Projeto Europeu na boca de profissionais da gestão de ativos

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Maitresinh, Flickr, Creative Commons

Ainda que Mario Draghi esteja convicto de que a Europa é uma “ilha de estabilidade”, já são algumas as vozes que começam a deixar alertas acerca de uma possível situação de deflação na zona euro. O famoso investidor George Soros é um desses casos. Na semana passada em entrevista à Bloomberg TV, referiu que a Europa enfrenta 25 de estagnação à japonesa, se as autoridades não alterarem as políticas monetárias. Terá chegado a altura de se passar da teoria à prática na tão falada maior integração da união económica e monetária? Quais os passos seguintes?

 

António Serra, da Banif Gestão de Activos, apresenta algumas soluções. O especialista começa por  explicar que apesar da inflação na zona euro ter recuado novamente em fevereiro para os 0,7%, “o BCE continua a dizer que os riscos de deflação são reduzidos, apoiando-se na recuperação gradual da economia”. Uma recuperação, que para o profissional  assenta em “premissas” fracas: “as taxas de desemprego estão em níveis bastante altos (excepto na Alemanha), o excesso de capacidade é elevado, os bancos europeus continuam a desalavancar e a concessão de crédito a contrair. Por isso se fala de “japonização” da Europa”. Relembrando que o BCE se tem mostrado renitente em implementar mais estímulos, e que isso tem “levado a uma valorização do euro, reforçando os riscos da economia entrar de facto em deflação”, António Serra acredita que “o BCE pode e deve fazer mais”. “Fala-se da possibilidade de novo corte na taxa de referência (actualmente nos 0,25%), de tornar a taxa de depósito negativa, de novas injecções de liquidez ou da compra de créditos directamente aos bancos”, diz o profissional do Banif, que alerta que “estas medidas terão impactos reduzidos”. Desta feita, considera que “a compra de activos em larga escala poderia afastar definitivamente os riscos deflacionistas”. Numa comparação com a situação norte-americana, o especialista lembra que “um programa semelhante ao realizado pela Reserva Federal americana, de compra de dívida pública e hipotecária seria o ideal”, mas “o BCE vê-se constrangido pelas implicações políticas que um programa deste género irá gerar”. Em conclusão, António Serra  indica que “um programa de Quantitative Easing deve fazer parte das soluções do BCE e a sua utilização será necessária, talvez não neste ciclo, mas possivelmente na próxima recessão”. Para isso, diz, “é necessário reformar as instituições comunitárias e caminhar rapidamente para uma união bancária”.

Também Fernando Nascimento, da Caixa Agrícola Gest, corrobora da opinião de que urge a aplicação de políticas monetárias comuns. Recordando um pouco de história, relembra que “a União Europeia, que tem a sua origem na CEE fundada há 56 anos num pressuposto de igualdade entre os países fundadores, enfrenta desafios que colocam em sério risco a sua sobrevivência como projecto comum”. O profissional lembra que “a crise financeira de 2008, a que se seguiu a crise de dívida soberana europeia, arrastou a UE para uma dicotomia entre norte-sul, países ricos e pobres, ou mais objectivamente, credores-devedores”. Os planos de ajustamento que se seguiram, recorda Fernando Nascimento, foram liderados pela Alemanha e a sua base na austeridade provocou “danos profundos e duradouros nas economias sujeitas a planos de ajuda externa”, acentuando “desigualdades dentro da União e, tendo sido sentidas por muitos como um castigo, promoveram sentimentos antieuropeístas e fomentaram movimentos nacionalistas que favorecem a desintegração”.  Para o especialista uma coisa é certa: “os mais variados agentes políticos e económicos já identificaram que sobrevivência da União terá de passar, no campo político, pela aceleração da união bancária e introdução de políticas orçamentais comuns que privilegiem o conceito original de igualdade entre países e fortaleçam um sentimento de solidariedade entre os povos europeus”. No campo económico, Fernando Nascimento alerta que se está a tornar “urgente a devolução de crédito às economias paralisadas, onde ainda não chegou o efeito gerador de liquidez da política expansionista do BCE”, sendo necessário que seja redesenhado “um plano de crescimento económico que devolva a competitividade ao espaço europeu e esbata as actuais diferenças entre os variados modelos económicos dentro da UE”. Dito isto, o especialista considera contudo que ainda “reina o cepticismo sobre a reconstrução do projecto europeu pois é necessário muito boa vontade para acreditar que os actuais responsáveis políticos, que contribuíram decisivamente para a provável desagregação da Ucrânia, país independente que recentemente se aproximou da UE, tenham capacidade e vontade de fortalecer a união entre os diferentes 28 estados membros da UE”.

Noutro prisma, João Pina Pereira, do departamento de gestão discricionária da ESAF considera que “ao longo dos últimos anos a Europa tem sido o “punching bag” favorito de analistas, opinadores, investidores, em especial provenientes do outro lado do Atlântico”. O profissional indica que “as profecias de desmoronamento da União Europeia têm surgido amiúde e não obstante a Europa tem seguido o seu caminho”. Para João Pina Pereira da ESAF “O comportamento de fortalecimento da divisa europeia e ao mesmo tempo o facto de atualmente a União Europeia ser o bloco económico que apresenta excedente da balança comercial, não casa nada bem com tais profecias…”. O passo seguinte para o especialista é “um caminho lento mas consistente para uma maior união bancária”, sendo que esta já está em curso. Numa nota final “relativamente à notória inconsistência entre factos e profetas”, o profissional conclui que “continuam a existir países europeus que pretendem aderir à União Europeia (vide caso da Ucrânia…)”. Dando como exemplo a história de há 20 anos atrás indica que nessa altura “a Polónia e Ucrânia tinham aproximadamente o mesmo PIB per capita em USD. Hoje o diferencial é de 1 para 3 favorável à Polónia (18.000 versus 6.000 USD)…”

 

Filipa Teixeira, da Patris Gestão de Activos, começa por explicar que “a ameaça de uma longa estagnação na Europa não é novidade e já o FMI tinha alertado para essa possibilidade em meados de 2013”. Por essa altura, a especialista lembra que foi salientado que “a zona euro permanecia o elo mais fraco da economia global” e já se avisava que “um longo período de baixo crescimento na união monetária levaria a um enfraquecimento inevitável do potencial de expansão em economias vizinhas da Europa central e de leste”, sendo a Europa declarada como o desafio principal. A head of research da entidade refere que "uma das formas de tentar evitar a estagnação poderia de facto passar por uma alteração de políticas, nomeadamente cortes da taxa de juro por parte do BCE bem como medidas alternativas de estímulo com o objectivo de fomentar o consumo privado. Adequar-se-ia uma política monetária agressiva a acompanhar um fortalecimento do sistema bancário, gerindo ao mesmo tempo a consolidação fiscal de forma equilibrada por forma a que esta não ofuscasse o crescimento". Em linha com o que foi comentado pelos demais profissionais portugueses, a especialista diz que "a crise financeira salientou a necessidade de uma maior integração da união económica e monetária, que já está numa fase avançada, nomeadamente um mercado único com uma política monetária e moeda comum". Contudo, alerta, "para chegar a uma fase de integração completa falta harmonizar políticas fiscais e outras". Nesse sentido, Filipa Teixeira lembra os pilares fundamentais nos quais está assente a União Bancária proposta pela Comissão Europeia, sendo que os seus prazos de implementação são de curto prazo - ainda em 2014 ou no decorrer de 2015 - "um único mecanismo de supervisão composto pelo BCE e autoridades nacionais que cobrirá 6000 bancos na zona euro; uma estrutura harmonizada de resolução e recuperação bancária cujo objectivo é providenciar às autoridades locais poderes semelhantes e instrumentos para lidar com crises bancárias de forma ordenada assegurando que são os credores e accionistas – e não os contribuintes – que suportam os custos; uma simplificação e harmonização dos esquemas de garantia de depósito nacionais por forma a proteger os depositários de forma mais uniforme; um livro de regras único de legislação financeira na U.E. que crie uma base comum para fazer face a propostas das uniões bancárias".