Atualmente as economias do mundo estão importunadas pela terceira onda de deflação em menos de uma década, que reflete um contexto transformado caraterizado por níveis – nominais e reais - de crescimento económico e taxas de juro mais baixas, enquanto que “a estagnação estrutural” toma as rédeas. Pouco a pouco os mercados de ações estão a receber a ideia de que a economia mundial continua presa a um crescimento nominal permanentemente baixo, como mostram as previsões decrescentes da inflação do gráfico 1, com a consequência de uma grande turbulência e volatilidade.
Os anteriores episódios de pressões deflacionistas tiveram a sua origem no mundo desenvolvido, primeiro nos EUA em 2008-2009, quando colapsaram tanto os mercados imobiliários, como o financeiro, e posteriormente na Europa em 2011-2012, quando a Zona Euro parecia estar em perigo de ruptura. Em muitos sentidos, a crise atual é uma tormenta clássica de mercados emergentes similar à de 1997, com origem nos mercados de divisas, com as mudanças de tendência de uma moeda atrás da outra. Com a passagem de investimento dos mercados de matérias primas para os mercados de ações – o que acabou por afectar a economia real - abriu-se ainda um maior caminho para esta crise.
O que inicialmente podia parecer como uma desvalorização bastante menor do renminbi depois da mudança de política do Banco Popular da China de meados de agosto não foi na verdade um ato isolado. Deve sim considerar-se dentro de um contexto mais amplo. A maior debilidade das divisas de vários países, do Brasil à Rússia, passando pela Indonésia e pela Malásia e, claro, pela China, é um sinal da desaceleração do crescimento económico no mundo emergente. O crescimento do PIB mundial manter-se-á abaixo do potencial e a pressão descendente sobre os preços persistirá, enquanto a oferta dos mercados emergentes não se contrair consideravelmente. O bull market de 2003-07, que esteve impulsionado pelos mercados emergentes e pelos mercados de matérias primas, em breve será reconhecido como uma época dourada, e poderão passar-se vários anos antes que a liderança do mercado volte ao mundo emergente.
Crise nominal dos mercados emergentes
Os mercados emergentes estão a lutar contra um novo contexto para que muitos não estão preparados. Depois de anos de altas taxas nominais de crescimento do PIB e de inflação, a economia real está a desacelerar-se em todo o mundo emergente (gráfico 2), num contexto de desinflação ou, em alguns casos, de aberta deflação. Na China, por exemplo, a taxa de crescimento nominal está abaixo da taxa de crescimento real.
Mas existem diferenças comparativamente com a situação de 1997. As reservas de divisas dos mercados emergentes são maiores, muitos desses países dispõem agora de taxas de câmbio flexíveis com um menor grau de paridade cambial nos seus balanços, e a dívida soberana já não é um problema tão importante, pelo que os incumprimentos ou as intervenções do FMI são muito menos prováveis do que depois da crise de 1997.
No entanto, o impacto dos preços mais baixos das matérias primas e dos bens será significativo, e a contração do poder de compra dos mercados emergentes repercutir –se-á em todo o mundo, ao nível dos cortes das previsões de crescimento económico regional e mundial. Muitas empresas de mercados emergentes estão pouco habituadas a gerir os seus balanços num clima de desaceleração do crescimento e de leves subidas de preços e, por isso, muitos responsáveis políticos trataram de aliviar a situação mediante desvalorizações competitivas. Mas estas medidas não dão um grande contributo para abordar os problemas subjacentes; sabemos, por experiência própria, que depois de um período prolongado de excesso de investimento, fazem falta vários anos de escassez de capital para que se restabeleça a disciplina do capital e dos custos. Apenas os países que podem resistir às pressões desinflacionistas e ao baixo crescimento mediante reformas estruturais têm probabilidades de sair reforçados a médio prazo, o que justifica ainda mais ser extremamente seletivo no investimento em mercados emergentes.
O crescimento mundial sofrerá
A atividade económica mundial sofrerá mais agora do que em 1997, quando os mercados emergentes estavam menos integrados na economia global. A crise dos mercados emergentes de 1997 desencadeou uma crise mundial em forma de preços mais baixos das matérias primas e dos bens, que levou a receitas reais e a maiores níveis de consumo nos mercados desenvolvidos, criando condições de “Goldilocks” (crescimento moderado e inflação baixa) que foram a base do posterior bull market de ações. A crise atual, contudo, é uma espécie de pau de dois bicos, e importa esperar que os efeitos dos preços e os volumes afectem o crescimento mundial.
Desta vez o efeito líquido sobre os mercados desenvolvidos será a afirmação e a criação do estatuto da situação de “idade do gelo”, com taxas nominais e reais baixas durante algum tempo. Os efeitos (preço) deflacionistas da atual crise dos mercados emergentes manterá presente qualquer indício da pressão inflacionista durante pelo menos mais 12 meses. A procura pode ser maior do que a oferta no mercado de trabalho dos EUA, podem existir sinais de crescimento dos salários em alguns segmentos do mercado e a inflação subjacente parece estar a estabilizar-se, mas não é o momento de subir as taxas de juro.
A Fed deve estar consciente de que a terceira onda de deflação se interpõe no seu caminho. Ao longo do último ano, os preços mais baixos da gasolina e outras matérias primas têm impedido a “normalização” da política, mas ainda resta muito vir, nomeadamente ao nível dos preços mais baixos dos produtos manufacturados fabricados na Ásia, bem como do lado dos preços mais baixos dos alimentos. Subir as taxas de juro no clima atual não fará mais do que intensificar o choque deflacionista. Como o impacto da crise dos mercados emergentes de 1997 se limitou em geral aos efeitos deflacionistas sobre os preços, o impacto geral sobre os mercados desenvolvidos foi benigno.
Por esta altura a situação é outra: agora o PIB mundial é mais dependente dos mercados emergentes do que há duas décadas, como mostra a participação crescente das exportações no PIB mundial (gráfico 3). Consequentemente, importa esperar que o comércio mundial sofra, não só devido aos efeitos sobre as divisas mas também – e mais significativamente – devido à desaceleração da procura. Agora a contração da produção dos mercados emergentes é inevitável e a queda do seu poder de compra pesará sobre a atividade económica mundial. Para compensar parcialmente esta descida da procura, é essencial que se permita a deterioração da balança comercial norte-americana. O endurecimento da política monetária nesta conjuntura seria um sério erro, que agravaria o obstáculo que o comércio representa para o crescimento mundial.
O dilema dos investidores
Estas condições criam um dilema para os investidores. Taxas de juro nominais e reais persistentemente mais baixas, tenderão a suportar valorizações mais elevadas em todas as classes de ativos, mas também taxas de rentabilidade consequentemente mais baixas. Nesta situação deflacionista, os investidores fariam bem em evitar a todo o custo as empresas muito alavancadas para se centrarem, por outro lado, em empresas que geram lucro com um historial sólido de alocação de capital, e que possam distribuir dividendos crescentes aos seus acionistas. A liderança em termos de regiões do mercado manteve-se firmemente nas mãos dos EUA, e a rentabilidade sectorial esteve encabeçada por valores inovadores, duas tendências que espero que se mantenham. A única maneira de escapar do atual contexto de investimento pouco interessante é investir na inovação, sobretudo na saúde, tecnologia, e meios de comunicação.
O epicentro desta crise encontra-se nos mercados emergentes, não em Wall Street. Quando a volatilidade atual se finalizar, os investidores poderão de novo distinguir entre os problemas crescentes nos mercados emergentes e no facto do crescimento dos EUA (e Reino Unido) ainda se manter a um ritmo relativamente aceitável. As receitas reais e o consumo dos EUA estarão suportados por preços dos bens mais baixos, sempre que as autoridades monetárias não se interponham no caminho destes efeitos. A gasolina mais barata, a menor alavancagem dos bancos, os balanços saudáveis das famílias e do sector empresarial, e as condições fiscais mais sólidas também contribuem para a resiliência dos EUA comparativamente com a situação durante o último choque deflacionista de 2011.
Lidar com a volatilidade dos mercados
Tentar aproveitar oportunidades de mercado durante os episódios de volatilidade é como tentar agarrar uma faca que cai: tem mais riscos de que vantagens. Em geral, é melhor esperar que a volatilidade desvaneça para voltar gradualmente à seleção de valores baseada nos fundamentais das empresas quando as águas estiverem mais tranquilas.
Espero que a volatilidade dos mercados persista ao longo de setembro até que a Fed, sobretudo, nos oriente acerca da trajetória das taxas de juro, enquanto que os mercados emergentes provavelmente necessitarão de vários meses para se estabilizarem. Há uns meses, os mercados poderiam ter tomado como filosofia uma subida das taxas de juro nos EUA, mas já não é assim. Os mercados já não estão predispostos a suportar erros de política, e a Fed deve enviar um sinal claro de que fará marcha atrás por esta altura. Quando a volatilidade melhorar, a confiança restabelecer-se-á e no final de 2015 é provável que se tenha retomado a tendência de subida nos mercados dos EUA e do Reino Unido.