Recessão a caminho nos EUA? A opinião dos especialistas

Créditos: Harrison Kugler (Unsplash)

Nas últimas duas semanas, os mercados sofreram uma correção bastante violenta, especialmente no início desta semana, alimentada por receios de que a economia norte-americana esteja a apresentar riscos de recessão. Isto levantou algumas perguntas importantes: qual é o cenário mais provável, recessão ou simplesmente um crescimento mais lento? Em segundo lugar, como responderá a Reserva Federal e o que isto significa para as taxas de juro? E, por último, qual será o impacto na alocação de ativos?

Os dados apontam para um crescimento mais lento

Maria Paola Toschi, estratega global de mercados da J.P. Morgan AM, afirma que “uma análise mais equilibrada dos dados macroeconómicos sugere que estamos a assistir a sinais de abrandamento do crescimento, que eram esperados e desejados pela Fed para conseguir derrotar a inflação, e isto não conduzirá necessariamente a uma recessão”. As perspetivas de consumo continuam a ser favoráveis, com uma despesa anualizada de 1,6% e um crescimento projetado de 1,0% a 2,0% até 2025, segundo comenta Maria Paola Toschi. 

Alguns indicadores do mercado de trabalho norte-americano mostram sinais de debilidade, como o último relatório de emprego, que ficou aquém do esperado. Apesar disto, “o emprego continua a crescer, com 114.000 novos postos de trabalho não agrícolas. Houve um aumento da taxa de desemprego para 4,3%, no entanto, permanece muito baixa e parece destacar uma fase de normalização após um período excecional”, segundo afirma a estratega. Além disso, comenta que os pedidos semanais de subsídio de desemprego, embora tenham aumentado para 249.000, estão muito abaixo dos níveis típicos de uma recessão. Para a profissional, é mais provável uma desaceleração do que uma recessão nos Estados Unidos

No entanto, para Dan Scott, diretor da Vontobel Multi Asset (boutique da Vontobel), “a recessão ainda faz parte do nosso cenário económico base para 2024. Mas esperamos que seja breve e pouco profunda”. E acrescenta que os mercados se mostram excessivamente otimistas em relação à economia norte-americana, como refletido no Inquérito Global de Gestores de Fundos do Bank of America

Fed aproxima-se cada vez mais de um corte 

Os mercados esperam um corte de taxas de até 50 pontos base em setembro, novembro e dezembro, antes de fazerem uma pausa para ver se o crescimento volta a fortalecer-se no início de 2025”. E o profissional afirma que esta mudança nas perspetivas da economia e das taxas de juro já provocaram uma diminuição das yields das obrigações do tesouro a 10 anos, que passaram de 4,48% no princípio de julho para 3,79% atualmente.  

No entanto, Dan Scott assinala que “os últimos acontecimentos aumentam a pressão sobre a Fed para agir. Os pedidos de uma reunião não programada (e de um corte de taxas de emergência) são cada vez mais fortes. Estas medidas são raras, mas possíveis. Desde 1994, a Fed realizou um total de 11 reuniões de emergência, a última em março de 2020, quando baixou as taxas de juro oficiais dos EUA em 100 pontos base”. 

Benjamin Melman, CIO Global da Edmond de Rothschild Asset Management, afirma que os cortes entre reuniões são extremamente raros. “Embora o atual comportamento dos investidores pareça ser motivado pelo pânico, até agora não identificaram fatores problemáticos que justifiquem esta ação. Além disso, as condições de empréstimo deterioram-se apenas ligeiramente (graças à flexibilização das taxas a longo prazo)”.

Começa a rotação nos mercados

"A expetativa de cortes mais agressivos provocou uma rotação no mercado, desviando o foco do tema Mag 7 e afetando o S&P500 e o Nasdaq, que caíram 6% e 10%, respetivamente", salienta Toschi. A rotação setorial está a ser impulsionada pela procura de setores e ações que beneficiem de taxas mais baixas, observando-se um interesse renovado nas small caps, que têm um desconto acentuado na valorização em comparação com as big caps, e são menos vulneráveis num ambiente de taxas mais baixas, afirma. Além disso, espera-se que o crescimento dos lucros entre as Mag 7 e o resto do mercado convirja até ao final do ano.

Embora as ações tenham caído nas últimas semanas, "o crédito em geral tem mostrado uma resiliência extraordinária, com o MSCI Europe a subir 9% no ano vs. os 7% nos AT1, 4% no HY e quase 2% no IG", afirma Elisa Belgacem, estratega de crédito sénior da Generali Investments. No entanto, Elisa Belgacem comenta que os fundamentais das empresas apresentam ventos contrários de agora em diante, com potenciais revisões em baixa por parte das agências, com os respetivos fallen angels a serem classificados de IG para HY. No entanto, as valorizações em alta do IG continuam a impulsionar a procura, particularmente à medida que os bancos centrais se tornam mais agressivos.

Scott comenta que o Comité da Vontobel está atualmente ligeiramente sobreponderado em ações, com uma preferência por ações de qualidade selecionadas. "Reconhecemos que esta ligeira sobreponderação não é a ideal no ambiente atual, uma vez que não se podem excluir novas quedas a curto e médio prazo", mas observa que o resto da carteira está bem posicionada, com uma sobreponderação em títulos refúgio, como dívida pública e ouro, bem com obrigações de mercados emergentes em moeda forte e uma subponderação em obrigações high yield e investment grade.

A equipa de análise da Pictet WM acredita que se deve esperar por um melhor ponto de entrada na turbulência de curto prazo, e assinalam que as "as correções podem começar por uma série de razões, mas raramente terminam até que as preocupações com o crescimento gerem a capitulação dos investidores, o que não se tem verificado". Além disso, os nossos economistas não esperam que as preocupações com o crescimento sejam seguidas de uma recessão. Consideram também que a turbulência é mais um acontecimento tático de curto prazo, do que algo que fará descarrilar as perspetivas de longo prazo para as ações.