Digno de um filmes da saga Star Wars, o contexto de mercado tem dado que falar. Como habitual, Jorge Silveira Botelho, CIO da BBVA AM Portugal, fala dos intervenientes nesta "trama".
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
Foram precisos 100 anos para se conseguir provar as ondas gravitacionais que estão subjacentes à teoria da relatividade geral. Esperemos que não sejam necessários mais 100 anos para provar que estas ondas de choque disruptivas que estão a afetar os mercados financeiros apenas têm suporte em teorias irracionais. Mas em matéria de tempo, a grande diferença é que o prémio de risco é já o resultado empírico de investir em ativos de risco numa perspetiva de longo prazo, uma vez este nos dá intuitivamente o excesso de retorno médio que obtemos face ao investimento num ativo sem risco. O lado negro dos mercados financeiros tem-se apoderado dos sentidos, inibindo a capacidade de análise e de reação dos instintos dos investidores. O desequilíbrio dos argumentos e a prepotência das quedas dos ativos financeiros, afinam as mentes vertiginosas, para verdades quase irrevogáveis de uma recessão, como se os próprios mercados deixassem de ser o prenúncio para passarem a ser a causa de uma recessão...
Não podemos alvitrar uma recessão global quando não observamos uma inversão das tendências que emergiram na pós-crise de 2008, justificando sem um critério explícito e com base em expetativas formuladas ao momento, onde a desaceleração da economia chinesa é o pretexto, mas a queda do preço do petróleo parece ser a raiz do mal. Na verdade, dificilmente seria de prever que uma queda tão pronunciada dos preços do petróleo se tornasse numa caixa de pandora, suscetível de gerar tanto desconforto entre investidores, Bancos Centrais e Organismos Internacionais. Para muitos, a justificação mais fácil para lidar com o lado negro de uma força que não entendemos, é render-nos ao seu conforto, afinando o pessimismo. É algo que pode ser redentor, que liberta do compromisso, sacode a pressão, mas que, no essencial, não muda nada, apenas nos afasta mais da compreensão da verdade dos factos.
Em primeiro lugar, temos que medir o anacronismo dos efeitos imediatos da queda do investimento no setor petrolífero e do impacto da inevitável falência de algumas companhias na economia, como se estas fossem os principais motores económicos, em especial na economia americana. O que parece cada vez mais evidente, é que o excesso de produção atual no mercado petrolífero de cerca de 1,5 milhões de barris diários deverá ser em grande parte ajustado pelos cortes de produção do shale gas nos EUA, sendo prova disso mesmo o facto do investimento na indústria ter caído mais de 50% no último ano. Apesar dos enormes ganhos de produtividade alcançados pela indústria do shale gas nos EUA, estes não conseguiram acompanhar a queda abrupta do preço do petróleo e hoje o modelo de financiamento desta indústria simplesmente deixou de existir, mesmo que os preços recuperem dos atuais níveis. Por outro lado, também não podemos ignorar que estes efeitos negativos da indústria na economia representam pouco mais de 1,5% do PIB americano, o que contrasta com os 69% do PIB que representam o consumo privado, que é manifestamente o grande beneficiado.
O segundo aspeto a considerar são os receios da queda da procura, fruto de uma desaceleração mais pronunciada do crescimento económico global. Se é um facto que a oferta do petróleo vai-se ajustar pelos cortes de capex globais, e que segundo Wood Mackenzie, já foram cancelados investimentos de cerca de 380 mil milhões de dólares, o comportamento da procura continua a levantar dúvidas. No entanto a Agência Internacional de Energia estima um acréscimo de 1,3% da procura em 2016, sendo que a procura ganha elasticidade a preços baixos, uma vez que ao contrário de outras commodities, a sensibilidade do petróleo ao consumo não industrial e agrícola é de cerca de 80%.
Na China, em 2015 as importações de petróleo cresceram 9,3% e foram vendidos cerca de 25 milhões de novos veículos. Por outro lado, nos países desenvolvidos, as dinâmicas endógenas da procura interna permanecem sólidas, numa altura em que o emprego e a massa salarial continuam a crescer e o serviço da dívida continua a descer para os Estados, as empresa e as famílias, permitindo libertar recursos para a economia, ao mesmo tempo que muitos Estados começam a ter capacidade de dinamizar o investimento público depois de alcançarem superavits primários nas suas contas públicas.
Por outro lado, há que ter presente que a queda dos preços do petróleo equivale a um acréscimo do rendimento disponível das famílias. Ninguém sabe ao certo como vão evoluir os preços do petróleo no curto e a médio prazo, mas no desencanto que emerge desta maré negra, é preciso ter em conta que a Zona Euro mais as 5 maiores economias importadores de petróleo, representam quase 50% da população mundial e cerca de 2/3 do PIB mundial. Enquanto os 10 maiores exportadores de petróleo representam 2/3 do total das exportações, mas apenas 8% da população e pouco mais de 7% do PIB mundial.
O terceiro ponto de análise são os Bancos Centrais, que continuam a perseguir a deflação por causa da queda de mais de 70% dos preços do petróleo, e isto, apesar da inflação core ter estado estável ou mesmo a subir. A política extremamente agressiva por parte de alguns Bancos Centrais pode acabar por perverter a confiança dos agentes económicos sobe o ciclo.
Com taxas de juro negativas estamos supostamente a transferir a capacidade de gerar riqueza do aforrador para o investidor, mas o que ocorre na prática é que estamos a debelar a capacidade de geração de poupança e de investimento no futuro, para financiar artificialmente no presente muitas indústrias e empresas ineficientes, que destroem valor. Por outro lado, o sistema financeiro apesar de não constituir presentemente um risco sistémico, o seu modelo de negócio e a sua execução levantam riscos sobre a solvabilidade futura e consequentemente sobre a capacidade dos bancos financiarem apropriadamente a economia no futuro.
Parte da recente correção dos ativos financeiros, tem exatamente a ver com os atuais constrangimentos do setor financeiro, que deixou de exercer a sua função de estabilizador automático. A crescente regulação e as maiores exigências de capital nas atividades de carteira própria dos bancos limitam a capacidade destes intervir no mercado, estabilizando-o a através da sua atividade de Market Makers. Este assunto ganha particular relevância, uma vez que a queda do preço de petróleo tem originado a liquidação significativa de ativos financeiros por parte dos fundos soberanos dos países exportadores de petróleo, para financiar os seus elevados deficits orçamentais. Só a Arábia Saudita apresentou em 2015 um deficit de 98 mil milhões de dólares, o equivalente a cerca de 15% do PIB.
Neste sentido, ninguém sabe ao certo o que vai ocorrer com os preços do petróleo, mas esta maré negra parece ter feito transbordar o bom senso, atraindo-o para o “lado negro da força”. É verdade que um fenómeno como a queda abrupta do petróleo pode ter diferentes prismas de análise e levantar novos temas económicos e geopolíticos, mas no essencial, os efeitos de médio e longo prazo são inequivocamente positivos, uma vez que os custos de energia mais baratos aumentam a produtividade da economia mundial.
“May the force be with you”