A FundsPeople consultou uma sociedade de advogados, uma gestora de ativos e um provedor de dados ESG para compreender quais poderão ser os impactos da simplificação promovida pela Comissão Europeia.
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No passado dia 26 de fevereiro, a Comissão Europeia publicou o primeiro Pacote Omnibus. Este passo, segundo a visão de Bruxelas, tem como objetivo simplificar o quadro regulamentar em matéria de sustentabilidade desenvolvido nos últimos anos e, ao mesmo tempo, tornar o mercado europeu mais competitivo. “Com o pacote de simplificação Omnibus, a Comissão pretende intervir sobre a CSRD, a CS3D e a Taxonimia da UE”, explicam Carlo Impalà, partner e responsável do Departamento de TMT e Proteção de Dados, e Jun Jie Yang, junior associate do mesmo departamento na sociedade de advogados Morri Rossetti & Franzosi.
Entre os temas destacados pelos especialistas está a proposta relativa à CSRD, que levanta a possibilidade de adiar a implementação das obrigações de reporte de sustentabilidade até 2028. “Este adiamento – assinalam – daria às empresas mais tempo para se adaptarem aos European Sustainability Reporting Standards (ESRS)”. Carlo Impalà e Jun Jie Yang também destacam que o pacote irá introduzir “uma versão simplificada do reporte para algumas empresas, reduzindo o número de indicadores exigidos e adotando uma abordagem mais flexível baseada na materialidade dos dados”.
Assimetrias de informação
Embora estas medidas procurem evitar encargos desproporcionados para as PME, os especialistas alertam para o facto de “o risco de uma diferenciação nos requisitos de divulgação gerar assimetrias de informação, comprometendo a transparência do mercado”.
A CS3D também poderá sofrer alterações significativas: “O pacote irá limitar a responsabilidade direta das empresas aos seus provedores diretos, exceto nos casos em que sejam identificados riscos específicos na cadeia de abastecimento. Esta simplificação reduzirá os encargos para as empresas, mas poderá debilitar o controlo sobre práticas não sustentáveis”.
Por último, com a revisão da Taxonomia da UE, que visa tornar mais claros os critérios de acesso, “alguns setores industriais previamente excluídos por não cumprirem limiares restritivos poderão agora ser considerados sustentáveis”.
Uma trajetória sustentável
As alterações propostas são relevantes, afirmam os especialistas, “no entanto, a aprovação do pacote permanece incerta”. Por este motivo, “as partes interessadas devem adotar uma abordagem estratégica e proativa, evitando ficar paradas à espera de um quadro regulamentar definitivo. É importante que as empresas centrem os seus esforços numa estratégia de sustentabilidade sólida: definir uma trajetória sustentável pode ajudar a antecipar mudanças regulamentares, reduzir o risco de inação e incumprimento e, ao mesmo tempo, garantir uma harmonização progressiva com os futuros desenvolvimentos legislativos”.
Evitar o risco de greenwashing
Segundo Riccardo Ceretti, responsável pela Direção Innovaction LAB da Arca Fondi SGR, “a intenção de simplificar o quadro regulamentar e reduzir os encargos administrativos para as empresas é um sinal positivo para o sistema económico e financeiro europeu, com o potencial de libertar novos recursos para a transição ecológica e digital”.
No entanto, considera que é fundamental garantir que esta simplificação não comprometa a qualidade e a transparência das informações essenciais para os investidores sustentáveis. O especialista apresenta a visão de uma gestora com uma forte orientação ESG e indica que a sua SGR acolhe “com satisfação” a intenção de otimizar os mecanismos de finanças sustentáveis e de tornar as obrigações de due diligence mais proporcionais, “mas consideramos necessário manter um quadro regulamentar estável e previsível para evitar o risco de greenwashing e para assegurar a continuidade dos investimentos na transição verde”.
Avaliação de impacto mais complexa
Do ponto de vista da gestão de fundos sustentáveis, “a revisão das obrigações de reporte da CSRD e da Taxonomia da UE poderá ter um impacto significativo”, sublinha Riccardo Ceretti. “A redução do alcance do reporte ESG poderá traduzir-se numa menor disponibilidade dos dados padronizados, tornando mais complexa a avaliação dos impactos ambientais e sociais nas estratégias de investimento”.
Para uma gestora como a Arca Fondi SGR, que integra critérios ESG nos seus processos de decisão, continua o especialista, “a transparência continua a ser um fator-chave para garantir uma alocação eficiente do capital e o cumprimento dos objetivos de sustentabilidade. Por este motivo, continuaremos a trabalhar para que os nossos fundos ESG contribuam eficazmente para a criação de valor sustentável”.
Incerteza regulamentar
Allegra Ianiri, analista de investigação na MainStreet Partners, intervém no debate sobre a “reabertura e renegociação de diretivas recentemente adotadas”, alertando para o facto de tal “poder criar incerteza regulamentar para as empresas e representar um desafio para os operadores que já investiram em infraestruturas de cumprimento e de comunicação em matéria de sustentabilidade”.
A visão centra-se, inevitavelmente, na questão dos dados. “As alterações propostas podem provocar uma maior fragmentação dos dados para os investidores, dificultando a avaliação do risco e a alocação eficiente do capital. Isto poderá influenciar o ritmo dos investimentos necessários para a descarbonização industrial e para o crescimento económico no âmbito do Clean Industrial Deal”.
Quais os efeitos sobre as avaliações dos PIAS?
Allegra Ianiri também menciona o “desajuste entre o reporte de sustentabilidade das empresas e as obrigações previstas na SFDR”, um tema central para os investidores. “A exclusão de mais de 80% das empresas previamente sujeitas aos requisitos da CSRD poderá reduzir a disponibilidade de dados ESG padronizados e comparáveis, aumentando a dependência de provedores externos para garantir avaliações fiáveis dos Principais Impactos Adversos (PIAS) e relatórios de investimento alinhados com as taxonomias”.
A especialista recorda ainda que as instituições financeiras, incluindo os bancos e seguradoras, precisam de dados ESG coerentes “para integrar os riscos climáticos e ambientais nas avaliações de adequação e liquidez do capital, como estabelecido pela Autoridade Bancária Europeia (EBA) nas suas diretrizes sobre a integração de risco ESG (2026 para os grandes bancos, 2026 para as entidades mais pequenas)”. A redução dos relatórios obrigatórios prevista na proposta Omnibus, conclui, “poderá aumentar a complexidade do cumprimento da regulamentação, tornando as instituições financeiras ainda mais dependentes de estimativas”.