Perspetivas para os mercados após o corte de taxas da Fed

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Créditos: Christine Roy (Unsplash)

A recente decisão da Reserva Federal de realizar um corte das taxas de juro de 50 pontos base marcou um ponto de viragem na política monetária global, revelando a divergência entre os diferentes bancos centrais, tais como o japonês, que manteve as suas taxas inalteradas, ou o BCE, que apenas reduziu 25 pontos base na semana anterior.

Este movimento audaz da Fed gerou um intenso debate entre os analistas. Por um lado, alguns aplaudem a sua abordagem proativa, enquanto outros consideram-na uma reação desmedida.

Segundo assinala Michael Talbot, especialista macro na M&G Investments, no seu Bond Vigilantes, “costuma-se dizer que o primeiro corte é o mais profundo, e pode ser esse o caso da Reserva Federal dos EUA” com este corte de 0,5%. Decorridos 918 dias, o endurecimento da política monetária para travar a inflação transitória chegou ao fim.

Perspetiva positiva

Sam Vereecke, diretor de Investimentos de Obrigações da DPAM, interpreta esta medida como uma tentativa da Fed de estabilizar a economia. Na sua opinião, Jerome Powell conseguiu convencer o Comité Federal de Mercado Aberto (FOMC) a reduzir as taxas, procurando levar os juros para uma posição mais neutra, num contexto económico ainda sólido.

Economistas como Xiao Cui, Frederik Ducrozet e Nadia Gharbi, da Pictet WM, sugerem ainda a possibilidade de outro corte de 50 pontos base em novembro. Argumentam que Powell está a mostrar uma maior cautela perante uma aterragem económica suave, com pouca tolerância para a debilidade do mercado laboral.

Por sua vez, Jim Cielinski e Daniel Siluk, responsáveis globais da Janus Henderson Investors, consideram que a decisão é um corte otimista. Acreditam que a Fed pretende transmitir confiança com a sua retórica, utilizando termos como “equilibrado”, “confiante” e “resistente”. Gero Jung, economista-chefe na Mirabaud AM, também vê este corte como uma mudança de tom moderada nas previsões da Fed, o que sugere que pode haver mais dois cortes de 25 pontos base antes do fim do ano.

Perspetiva negativa

No entanto, nem todos partilham esta visão otimista. David Page, chefe de Análise Macroeconómica da AXA IM, questiona a justificação económica por detrás do corte, argumentando que se a Fed continuar a flexibilizar a política monetária sem sinais claros de desaceleração, esta poderá ver-se obrigada a reverter estas medidas no futuro próximo.

Alguns investidores interpretaram este movimento como um sinal de que a Fed poderá estar atrasada na sua abordagem, embora Powell tenha negado esta interpretação. Além disso, outros especialistas, como o analista da DPAM, consideram que grande parte dos cortes futuros já está descontada nos preços atuais e que uma desaceleração económica mais grave requereria uma flexibilização ainda maior da política monetária.

Impacto nos mercados

Em geral, os analistas concordam que este forte corte é positivo para os ativos de risco. Na Janus Henderson, sugerem que as empresas com uma elevada carga de dívida beneficiarão de menores custos de financiamento, tal como as empresas dependentes do consumo. Não obstante, a divergência entre as políticas monetárias da Fed e do BCE, que poderá fazer uma pausa em outubro, poderá ter implicações significativas para os fluxos de capital a nível global.

Obrigações

Jim Cielinski e Daniel Siluk destacam uma perspetiva otimista para os mercados de crédito e de obrigações. Afirmam que a duração, um fator-chave nos investimentos de obrigações, é agora favorável para os investidores, oferecendo oportunidades de revalorização do capital em vários pontos da curva de yields. Em particular, a parte mais longa da curva encontra-se plana, o que indica que as taxas a dois e dez anos estão a apenas alguns pontos base de distância, criando oportunidades de sobreponderar posições no curto prazo.

Sam Vereecke assinala que se pode esperar uma maior inclinação na curva de yields, o que justificará manter uma postura sobreponderada na duração, estratégia que tem tido sucesso nos últimos meses.

Ações

Sean Shepley, economista sénior na Allianz Global Investors, comenta que este corte gerou otimismo nos mercados de ações, especialmente em setores cíclicos e em empresas com maior carga de dívida. Estes setores poderão beneficiar da política monetária mais flexível, reduzindo os seus custos de endividamento.

Apesar do impulso nos mercados de ações, alguns setores, como o de matérias-primas, demonstraram alguma debilidade em 2024 devido à força do dólar. Frédéric Leroux, da Carmignac, antecipa um possível debilitamento do dólar e, com isso, uma queda nos preços do petróleo. Valerie Xiang, da Man Numeric (Man Group), também sugere tomar posições curtas em matérias-primas como o ouro e os metais, alinhando-se com esta visão.