“O caminho da sobrevivência dos fundos de investimento pode passar também pela emigração”

Em entrevista à Funds People Portugal, Veiga Sarmento afirma que a eliminação do n.º16 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais coloca os fundos nacionais em desvantagem e que uma saída poderá ser emigrar. Ou seja, os investidores em Portugal podem continuar a contar com produtos geridos no país, “mesmo que no futuro venham a ser exportados a partir do Luxemburgo”.

Qual o balanço que faz de 2012?

O ano de 2012 foi um ano positivo para a indústria de gestão de activos em Portugal. Mesmo que numa escala modesta foi já um ano de retoma para os vários segmentos representados pela APFIPP. Crescemos em volume e as rentabilidades este ano são boas. Esta retoma, sustentada pela recuperação dos mercados de dívida e acionista, não se deveu apenas à valorização dos activos detidos pelos fundos. De facto, o ano que está a terminar marca também a inversão do ciclo de desinvestimento, que vinha sendo sentido de forma quase ininterrupta desde o segundo semestre de 2007. Em 2012 entrou dinheiro de investidores nos fundos, o que não tem sido a norma nos últimos tempos. Estes tornaram a ser uma opção para os aforradores, beneficiando do alívio das taxas de depósitos oferecidas pelos bancos. Ao mesmo tempo, a necessidade de diversificação de investimentos, e a percepção de que o pior pode já ter passado no que diz respeito a investimentos nos mercados financeiros, contribuiu para este regresso dos investidores aos fundos de investimento.

Um regresso marcado por uma postura ainda defensiva...

O regresso dos investidores é ainda um regresso cauteloso. As tipologias de fundos mais procuradas são as que apresentam um perfil de risco mais defensivo e conservador, como os Fundos de Tesouraria, os Fundos do Mercado Monetário, os FEI Monetários Curto Prazo e os FEI de Obrigações. Em conjunto, os fundos destas categorias representam 36,5% do volume de activos geridos por FIM no final de Novembro de 2012 e acumulam um saldo anual de subscrições líquidas positivas superior a 1.500 milhões de euros.

Para este ano quais são as perspectivas?

Numa altura em que os mercados financeiros se estabilizam, em que as perspectivas europeias parecem melhores do que se poderia imaginar só há poucos meses atrás, poderíamos admitir que a recuperação iniciada em 2012 persistiria este ano. No entanto, o nosso panorama nacional apresenta muitas nuvens no horizonte. Por um lado, o enorme agravamento fiscal previsto no Orçamento do Estado irá ter com toda a certeza repercussões assinaláveis ao nível dos recursos financeiros das famílias e das empresas e, assim, na sua capacidade de poupar e de alocar a sua poupança em instrumentos financeiro. A transposição e entrada em vigor da Directiva UCITS IV também poderá condicionar a evolução do mercado de FIM, sobretudo em resultado das opções que venham a ser assumidas pelo legislador nacional. Mas mesmo assim, 2013 pode ser um bom ano para a indústria.

“A poupança para a reforma vai redescobrir as vantagens do colchão”

Falou na fiscalidade, o que é mais preocupante para a indústria?

O OE 2013 contém medidas que vão ter um impacto directo negativo no mercado nacional de fundos de investimento e de fundos de pensões. Do conjunto das medidas fiscais que constam do documento aprovado, com impacto nas actividades representadas pela Associação, a medida que poderá vir a ter maiores repercussões ao nível da indústria de fundos é a eliminação do n.º16 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que isentava grande parte dos fundos de investimento da tributação das mais-valias obtidas através da alienação de acções detidas por um período superior a 12 meses, obrigações e outros títulos de dívida. Esta eliminação, feita no desconhecimento do quadro fiscal em que opera a indústria portuguesa e com total desprezo pelas consequências em termos de competitividade comparativa, fará com que os fundos portugueses fiquem em desvantagem em termos de tributação, relativamente a fundos estrangeiros livremente comercializados no nosso país. Num mercado aberto, é fácil imaginar o resultado. Para as gestoras nacionais, o caminho da sobrevivência dos fundos de investimento pode passar também pela emigração. Igualmente muito grave, e com consequências futuras potencialmente destruidoras, foi a alteração feita no OE 2013 no regime do CES (Contribuição Extraordinária de Solidariedade), que parece pretender-se que incida sobre todo o tipo de pensões e assim confiscar uma quota parte do capital privado poupado para a reforma. Esta medida que visa fazer entrar no imediato dinheiro para cobrir as necessidades do Estado, pode vir a destruir por completo a função dos fundos de pensões como cofres seguros de poupança para a reforma. Com medidas deste tipo, a poupança para a reforma vai redescobrir as vantagens do colchão.

A saída das gestoras estrangeiras, ou fecho das áreas de gestão de activos, é inevitável?

O processo em curso de transposição da Directiva UCITS IV concretizará a criação de um passaporte europeu para as sociedades gestoras e permitirá uma maior agilização da comercialização tranfronteiriça dos fundos. Se adicionarmos as alterações regulamentares e fiscais nacionais, vemos que a racionalidade económica para a existência de gestoras estrangeiras em Portugal está posta em causa.

Como tenderá a evoluir o relacionamento entre gestoras e distribuidores?

Os bancos são inquestionavelmente os principais distribuidores de instrumentos financeiros, desde produtos puramente bancários, aos fundos de investimento, seguros e outros valores mobiliários. Vender produtos financeiros fora da rede bancária continua a ser uma actividade apenas acessível a algumas seguradoras. Ao mesmo tempo que controlam a quase totalidade da distribuição de produtos financeiros, os bancos criaram e controlam as mais importantes sociedades gestoras de fundos, que representam também, por sua vez, a quase totalidade do mercado. Esta concentração tem sido objecto de crítica, chegando a atribuir-se indevidamente as dificuldades da indústria nacional de fundos a esta ligação dos gestores com os distribuidores.

Também relacionadas com a crise...

É hoje claro que as dificuldades por que passaram os fundos de investimento portugueses não foram diferentes das que atingiram os congéneres espanhóis, italianos ou gregos, não sendo os problemas dos fundos nacionais o resultado do modelo de organização do sistema financeiro português mas sim o efeito da crise europeia. A indústria portuguesa de fundos depende pois na sua quase totalidade, do interesse dos bancos, como distribuidores, em manterem a produção nacional. A qualidade dos gestores nacionais e o custo com que operam são os argumentos decisivos para a sobrevivência de uma indústria que, temos a certeza, funciona ao nível do se faz bem nos grandes centros financeiros. Enquanto a boa qualidade de gestão e o baixo custo se mantiverem em Portugal, os distribuidores terão interesse em vender produto nacional. Mesmo que o encontrem fora do próprio grupo.

Algo que já acontece...

Hoje, já há bancos que comercializam fundos de sociedades gestoras que não fazem parte do mesmo grupo financeiro, assim como algumas gestoras comercializam os seus fundos através de bancos com os quais não têm qualquer relação de grupo. Neste momento, a capacidade de gestão de fundos em Portugal, apesar da diminuição de volume de negócio, mantém-se ainda intacta. Os investidores em Portugal podem continuar a contar com produtos geridos em Portugal, mesmo que no futuro venham a ser exportados a partir do Luxemburgo.