"Passámos um ponto de não retorno na geração de dívida pós-crise. O cenário New Normal não vai ser um contexto "normal", como o conhecemos", afirma o responsável global de obrigações da Janus Henderson.
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Num contexto económico em que se começa a vislumbrar o fim do ciclo, pelo menos para economias como as dos EUA, cada vez são mais os participantes do mercado que afirmam que o conceito “New Normal” é uma enteléquia. Um deles é Jim Cielinski, responsável global de obrigações de Janus Henderson: “Passámos um ponto de não retorno na geração da dívida pós-crise. O mundo já está a nadar em dívida e a criação de dívida nova é superior ao crescimento. Isto vai ter um impacto sobre o cenário New Normal, que não vai ser um contexto “normal”, como o conhecemos”, declara.
O responsável dá alguns exemplos desta anormalidade: “Antes, o excesso de endividamento costumava causar um alargamento dos spreads de crédito, mas isto não aconteceu nos últimos três anos. Antes, à medida que uma economia se aproximava do pleno emprego, as pressões salariais subiam, mas isso não está a acontecer nos EUA. Antes costumava haver uma correlação bastante firme entre taxas de juro e crescimento económico, porém essa correlação está acabada”.
Cielinski acrescenta que, se o ritmo atual de criação de crédito se mantém, “suceder-se-ão algumas coisas que parecem normais, como pressões inflacionárias, mas também devemos esperar uma maior dispersão”. O especialista emprega o termo “dispersão” para se referir às divergências causadas pela política monetária dos principais bancos centrais, “uma receita perfeita para que haja mais volatilidade”, acrescenta.
A questão é que o responsável de obrigações considera que a margem de manobra dos bancos centrais também mudou: “Se pensar em que é que poderão precisar para enfrentar a próxima recessão, uma das ferramentas serão umas taxas mais baixas ou negativas. Porém não fizeram realmente grande coisa neste ciclo, a única coisa que serviu foi para criar mais dívida”.
O ponto de vista do especialista é de que a ferramenta mais eficaz para combater a próxima recessão deverá ser um incentivo fiscal: “Será necessário aumentar o défice orçamental”. Assim, para Jim Cielinski a bomba do New Normal representa “a redução da capacidade dos bancos centrais de reagir às condições económicas”. A previsão do especialista é a de que a economia mundial está a dirigir-se para um ponto em que o “crescimento e endividamento se tornam inflacionários”; será então quando se irá ver “um aumento da subida das yields”.
Cielinski estabelece claramente a sua previsão de crescimento do endividamento com a expectativa de mais estímulos fiscais, ao prever que estes estímulos contribuirão para o crescimento através do endividamento estatal. Dá como exemplo a reforma fiscal da Administração Trump: “As reduções de impostos que Trump aprovou vão aumentar o défice nos EUA. É improvável que eliminem estes estímulos”.
Estas políticas também representam um paradoxo, pois o responsável de Janus Henderson constata que por detrás da inesperada vitória eleitoral de Donal Trump, estava um forte descontentamento social: “É bastante estranho o facto de terem votado em alguém que vai aumentar a desigualdade de rendimentos em vez de a corrigir. Mas o que vai chatear as pessoas dentro de uns anos é o facto da resposta à desigualdade consistir, posteriormente, no aumento ainda maior do défice”, conclui.
No caso europeu, o especialista acredita que deverá ser a Alemanha a liderar o aumento da despesa pública: “Não é possível pedir a países do sul da Europa que empurrem os seus déficits. Contudo, a economia alemã é um motor de crescimento e tem a capacidade para aumentar o seu déficit. A zona euro deveria funcionar de forma a que a economia alemã aqueça demasiado porque as políticas monetárias são demasiado permissivas para a Alemanha, mas que sejam adequadas para o resto das economias da zona euro também. É provável que isto não aconteça neste ciclo, mas se tivessem capacidade para utilizar esta ferramenta no ciclo seguinte ”, explica o especialista.
Como será o próximo ciclo?
A última década foi extraordinária em vários sentidos, começando pelo facto de se ter presenciado a maior experiência monetária da história. Também foi uma década cheia de cisnes negros, começando pela quebra da Lehman Brothers e passando pelos QE, as taxas negativas ou o Brexit. “Todos estes são eventos que tinham menos de 2% de probabilidades de acontecer”, recorda Cielinski. Assim, quando perguntam ao especialista como poderá ser o próximo ciclo, mais do que uma má previsão, o que ele faz é um conjunto de esclarecimentos: “Não pense nos ciclos em termos históricos, porque os sucessos não são lineares nos mercados. Um bom exemplo disso é o comportamento da inflação”.
De facto, Cielinski afirma que os investidores deverão vigiar muito atentamente a evolução da inflação durante este ano, porque acredita que “vai ser o indicador de um erro de política monetária ou de um final abrupto do ciclo económico”. Na sequência desta afirmação, o especialista acredita que no próximo ciclo “vai-se requerer menos trabalho dos bancos centrais, que vão continuar a manter as taxas muito baixas. “O seu trabalho centrar-se-á em evitar cometer erros de política monetária”, acrescenta.
Uma das medidas que o responsável não descarta é a aplicação na Zona Euro de uma política de controlo da curva das de taxas a dez anos: “Suspeito que poderemos ver ações como um controlo da curva de taxas semelhante ao que estamos a ver no Japão. Será aplicável a todos, não só aos bunds, e o limite para controlar estará provavelmente, próximo do 0. Para conseguir, o BCE terá que mudar a subscrição de capital que utiliza para comprar dívida, mas há formas de o fazer. O desafio será que a Alemanha se sinta mais confortável a assumir mais riscos”, afirma.
Cielinski esclarece que não espera ver este tipo de medidas no curto prazo: “O que quero dizer é que, à medida que cheguemos ao fim deste ciclo e entremos no seguinte, acredito que controlar a curval das bund para um limite próximo de zero será totalmente coerente com uma forma de poder livrar-se da seguinte recessão”.
A última conclusão de Cielinski para este novo mundo é que tanto a taxa neutral de yields como a taxa terminal “deverão ser mais baixas do que nos ciclos anteriores, pelo menos nos países desenvolvidos”. Esta previsão liga-se com o abrandamento do crescimento da população, cada vez mais envelhecida, e aos problemas em recuperar a produtividade registados desde o início da crise. “O mais provável é que a produtividade continue em níveis semelhantes aos atuais. Assim, a taxa neutral deverá refleti-lo”, resume.
Para o caso dos EUA, o especialista calcula que as taxas de juro poderão tocar o máximo de 3%. “Poderemos ver esta taxa no fim deste ano, mas iria exigir um passo à frente no ritmo de normalização da FEd”, conclui Cielisnki.