Até que ponto podem influenciar as perceções dos investidores em relação ao mercado? O caso da dívida italiana

Itália
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Giuseppe Conte renunciou ao cargo de ministro da economia, este domingo -  a sua tarefa seria de formar um novo governo - devido às ideologias antieuro de Paolo Savona. Entretanto, o presidente, Sergio Mattarella, pediu esta segunda-feira ao antigo diretor do FMI para dirigir um governo de iniciativa presidencial. Carlo Cottarelli consentiu e aceitou o desafio. 

Estas duas últimas semanas demonstraram, ser cruciais para a evolução das obrigações italianas, também conhecidas por BTPs, devido ao facto de os investidores começarem a refletir em que tipo de medidas pode o novo executivo italiano implementar ou não. Para David Simner, gestor de obrigações europeias da Fidelity, “os movimentos dos preços dos títulos do governo italiano (BTP) na última semana demonstraram, uma vez mais, que os mercados financeiros podem mudar rapidamente”.

Para ilustrar esta afirmação, Simner apresenta um gráfico que reflete a evolução dos preços dos futuros sobre as obrigações italianas a dez anos (dados de 22 de maio). “Depois de ter cotado numa suave e inclinada tendência de subida durante a maior parte do ano passado, a publicação de um projeto inicial do acordo entre os dois partidos mais votados, o M5E e a Liga Norte, fez com que os preços das obrigações BTP caíssem a pique.Tendo tocado no nível de 140 no dia 4 de maio, os futuros das BTP foram negociados a 131.58, no dia 21 de maio, uma queda de pouco mais de 6%”, especifica o gestor.

Futuros das obrigações italianas a 10 anos

Capturar

Fonte: Fidelity International, Bloomberg, 22 de maio 2018.

A partir destas observações, este conclui que “é legítimo dizer que houve uma sensação de pânico no mercado”. Ou seja, que nos últimos dias, os investidores apressaram-se a reduzir o risco e esta reação foi a resposta às implicações do orçamento anunciado pelo novo governo, que, tal como recorda Simner, “causaram preocupação sobre a futura dinâmica da dívida de um país que já está muito endividado”.

O gestor realça que algumas das medidas mais extremas que se publicaram na versão inicial filtrada para os meios de comunicação foram atenuadas ou eliminadas posteriormente, mas isto não foi suficiente para devolver a confiança aos investidores no plano do novo executivo. De facto, o especialista indica que um dos medos que paira agora no mercado é o facto da República de Itália poder sofrer uma redução de rating, mas não é o único: também pesa na balança, mas contra, o facto de o primeiro ministro proposto apenas tenha experiência política. Como pode desenvolver a relação que este mantém com os dois partidos eleitos, e que postura vai adotar finalmente o novo Executivo em relação ao projeto europeu, uma vez que tanto a Liga Norte como o M5E posicionaram-se como eurocéticos.

Ao haver tantas questões no ar, Simner admite que “não há uma resposta simples: num contexto tão volátil, é fácil para um investidor tomar uma posição determinada apenas para ver como se vira imediatamente contra ele, ou para que o sentimento mude ao ritmo dos títulos das notícias”. O conselho que o gestor dá é apelar, em contrapartida, ao temperamento: “A experiência ensinou-me que vale a pena manter-se firme durante as sessões de negociação para tomar uma decisão assim que o mercado tenha encerrado o dia. Como investidor, é necessário compreender como o mercado se posiciona e medir quanta pressão vendedora se pode gerar”.

Ajuste no longo prazo

A DWS foca-se noutro caso de comportamento dos mercados relacionado com a dívida italiana, mas neste caso o marco temporal é mais longo, pelo que os resultados parecem mais lógicos. Os analistas da empresa centram-se no facto “de o mercado de obrigações ter aprendido a diferenciar entre os vários países da Zona Euro”, algo que há apenas cinco anos não acontecia. “Em 2013, as yields das obrigações espanholas eram negociadas até um ponto percentual acima dos italianos, o que implicava que os investidores exigiam um maior prémio de risco sobre a dívida espanhola”, recordam.

Nestes cinco anos, as duas grandes economias do sul da Europa tomaram caminhos diferentes. Os analistas apresentam dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), segundo os quais o PIB italiano não cresceu tanto em relação ao do espanhol.

Como consequência deste comportamento diferente, constatam da gestora que “os bons resultados de Espanha se refletem nos preços das obrigações, e desde 2017, as rentabilidades espanholas cotam abaixo das italianas”. Assim se reflete no gráfico que apresentam, que mede o spread entre as obrigações a dez anos espanholas e as italianas. Para além disso, informam que “recentemente começámos a classificar a Espanha como um país semi-core, e já não como parte da periferia”.

lua; noite

“Em suma, os mercados retribuem o desempenho económico positivo, e a reação aos últimos acontecimentos políticos em Itália é uma amostra de que os mercados financeiros não se sentem confortáveis com o que está a acontecer em Roma”, concluem da gestora.