Não existirá subida de taxas na Europa, mas... até quando?

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iboogaloo, Flickr, Creative Commons

Embora a Reserva Federal tenha voltado a colocar os gestores em alerta com a sua mensagem de que se poderão esperar subidas das taxas de juro nos EUA antes do final do ano, a situação na Europa é bem distinta. A ausência de pressões inflacionistas e a debilidade do crescimento económico são factores que obrigaram o BCE a colocar em marcha um programa de compra massiva de dívida (QE) que o presidente da autoridade monetária Mario Draghi prevê que se mantenha até ao final de 2016. A isto acrescenta-se que a crise grega poderá atrasar a recuperação da atividade no Velho Continente, enquanto que o acordo entre o Ocidente e o Irão sobre o seu programa nuclear representa incluir o país persa como um novo exportador de crude, o que poderá gerar pressões descendentes sobre o preço do barril e, indiretamente, sobre a inflação.  

Em consequência, os especialistas não têm dúvida nenhuma que o BCE não aplicará a subida das taxas a curto-médio prazo, mas... Até quando esta situação de taxas 0%? As opiniões diferem. Para alguns, não será até ao final de 2016. Outros, no entanto, atrasaram este movimento até 2018. Entre eles está John McNeill, da Kames Capital, que se mostra convencido de que a autoridade monetária europeia não aumentará as taxas dentro de três anos por causa das persistentes dificuldades que a região enfrenta. Segundo o gestor, “o mercado está a começar a descontar uma primeira subida de taxas na Zona Euro para finais de 2017 mas essa previsão não é realista, parece-nos demasiado cedo, sobretudo tendo em conta a situação grega”. (ver gráfico 1; fonte: J.P. Morgan AM).

Na sua opinião, a recuperação económica e a inflação demorarão bastante tempo a alcançar o ponto em que é necessária a intervenção do BCE que, de momento, continua centrado no seu programa de expansão monetária. “Tendo em conta que a região continua em modo expansivo e que não existe rasto de inflação, passarão vários anos até que o BCE possa começar a endurecer a política monetária”. O regresso da inflação será o único factor que, segundo Hervé Hanoune, gestor da Vontobel Asset Management, poderá fazer com que o BCE mude a sua política monetária e decida começar a subir as taxas. Mas... é realista pensar num aumento da inflação na Europa no atual contexto de mercado? Para Mondher Bettaieb, gestor da entidade, a resposta à pergunta é não.

Forças poderosas que estão a pressionar a inflação de forma descendente

Na sua opinião existem forças muito poderosas que fazem provocar um cenário de ausência de inflação.A revolução digital, por exemplo, é deflacionista. Sendo otimista diria que cria uma inflação débil. Sendo pessimista, cria deflação . O que realmente custa é produzir uma coisa pela primeira vez. A partir daí a réplica é simples. É algo que acontece com todas as indústrias. A Apple, por exemplo, não é uma empresa tecnológica, é sim uma marca. O que se paga por comprar um telefone da multinacional é a marca, não o custo que a empresa teve a produzi-lo. É o tipo de empresas com poder de fixação de preços. No sector dos meios de comunicação o difícil para um jornalista é publicar uma ideia original. A partir daí pode-se replicar a ideia quantas vezes se queira e distribui-la facilmente praticamente através dos canais temáticos. Onde é que aí está o custo? Onde aparece a inflação?”, questiona-se o gestor.

Bettaieb incentiva a que se faça um exercício mental. “Pense num produto e pergunte-se se pode ser replicado facilmente. A maior parte das vezes a resposta é sim. Isso também se passa na indústria de gestão de ativos, onde a réplica de índices criou produtos como os ETF, capazes de reproduzir o comportamento de um índice a um baixo custo. A revolução digital faz com que a reprodução seja muito simples e isto aplica-se a muitos segmentos. Se o objetivo do BCE é geral inflação, o que tem de fazer não é comprar obrigações, mas sim colocar dinheiro no bolso do cidadão, dando por exemplo trabalho  a desempregados através do financiamento de grandes projetos de infraestruturas em diferentes países da Europa. Eles teriam um emprego e poderiam enviar dinheiro para as suas famílias e respetivos países de origem, que o gastariam e com ele gerariam inflação”.

Essa tendência é estrutural, mas também existem forças conjunturais, como por exemplo as exercidas pelas matérias primas, cujos preços se podem manter controlados. No caso do petróleo – a commodity mais influente – Saurabh Lele, analista de matérias primas da Loomis, Sayles & Company (filial da Natixis Global AM), considera que existem três factores que contribuirão para que o preço do crude permaneça controlado no longo prazo: o aumento das exportações petrolíferas do Irão; a ampla e flexível oferta de petróleo de óleo de xisto nos EUA  e Canadá fixarão um tecto. Este mercado do petróleo, com umaboa oferta, poderá sem dúvida conduzir a preços mais elevados do que os atuais 60 dólares, mas bastante abaixo dos máximos que se tinham visto em anos recentes.

Tanto a revolução digital como as matérias primas são factores que os gestores acreditam que terão impacto significativo sobre a evolução dos preços. Outra coisa é o que esperam os investidores. Neste sentido é curioso que, apesar da ausência de pressões inflacionistas o aumento generalizado nos preços constitui um motivo de preocupação para as famílias na atualidade. É o que reflete o último M&G YouGov Inflation Expectation Survey, estudo trimestral sobre as expectativas de inflação realizado pela M&G Investments em colaboração com a YouGov, que analisa trimestralmente as expectativas inflacionistas dos consumidores em nove países, o que permite comparar as diferenças existentes entre as expetativas inflacionistas com taxas reais de inflação.

Uma das principais conclusões que o estudo da entidade identifica é que em todos os países europeus espera-se que a inflação chegue aos 2% ou inclusive a níveis superiores dentro de cinco anos. Os consumidores alemãs e austríacos, por exemplo, situam-na em 3% para 2020, enquanto os ingleses, suíços e espanhóis estimam que estará em torno dos 2,5% dentro de cinco anos. Convém recordar que as expectativas inflacionistas são especialmente relevantes para os bancos centrais na hora de prever o comportamento dos consumidores e, em consequência, na hora de tomar decisões sobre as taxas de juro. A inflação tem um impacto direto em muitas decisões quotidianas de vida diária tais como comprar uma casa, solicitar um empréstimo ou no aumento do saldo.

Expectativas de inflação a 1 e 5 anos nos distintos países

Fonte: M&G Investments