Paulo Pacheco (Banco Português de Gestão): "As principais economias ocidentais debatem-se para evitar a recessão, mas será uma tarefa difícil"

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Paulo Pacheco, CFA. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Paulo Pacheco, responsável de Gestão de Ativos do Banco Português de Gestão.

O ano que acabou de encerrar não vai deixar saudades, em especial para os europeus. Este ficará marcado por uma guerra no coração da Europa, pelo ressurgimento da inflação e alteração do ciclo da política monetária. Consequência das duas anteriores.

O ano 2023 arrancará com elevado grau de incerteza que se resume na grande dispersão de opiniões, entre os mais construtivos até aqueles que acham que o pior ainda está para chegar. 

Principais economias

As principais economias ocidentais debatem-se para evitar a recessão, mas será uma tarefa difícil, principalmente na Europa. Os custos energéticos representam atualmente sensivelmente dois terços da inflação na Europa e os seus efeitos estão a ser transmitidos a outros setores. Apesar dos esforços da Europa para encontrar energias alternativas, processo benéfico a prazo e alinhado com a transição energética, no imediato será gerador de inflação. Os EUA, por sua vez, fruto da sua economia fervilhante e dinâmica, robustez do mercado de trabalho, bem como dos seus elevados níveis de investimento, parecem capazes de evitar a recessão (soft landing), apesar dos níveis restritivos impostos pela Reserva Federal. No entanto, há alguns sinais de preocupação, nomeadamente no setor imobiliário. As taxas hipotecárias a 30 anos nos EUA estão em máximos dos últimos 20 anos.  

A China, mais uma vez, deverá ser a âncora do crescimento mundial. Contudo, os desafios que enfrenta são cada vez maiores. Ao mesmo tempo, permanece incerto o sucesso da reversão da política covid-zero. Por outro lado, as tensões comerciais sino-americanas vão continuar. Parece inevitável um retrocesso no processo de globalização.

Os principais bancos centrais mundiais (ECB, FED, BoE, BoC, SNB, entre outros) irão continuar a subir as suas taxas, ainda que de forma menos pronunciada. A exceção será o PBoC, que fruto do abrandamento da economia chinesa, permanecerá em pista isolada. 

Mercado acionista e de obrigações

Em relação ao mercado acionista parece cedo para afirmar que o pior já passou, apesar do recente rally. As avaliações estão atrativas. Contudo, parecem ainda não refletir o grande abrandamento da economia. Geralmente os mercados acionistas antecipam cenários, mas até os indicadores económicos avançados darem sinais de inversão, parece arriscado aumentar significativamente a exposição acionista das carteiras. A leitura é diferente se o horizonte temporal for alargado. Tal como em 2022, as growth stocks deverão ter um desempenho inferior relativamente às value stocks, mais penalizadas pela subida das taxas de desconto.

Nas obrigações o cenário é diferente. As yields estão bastante mais altas e já é possível receber carry. Isto significa que em carteiras multiativos voltou a existir cushion, o que pode mitigar as quedas do mercado acionista. Ao mesmo tempo, se o cenário global deteriorar-se, poderemos ter uma correção do mercado acionista e uma queda das yields, com consequente valorização das obrigações. O clássico portefólio 60/40 deverá voltar a funcionar. 

Em suma, parece-nos que 2023 será o regresso à normalidade. Taxas de juro positivas, aumento da descorrelação entre classes de ativos e inflação nas economias.