Entrevista a Xavier Meyer, CCO da abrdn, que revela os pontos-chave da estratégia da entidade após um ano incerto para os mercados.
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Após um ano péssimo para a indústria de gestão de ativos, com fluxos negativos de 1.200 milhões, 2023 não evoluiu como seria de esperar. A indústria acumula saídas globais de 350.000 milhões de dólares, que poderão alcançar os 500.000 no final no ano.
Com este cenário de fundo, que representa um desafio para toda a indústria, Xavier Meyer assumiu o posto de Chief Client Officer na abrdn há mais de um ano. Explica que, do ponto de vista do investimento, o exercício atual pode dividir-se em duas partes. A primeira metade, de janeiro a maio, na qual predominou a cautela e houve apenas realocação do capital nas carteiras. Na segunda metade do ano, depois do verão, “começámos a ver uma redistribuição do dinheiro dentro do segmento de obrigações”, mantendo um tom conservador. O interesse dos investidores centra-se nos segmentos mais seguros da dívida, embora comecem a tomar posições em obrigações de mercados emergentes.
Meyer mantém uma perspetiva sobre a evolução dos mercados ainda incerta e debate-se entre dois cenários possíveis: o fim de ciclo ou a aterragem suave. Dois contextos aos quais atribui probabilidades similares, 40% e 35%, respetivamente. No primeiro, poderemos ver “uma correção dos retornos das ações mais rápido do que se espera atualmente. A expetativa de os retornos diminuírem mais rápido do que se espera pode resultar numa profecia auto-cumprida, o que levará a correções na Europa e no Reino Unido, que se irão expandir aos EUA. Do ponto de vista do investidor, manter-se-ia a aversão ao risco e, talvez, uma preferência pelas obrigações de maior duração”, explica Meyer.
O segundo cenário é mais favorável ao risco. Um contexto de aterragem suave poderá beneficiar as ações, especialmente as small caps, e os mercados emergentes, tanto no segmento de dívida como de equity.
“Encontramo-nos numa situação em que não sabemos qual dos cenários terá lugar. Como investidor, sob uma perspetiva macro, uma estratégia com uma visão barbell faz sentido”, acrescenta.
Simplificação da relação comercial
Perante o movimento de concentração que se está a viver na indústria, Meyer assinala que é algo que faz sentido em termos de simplificação da relação comercial, num momento em que há um maior escrutínio regulador, e que afeta tanto os gestores de ativos como os fornecedores e distribuidores.
Numa indústria com um elevado número de concorrentes, “é muito importante ter uma mensagem e um posicionamento claros, porque os nossos clientes têm muito por onde escolher”, explica. Nesse sentido, na abrdn, gestora cujo volume de ativos se aproxima dos 500 mil milhões de libras, têm a sua estratégia clara: “Somos uma gestora de ativos especializada”, assinala. Não procuram ter capacidades em todas as classes de ativos, mas sim posicionar-se nos mercados nos quais “podem realmente acrescentar valor ao cliente”, explica Meyer, “em vez de demarcar a casa em todo o espetro geral”.
Por tipo de ativos, a área em que têm maior especialização e volume (125.000 milhões de libras) é as obrigações, tanto em dívida pública como em crédito e dívida privada. Quanto às ações, a sua especialidade centra-se nos mercados emergentes, “área onde cobrimos desde empresas de grande capitalização até small caps”. Dentro das ações de mercados desenvolvidos, concentram-se basicamente em quatro áreas: sustentabilidade, estratégia de dividendos, pequenas e médias empresas, e temáticos, sendo esta última uma área que estão a desenvolver.
Também dispõem de capacidades em multiativos, em grande medida através de soluções personalizadas para investidores institucionais, um segmento que concentra 80% dos seus ativos.
Mercados privados
18% dos seus ativos (90.000 milhões de libras) estão em mercados privados. Embora concentrem a sua especialidade em real estate, também têm capacidades em dívida privada, infraestruturas e hedge funds.
Dentro da sua gama de produtos em alternativos, a democratização do acesso a estes mercados teve um papel importante, e dispõem de veículos com um histórico relevante. Entre os exemplos, Meyer destaca um fundo imobiliário aberto lançado há 17 anos. “Devido à tensão nesse mercado, uma série de concorrentes tiveram de limitar os reembolsos. Nós nunca tivemos de fechar os nossos fundos”, aponta.
Uma segunda estratégia focada na democratização dos mercados, centrada no Reino Unido, é um fundo fechado que negoceia em bolsa. “É uma gama de veículos muito antigos, alguns deles com 200 anos”, assinala Meyer. Trata-se de uma estrutura fechada que investe no setor imobiliário, conta com cotação diária e pode comercializar-se num mercado secundário.
Outra das soluções é a figura do interval fund, ou fundo de intervalo. “Trata-se de um fundo que tem uma negociação trimestral ou mensal. Temos várias estruturas, uma delas é um multiativos global que pode investir em diversas tipologias de mercados privados”.
“É o que temos estado a fazer e a operar com um bom historial durante vários anos”, assinala. No entanto, na abrdn, fazem uma pergunta fundamental: podemos ir um passo além e dar liquidez diária aos produtos que investem em mercados privados? A sua resposta é direta: “Isto passaria pelo desenvolvimento de um mercado secundário”, afirma Meyer. Nesse sentido, uma tendência em que estão a trabalhar é a tokenização de ativos. “Trata-se, basicamente, de utilizar alguns dos últimos avanços tecnológicos, a tecnologia blockchain em particular, para poder comercializar um ativo ou um fundo”. A gestora já começou a explorar este terreno e, há uns meses, fizeram o seu primeiro investimento baseado em blockchain, mediante a tokenização de parte de um fundo do mercado monetário. Utilizou o Archax Tokenisation Engine, a primeira bolsa de valores digitais regulada pela FCA, para cunhar o token. “Hoje, os clientes têm duas opções para investir no mesmo fundo monetário: subscrevendo o veículo tradicional ou recorrendo a uma bolsa digital”, explica.
Investidor tradicional vs investidor cripto
Enquanto esta tecnologia avança, na abrdn, deram os primeiros passos para criar uma ponte e juntar duas comunidades de investidores diferentes, uma muito tradicional de investidores e os tesoureiros que investem em fundos do mercado monetário, e outra mais habituada ao investimento cripto. Qualquer processo de inovação exige um período de aprendizagem. Embora existam processos que ainda estão longe de serem implementados na indústria, a experiência que vão acumulando até então deixá-los-á melhor posicionados. Estamos num processo que será “disruptor para o negócio de custódia, para o negócio bancário, inclusive para o funcionamento dos bancos centrais e do mercado de divisas”, explica.
De olho nos processos de inovação, também continuam a desenvolver os produtos mais tradicionais. Por exemplo, acabam de lançar o seu primeiro ETF na Europa. “Trata-se de um ETF ativo de imobiliário global”, assinala, um produto para o qual estão a aproveitar a experiência que têm, sendo “o maior operador imobiliário do Reino Unido e um dos maiores da Europa”. Este lançamento é o primeiro dentro de uma gama de temas que preveem desenvolver e que estará bastante ligada às mudanças e tendências económicas globais.