Franklin Templeton: "Há uma possibilidade para um atraso na recuperação europeia"

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Mmbace, Flickr, Creative Commons

Poderá a crise entre a Rússia e a Ucrânia danificar gravemente a recuperação da Europa? Esta é a pergunta que paira sobre a zona do euro há meses e à qual Philippe Brugere-Trelat, gestor da Franklin Templeton Investments. O profissional acredita que o conflito geopolítico se viu refletido nos maus dados crescimento registados na zona do euro durante o segundo trimestre do ano, afetando particularmente a Alemanha, que surpreendeu negativamente ao contrair 0,2% neste período. “Na medida em que a economia alemã é uma das mais expostas à Rússia, considero que (os dados) estão diretamente relacionados com as tensões entre a Rússia e a Ucrânia”, disse o especialista.

Mas vai mais longe, afirmando que espera também que os dados de crescimento na zona do euro no terceiro trimestre sejam medíocres “em parte devido à dura troca sanções entre a Rússia e o Ocidente, em julho”, explica. Brugere-Trelat teme especialmente pela Alemanha: “Já estamos a verificar dados que decepcionam ao nível do PMI da manufactura e, igualmente, algumas empresas alemãs estão a suspender planos de expansão. Os gastos com capital tem sido fraco e a confiança empresarial no país ressentiu-se”. Tudo isso leva o gestor a uma primeira conclusão: “Acreditamos que agora existe a possibilidade de que a esperada recuperação da economia europeia se atrase, principalmente se a tensão política se agravar”. 

Dito isso, o especialista também observa uma série de fatores que podem suportar uma tendência de subida dos mercados, mesmo se a crise persistir, com especial referência para a vontade do BCE em reanimar a economia e a desvalorização esperada do euro, o que vai impulsionar as exportações. Além disso, Bruguere-Trelat afirma que "embora a situação atual na Ucrânia pareça problemática, não julgo que a Rússia se possa permitir a uma crise prolongada”. Acrescenta: "A economia russa poderá já estar em recessão ou na direção de uma, e a baixa na produção devido às sanções ocidentais, em conjunto com a escassez de abastecimento e o aumento dos preços do consumo com os quais se deparam os russos podem corroer o apoio ao presidenteVladimir Putin”.

Contudo, o gestor considera ainda mais importante a necessidade da Rússia e a Europa se darem bem “uma vez que cada uma precisa do que a outra possui: a Rússia necessita de desenvolver a sua economia dependente das matérias-primas (petróleo e gás) e não pode fazê-lo sem capital e tecnologia europeus; e a Europa precisa do gás russo para abastecer as suas centrais térmicas”. Um segundo prognóstico neste campo: “Putin está bem ciente desta situação e penso que esta crise se vai resolver de forma pacífica, possivelmente antes do final do ano, dado que não existe, no meu entender, outra solução viável”. O gestor é da opinião que algumas das empresas europeias expostas ao mercado russo “foram desproporcionalmente prejudicadas por estes acontecimentos e admite que este pode ser bom momento para considerar a compra de títulos europeus”.

A visão contrarian em ações europeias

Brughere-Trelat observa que, se se isolar todo o ruído gerado no curto prazo, podemos ver que muitas empresas europeias se têm comportado melhor que o esperado, gerando fortes ganhos no segundo trimestre e beneficiando da política de forward guidance dos bancos centrais. “A questão é que grande parte desse crescimento é proveniente do exterior da Europa”, indica o profissional da Franklin Templeton Investments: a maior parte dos rendimentos das empresas europeias vêm da América do Norte e China. "Esses mercados têm vindo a crescer bem e são muito mais importantes do que a Rússia, para muitas empresas da Alemanha e de outros sítios”, sublinha. A isto deve acrescentar-se a depreciação do euro, que já está a ter um impacto sobre os lucros das empresas, melhorando o seu perfil de competitividade. 

“Outra dinâmica que faz com que os valores europeus nos convençam no momento é que o dividend yield médio do Stoxx 600 é muito mais atrativo do que nos EUA”, referiu. Considera especialmente relevante este dado se, além disso, o investidor tem em conta que o bund está a oferecer um retorno inferior a 1%, “sem sequer considerar a possibilidade das empresas melhorarem os seus ganhos futuros e margens operacionais”.

Se umas linhas mais acima o representante da Franklin Templeton afirmava a sua preocupação particular com a Alemanha devido ao impacto das tensões geopolíticas, agora encontra os seus trunfos: “As ações alemãs convencem-nos cada vez mais e estamos a encontrar valor no meio da crise russa. Gostamos do sector do consumo cíclico, porque as suas avaliações são muito baixas em relação a outros sectores, como saúde ou o consumo básico. Encontramos muitas empresas com bons balanços, fortes fluxos de caixa e boa gestão neste espaço”. Mais pistas: o gestor gosta dos títulos vinculados à indústria automóvel, lazer, industrial, vendas a retalho e até mesmo o sector financeiro, incluindo bancos. 

O especialista recorre à sua larga experiência para dar um conselho aos investidores: “Com qualquer crise ou perturbação do mercado no curto prazo, como a que vimos recentemente na Europa, é importante concentrar-se na quadro geral. Quando investimos, temos um horizonte de tempo expresso em anos, não em meses. Tendemos a ser muito contrarian e embora possam chegar com mais brevidade. Neste sentido, não vemos razão para ir à procura de valor a longo prazo em locais onde outros só veem riscos de curto prazo”.