

Segundo explica, depois do sucedido em torno da DWS, alguns gestores ativos ficaram muito nervosos perante o risco de más práticas sobre o tema. “Provavelmente, muitos foram demasiado insistentes na hora de contar a sua suposta experiência em ESG. Neste momento, estão a ser mais cautelosos e reveem todo o tipo de documentos e mensagens que estão a passar ao cliente relativamente ao ESG. Em algumas casas há mesmo um certo pânico”.

É também um processo de aprendizagem da parte compradora, embora os selecionadores de fundos estejam cada vez mais informados sobre o tema. “Desafiam mais os gestores pedindo-lhes processos ESG realmente credíveis, coerentes e robustos. Alguns mercados estão mais avançados do que outros. Os consultores de investimentos institucionais, com todo o poder que têm os mercados como Reino Unido, são muito rigorosos na hora de questionar a integração dos fatores ESG que os gestores fazem”.

Para o especialista, tudo isto é um processo normal e saudável para uma cultura ESG mais credível na gestão de ativos. No entanto, até então, “é possível que vejamos mais títulos desagradáveis”.

Gestão passiva na Europa não chegará a níveis dos EUA

Os fundos indexados e ETF na Europa apenas representam 20% do mercado. “Embora esperemos que o segmento passivo cresça, não esperamos que chegue aos níveis dos EUA. Estou convencido que os gestores que fazem uma verdadeira gestão ativa superarão os passivos em termos de crescimento da quota de mercado”. Embora muito à custa, na sua opinião, dos index trackers. Na sua opinião, há também que ter em conta que os ETF têm vantagens fiscais nos EUA e na Europa não.

Comissões de gestão: algumas reflexões

As comissões médias que cobram os fundos na Europa baixaram e, para Kalus, isto é algo positivo. No entanto, recomenda cautela. “São médias. Constantemente encontramos fundos com preços superiores nas tabelas dos produtos mais vendidos, também fora dos canais cativos. Para além disso, conhecemos gestores de ativos com uma política global de comissões, o que resulta em agarrar ou largar, sem que isso suponha em absoluto um impacto negativo nas vendas”.

Então, é a pressão das comissões muito menos dramática do que sugerem os títulos dos meios de comunicação? Segundo Kalus, pelo menos no espaço verdadeiramente ativo, a resposta é sim. “Os gestores ganham pelo alfa líquido que geram e a experiência do cliente, raras vezes pelo preço. Sempre há alguém que o faz mais barato. Se as comissões são razoáveis e o alfa se consegue, não há nada de mal em que as comissões sejam mais elevadas. Isto é algo que sucede em muitas mais indústrias. Paga-se muito mais por um Porsche 911 do que por um VW Polo. E há uma razão que o explica”.

Fusões e aquisições: nem todas são boas

Não restam dúvidas de que as fusões e aquisições estão na ordem do dia na indústria de gestão de ativos, com o setor a ficar fragmentado, especialmente na Europa. No entanto, para Kalus ter escala por ter escala não faz sentido se o processo não está muito bem executado. “As integrações não são nada fáceis de colocar em prática. Estão cheias de conflitos, armadilhas e problemas de legado”, refere.

De entre os casos de êxito na gestão de ativos fala da Amundi-Pioneer. “Foi provavelmente um dos casos mais interessantes. A Amundi comprou a Pioneer com uma valorização muito baixa, ao mesmo tempo que assegurava importantes canais de distribuição cativos”, afirma. O mesmo com a Goldman Sachs e NN IP. “Não acredito que a Goldman tenha comprado a NN IP pelas credenciais ESG da NN IP. Fizeram-no em condições muito atrativas, com uma valorização muito baixa sobre os ativos geridos da NN IP, ao mesmo tempo que asseguram uma importante plataforma de distribuição com o NN Group, incluídos os ativos de seguros, convertendo-se em cliente da Goldman Sachs o que representa uma associação estratégica a 10 anos”.