Um grande evento de crédito à espreita num novo ciclo de política monetária

pequeno almoço abrdn
Álvaro Antón Luna, João Pisco, João Paulo Silva e Francisco Louro. Créditos: Vítor Duarte.

Nos mercados de investimento, os últimos dois anos deram um novo significado à palavra atípico. E ao contrário de 2008, muitos dos motivos foram exógenos ao setor financeiro. Os múltiplos choques macroeconómicos provocados pela COVID-19 e as suas variantes, a guerra iniciada na Europa e o desplotar de uma crise energética, bem como, um novo ciclo monetário chocaram de frente com os mercados. Estes e outros fatores, deram aso a um dos melhores anos na história do setor financeiro no mercado de ações, ser seguido de um dos anos que trouxe mais sofrimento aos investidores, em várias classes de ativos.

Mesmo com bons desempenhos em 2021, a memória dos investidores estará sempre mais fresca para os resultados de 2022 e, por isso, a indústria de gestão de ativos tem agora de dividir os seus esforços entre garantir o melhor posicionamento para os riscos do próximo ano e mostrar aos seus clientes as oportunidades que se criaram. Com este cenário em mente, a FundsPeople, em parceria com a abrdn, juntou as perspetivas de quatro profissionais numa conversa que deixou bem claros os riscos para 2023.

Novos riscos à vista

Álvaro Antón Luna, responsável pelo negócio na Península Ibérica da abrdn, começou por pintar o cenário de riscos antecipados pelos gestores na Europa, apontando para algo que considera muito interessante. Ao analisar um estudo que recolhia as maiores preocupações dos gestores, “vemos inflação e incumprimento no mercado de crédito no topo, enquanto a propagação do Coronavírus já nem entra na lista”. Mas, olhando para as empresas, Álvaro destaca que têm sido muito perspicazes neste contexto. “A duração está algures entre três anos e meio e quatro anos e as empresas têm-se refinanciado até um ponto em que não vemos riscos significativos de incumprimento até 2026, mesmo que desapontem em termos de lucros”.

Também João Pisco, gestor de carteiras na Alvarium Tiedemann, não olha para um grande colapso no crédito no curto prazo como um acontecimento muito provável. No entanto, deixa a ressalva de que anteriores eventos deste género foram igualmente inesperados. Ainda assim, “as condições económicas e financeiras atuais aumentam o risco de que tal evento ocorra, com todo o tightening que temos observado e olhando para os atuais níveis de inflação”. Já no que diz respeito às obrigações, o selecionador concorda “a 100% que poderão existir excelentes oportunidades no mercardo de high yield”, mas diz não ter pressa para entrar no mercado, “quando a yield dos US Treasuries oferece hoje aproximadamente a mesma yield to maturity que o segmento high yield oferecia no início do ano de 2022, sem o risco adicional. “Para quê correr o risco de incumprimento quando podemos hoje ter retornos na casa dos 4% praticamente sem risco?” reforçou. Acrescentou ainda que, “selecionar os fundos e gestores certos neste contexto é chave”.

O mercado de trabalho e os layoffs

Na opinião de João Paulo Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco, “o principal risco está na redução de liquidez que o mercado enfrenta neste ciclo”. Aponta para o crescente risco de uma crise e vê no caso dos fundos de pensões no Reino Unido um exemplo perfeitamente adequado. Olhando para o mercado em geral, o profissional alerta que “os investidores não estão a ouvir a totalidade da mensagem da Reserva Federal. Acredita que os aumentos das taxas de juro vão diminuir de 75 pontos base para 50 e depois vão parar ou até diminuir, no entanto, Powell já disse que as taxas vão ficar altas durante muito tempo”. Destacou também a persistência da inflação, especialmente nos serviços, e dá os fortes mercados de trabalho e os aumentos salariais como as principais justificações, “uma espécie de inflação pegajosa”. Acredita que “os mercados estão demasiado otimistas, graças a uma previsão de descidas de taxas de juro no longo prazo”. No entanto, “após termos tomado este medicamento amargo da subida das taxas de juro, o rendimento fixo, apesar das taxas de incumprimento que se antecipam, volta finalmente a estar numa posição em que consegue providenciar diversificação.

Para Francisco Louro, diretor na BlueCrow Capital, risco é por definição algo que não que podemos antecipar, senão deixava de o ser, mas é algo para o qual nos podemos proteger. Na sua perspetiva, um grande evento de crédito é pouco provável. E, por isso, defende que “precisamos de portefólios que se adaptem e que tenham flexibilidade para manter os investidores defendidos dos riscos para os quais não temos visibilidade hoje”. Na sua perspetiva, “o rally dos últimos meses foi um exagero, porque as coisas não mudaram assim tão tanto. Alguns índices foram de níveis mínimos a níveis
máximos, criando verdadeiros bull markets em dois meses. E sempre que o mercado exagera cria-se um risco que vem inerente, em que basta uma pequena chama para que se inverta violentamente o sentimento, outra vez”.

Olhando para os dados de mercado de trabalho, destaca o tipo de desemprego como o fator distintivo e até único entre o período que vivemos hoje e outros períodos negativos anteriores. Olhando para os layoffs, grande parte, concentra-se no setor tech e financeiro, que começaram nos EUA, “vemos que são empregos de médio/alto rendimento, enquanto outras recessões começaram por afetar empregos de baixo rendimento primeiro”. “Estas pessoas têm poupanças, e, por isso, acredito que os efeitos na economia se irão alastrar de forma diferente e possivelmente mais tardia”.