A banca privada e a tinta que correu em MiFID II

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Créditos: Vitor Duarte

Muita tinta correu em torno da implementação de MiFID II. À medida que se clarificavam os detalhes da regulação, algumas peças iam-se encaixando e outras mostravam não ter onde encaixar. A FundsPeople mostrava isso mesmo na compilação de vários conteúdos e opiniões sobre o tema em setembro de 2020. Anos depois, vemos que o mercado encontrou um caminho e alguma estabilidade em torno da segunda versão da MiFID, mas os reguladores não dão descanso e adicionam-se exigências no âmbito da sustentabilidade e responsabilidade social, que prometem estender um pouco mais as conversas entre advisors e os seus clientes. E por mais guias que se se produzam, para orientar essas conversas, a verdade é que volta a ficar muito por clarificar. Mas olhando para o passado e fazendo o apanhado, a FundsPeople, no contexto do Think Tank promovido pela Edmond de Rothschild Asset Management, reuniu três profissionais ligados à área da banca privada para discutir a implementação de MiFID II e para se levantar o véu do que se está a fazer em sustentabilidade e MiFID verde. 

“É preciso voltar um pouco atrás e perceber como e porque é que a MiFID nasceu”, introduz Marco Rodrigues, do Desenvolvimento de Negócio do BBVA Portugal. “Nasceu, sobretudo, pela necessidade de regular um mercado que se caraterizava por um desnivelamento muito grande entre o que eram os direitos dos investidores e as obrigações dos fornecedores. Nasceu com um conjunto de regras com um objetivo principal, proteger os investidores”, diz. 

Na sua opinião, a maior parte dessas regras, viram o seu objetivo alcançado, “mas nem todas e algumas vieram dificultar um pouco o funcionamento natural do mercado”. Para Marco Rodrigues, a obrigatoriedade de informar todos “os detalhes dos custos fixos e variáveis resulta num escrutínio muito grande na indústria de gestão de ativos e patrimónios que não vemos noutras atividades. Quando se vende um carro, o vendedor não informa acerca de quanto este poderia custar se toda a gente envolvida na sua conceção não tivesse intervindo no processo. É difícil de explicar aos clientes esta realidade”. 

Na mesma linha, para João Folque Antunes, diretor na sucursal nacional do Edmond de Rothschild (Europe), a introdução de MiFID II foi algo disruptivo e com um impacto importante na indústria. “Foi algo que exigiu um elevado nível de formação aos colaboradores da banca para que os próprios e os clientes entendessem os objetivos da nova regulamentação e o impacto desta no relacionamento diário, ao nível do aconselhamento e da transparência”, diz. Adicionalmente, o processo foi, para João Folque Antunes, exigente do ponto de vista tecnológico, visto que as instituições tiveram que mostrar a capacidade para incorporar nos seus sistemas todas as exigências que advieram de MiFID II. 

Contudo, para lá da exigência e complexidade, o profissional considera que “no fim, com um processo bem conduzido, os clientes apreciaram a implementação. Por um lado, sentem-se mais protegidos por todas as etapas anteriores ao investimento que lhes permitem ter acesso a mais informação, de uma forma harmonizada entre os diversos players”.

Longe de estar fechado

Mas, “o plano de implementação de MiFID não está fechado ainda. É um processo que tem vindo a correr e que temos vindo a preparar ao longo dos últimos anos”, diz Bruno Minoya Perez, diretor de Banca Privada do Banco Carregosa. Não obstante, o profissional considera que o alinhamento estratégico de MiFID II está implementado, muito embora alguns ajustamentos tenham vindo a provar ser necessários. “É como em tudo. Quando a regulação incide sobre um determinado setor ou área de negócio, pode-se cair no exagero. Têm sido feitos ajustamentos para que essa regulação, não se tornando permissiva, também não seja bloqueadora do negócio”, explica.

Para o profissional, existe hoje em dia uma consciencialização global de que tem que existir uma maior proteção ao investidor não profissional. “Para isso, a utilização de práticas de clarificação, transparência da informação, do garante de que o cliente tem a consciência daquilo que está a subscrever e dos riscos que incorre, teve em MiFID uma evolução positiva”, esclarece.

Sustentabilidade e MiFID verde

No que se refere à MiFID verde, ou especificamente a inclusão de questões de sustentabilidade e responsabilidade nos testes de adequação de produtos de investimento, o diretor na sucursal nacional do Edmond de Rothschild (Europe) releva que lhe faz lembrar os primeiros questionários de MiIFID II. “Mais uma vez, há que fazer essa formação. É sempre um adicional ou mais uma derivada de complexidade em cima da mesa, mas tudo é explicável”, exclama. 

Para o profissional, algumas questões mostram-se mais abertas do que outras, mas os clientes percebem o sentido. “Deparamo-nos com dois tipos de clientes. Clientes que sim, querem incorporar alguns desses critérios na sua gestão, e outros que, apesar de serem sensíveis ao tema, especialmente no atual contexto de volatilidade, não querem impor restrições. Fruto do impacto que a decisão pode ter na alocação de ativos, noto que alguns clientes preferem ser cautelosos e deixar o tema em aberto”, explica. 

Para Marco Rodrigues, “a sustentabilidade é um caminho que tem que ser percorrido e a indústria financeira tem um papel muito importante nesse caminho, porque, no fundo, a indústria direciona os capitais para atingir os objetivos de sustentabilidade”. Para o profissional, de uma forma geral, os clientes conseguem perceber o alcance de todo este tema. “É fácil explicar a um cliente que as empresas que adotarem estratégias de sustentabilidade e responsabilidade, sejam focadas no E, no S ou no G, terão melhores hipóteses de vingar”, diz. 

Já na relação da banca privada com os produtores de soluções de investimento e com a SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation) - porque não é, de todo, a mesma coisa  -, Bruno Minoya Perez clarifica que têm “prestado uma maior atenção aos produtos que encaixam no artigo 8º. “É um caminho que também temos que fazer. Quando selecionamos fundos de investimento ou produtos financeiros complexos temos estes critérios em consideração. Uma consideração que resulta não só da preocupação que vemos da parte dos clientes, como também do nosso lado. Com todos os relatórios de sustentabilidade que são produzidos, queremos estar compliant com o artigo 8º da SFDR”, termina.