Porque devemos manter a tendência de ter uma parte da carteira em dívida governamental

Photo by Aron Van de Pol on Unsplash

A volatilidade em que se instalaram os mercados de valores num ano como o de 2020 marcado pela pandemia de coronavírus destacou a necessidade de contar com carteiras que saibam adequar-se aos diferentes contextos de mercado, mesmo quando são a muito curto prazo.

Por exemplo, um dos grandes riscos que enfrentam agora as gestoras de obrigações é a possibilidade de que se passe de um contexto deflacionário para um inflacionário. Sobretudo, se as medidas expansivas anunciadas este ano pelos bancos centrais acabarem por provocar uma subida dos preços e não só dos ativos. “Vamos passar de um contexto deflacionário marcado pelos 4 D (dívida, demografia, disrupção e distorção) para um de inflação devido à desglobalização, a unificação de políticas monetárias, a subida dos preços das matérias-primas”, explica Paul Brain, responsável de obrigações da Newton IM (BNY Mellon IM).

Não obstante, essa viragem no que aos preços se refere é muito influenciada por aquele que é o grande risco que enfrentam os gestores em 2021: uma mudança no contexto económico. Por isso, os investidores continuam a comprar obrigações governamentais até num contexto favorável para os ativos de risco como é o atual. Um exemplo; um dos fundos que Paul Brain tem a seu cargo, o BNY Mellon Global Dynamic Fund, tem ainda 36% da carteira investida em dívida governamental e o gestor explica porquê.

“Uma diminuição do crescimento económico para os níveis de março poderá gerar uma preocupação com o incumprimento nos crédito. Para compensar este risco, temos obrigações do Estado, já que vão recuperar se o crescimento vacilar. Dentro da alocação de 36,5% temos algumas obrigações vinculadas à inflação dos EUA, obrigações do governo da Austrália e Nova Zelândia e exposição a Espanha e Itália. Todos rendem mais do que o mercado governamental europeu com yield negativa”, afirma.

Não é o único, já que apesar de nas perspetivas que as gestoras têm publicado haver uma clara coincidência no momento de assinalar os ativos de risco como os que apresentam um maior potencial para a 2021, são poucas as que aconselham desfazer-se por completo das obrigações governamentais.  “As perspetivas de rentabilidade das obrigações soberanas continuam a ser baixas tem todo o mundo. Contudo, isto não significa que as obrigações do Estado sejam supérfluas; continuam a ser extremamente importantes como meio de diversificação de uma carteira e como fator de equilíbrio em tempos de elevada volatilidade”, afirma Stefan Kreuzkamp, CIO da DWS.

Indiferentes ao efeito da vacina

Esse fator estabilizador das carteiras que continua a oferecer a dívida governamental é uma das causas que está por detrás do facto de que até após do anúncio das vacinas não se tenha visto uma venda massiva de dívida dos Governos (ver gráfico abaixo).

Mark Holman, CEO da TwentyFour Asset Management (Vontobel AM), explica-o. “Os bancos centrais devem permanecer vigilantes e manter as taxas de juro fixadas perto do zero durante um longo período de tempo, até permitindo que a inflação supere a taxa objetivo de 2%. Isto, combinado com as compras que serão realizadas pelo menos durante o próximo ano, significa que esperamos que a procura de obrigações soberanas continuará a superar a oferta, já que se tornou numa commodity”.

Isto vem justificar porque é que as gestoras continuam a manter as obrigações governamentais em carteira ainda que estejam conscientes do seu ajustadíssimo potencial de rentabilidade.

“Acreditamos que as obrigações governamentais estão caras ainda que não se esperem mudanças nos planos de estímulo, mas estamos sobreponderados em obrigações periféricas porque os programas de estímulos europeus as beneficiam”, afirma Stefan Hofritcher, responsável de Estratégia e Economia Global na Allianz Global Investors.