Elena Domecq (J.P. Morgan AM): “Estamos cautelosos, mas a procurar oportunidades”

Elena Domecq. Créditos: Cedida (J.P. Morgan AM)

A nível macro, o cenário base da J.P. Morgan AM é que a economia global vai crescer abaixo da tendência, com uma inflação com tendência para abrandar e uma política monetária a aproximar-se do fim das subidas de taxas. “As economias dos Estados Unidos e da Europa estão a resistir melhor do que se esperava. A primeira aproxima-se de uma recessão que, se chegar, poderá fazê-lo no segundo semestre do ano. No que diz respeito à Europa, não estamos seguros de que vai ser capaz de a evitar. E agora a China regressou com uma reabertura pós-COVID que, embora tenha sido caótica, melhora as suas perspetivas”, destaca Elena Domecq.

Tal como explica a vice-diretora de Estratégia da J.P. Morgan AM para Espanha e Portugal, a inflação está a abrandar, o que deverá permitir aos bancos centrais aproximarem-se do fim do processo de endurecimento da sua política monetária. “O limite da Fed pode ser de cerca de 5%. Tudo dependerá da evolução de uma inflação subjacente que já está a abrandar. A Fed ainda tem uma ou duas subidas e, no final deste semestre, deveremos assistir a uma pausa. Na Europa, Lagarde levará as taxas aos 3%. A partir daí, se a inflação subjacente não cair, poderemos ver taxas ainda mais elevadas”. 

EUA indicam o caminho do que pode acontecer

Visto que os EUA estão à frente do BCE na sua política de subidas de taxas, é interessante analisar o que está a acontecer do outro lado do Atlântico. A questão consiste em analisar se o aumento de 425 pontos base que Powell já implementou está a ter efeito no abrandamento da economia. “Um dos setores onde este impacto se sente mais é o setor do crédito hipotecário, com um mercado imobiliário a apresentar valores de vendas mais baixos. É um setor que ainda tem alguma correção a fazer, embora o que está a acontecer nada tenha a ver com o que aconteceu em 2008”.

Também se observa no consumo, que não está claramente no mesmo ponto de há um ano. Isto é explicado, em grande medida, pela depreciação dos ativos de obrigações e ações em 2022. “Estima-se que as famílias americanas tenham perdido quatro bilhões de dólares de riqueza desde o fim de 2021. Se a isto juntarmos a ausência de políticas de estímulo fiscal no ano passado, é fácil deduzir que as famílias tiveram de recorrer às suas poupanças, levando-as para os níveis pré-pandémicos. Espera-se que agora sejam mais cautelosas com o consumo e voltem a poupar. Nas empresas ocorre o mesmo. O investimento em capex irá abrandar”.

Os casos da Europa e da China

A Europa, por outro lado, registou nos três primeiros trimestres do ano passado dados de crescimento melhores do que o esperado, que estão agora a mostrar sintomas de exaustão. “Apesar da forte subida do preço do gás e das matérias-primas em geral, a economia europeia aguentou melhor do que se previa, com um crescimento que tem estado acima da tendência”, recorda a especialista. O problema é que, agora, à semelhança dos EUA: a subida das taxas pode estar a abrandar a atividade e, se um novo choque de mercado como o que aconteceu com a invasão da Ucrânia ocorresse, a margem das famílias para consumir seria mais baixa, dado os menores níveis de poupança.

A China é um capítulo à parte. De acordo com Elena Domecq, o país pode voltar a recuperar ao caminho de crescimento após abandonar a política de COVID zero, algo que beneficiaria especialmente a Ásia. “2023 deverá ser um melhor ano do que o anterior para a China. Não será uma recuperação da noite para o dia. Tal como aconteceu no Ocidente, a reabertura será um processo que levará o seu tempo. Neste caso, esperamos que se materialize nitidamente no segundo semestre do ano e que seja apoiada pelo consumo e por uma maior estabilidade do mercado imobiliário, onde as medidas do governo para tranquilizar o mercado devem começar a surtir efeito”.

Posicionamento

E como tudo isto se traduz em termos de posicionamento nas carteiras? A vice-diretora de Estratégias da J.P. Morgan AM para Espanha e Portugal resume-o numa frase: estão “cautelosos, mas a procurar oportunidades”. Cautela, por exemplo, em ações, onde estão ligeiramente subponderados e onde preferem apostar em estratégias de valor relativo. “Embora as ações estejam atrativas devido à valorização, o facto de as obrigações pagarem uma yields interessante reduz a sua atratividade do ponto de vista relativo. Além disso, estamos a começar a ver os analistas a baixar as suas perspetivas de crescimento dos lucros empresariais”.

Em relação ao growth e ao value, as carteiras da J.P. Morgan AM estiveram enviesadas para o estilo value em 2022, o que funcionou bem para eles, embora este ano apresentem um maior equilíbrio. Em obrigações foram comprando duração e agora estão neutros. “É provável que nesta primeira parte do ano haja mais oportunidades no mercado de obrigações”, avisa. Em crédito, preferem dívida com investment grade em detrimento do high yield e até acrescentaram obrigações emergentes. Também estão positivos em matérias-primas numa perspetiva a longo prazo. “Há um desajuste na oferta e na procura e é uma classe de ativos que deverá ter bons resultados nos próximos anos”, conclui.