Desde o regresso de Donald Trump à presidência, a sua administração tem vindo a adotar políticas que causaram agitação: novas tarifas sobre o comércio internacional, uma retórica mais isolacionista em matéria de defesa e de política externa e uma abordagem mais cética em relação aos compromissos ESG. Neste contexto, os mercados privados enfrentam um novo paradigma que os obriga a adaptar as suas teses de investimento e a diversificar os riscos geográficos e setoriais.
Para Nils Rode, diretor de Investimentos da Schroders Capital, “os riscos aumentaram significativamente desde o início do ano, pressionando o crescimento económico, a inflação e as taxas de juro”. Este ambiente tem um impacto direto na perceção do risco e nas estratégias de alocação de capital, afetando particularmente os ativos privados devido à sua natureza líquida e horizonte de longo prazo.
Um símbolo da mudança de rumo foi a proclamação do Liberation Day. Este dia de celebração nacional, promovido pela administração norte-americana, pretendia assinalar o “regresso à soberania económica dos Estados Unidos” e gerou a preocupação dos investidores mundiais com a ideia de uma possível recessão económica. De acordo com Sergio Muelas, diretor de Private Debt da Tikehau Capital Iberia, esta nova situação abre uma “oportunidade estratégica para a Europa” para atrair capitais que estão a ser deslocados dos EUA.
“Em tempos de crise, as boas oportunidades de compra tendem a surgir após um período de correção, mantendo sempre a disciplina de investimento”, afirma a Altamar CAM Partners. Neste cenário, as três gestoras concordam que é preferível atuar com cautela. “Acreditamos que é importante que os investidores sejam particularmente criteriosos na seleção de estratégias e investimentos, e na diversificação entre estratégias”, diz Rode.
Private equity: ajuste das expetativas e estratégias seletivas
O private equity tem sido um dos segmentos mais afetados, no âmbito dos mercados privados, pelas novas tensões globais. David Martín, codiretor da Tikehau Capital Iberia e responsável de Private Equity Iberia, salienta que as políticas tarifárias têm impacto tanto nas empresas em carteira como nas decisões de investimento e de captação de fundos. “O aumento da pressão sobre as importações e exportações irá gerar incerteza na procura, uma vez que esta pressão irá provavelmente conduzir à inflação, tanto nos preços como nos custos de fornecimento”, afirma. Este cenário, diz David Martin, pode levar a uma contração da procura e a um ambiente económico recessivo.
A AltamarCAM Partners concorda que o impacto direto inicial poderá ser mais limitado, exceto nos setores industriais e de consumo com elevada exposição internacional. “A tecnologia, a saúde e os serviços parecem mais isolados, embora mantenhamos uma posição cautelosa em relação a possíveis impactos indiretos na procura e nos custos”, afirma a entidade.
Apesar deste cenário mais volátil, Nils Rode afirma que os mercados privados continuam a apresentar oportunidades atrativas. “As valorizações e os rendimentos são atrativos, dado o abrandamento plurianual da atividade na captação de fundos e na atividade de negociação”, afirma. Lembra também que, historicamente, os ativos privados têm sido mais resilientes em tempos de crise, como evidenciado pelo estudo da Schroders de 2024 sobre o superior desempenho do capital privado durante as principais crises dos últimos 25 anos.
Em termos de opções de alocação para os investidores neste ambiente, a Schroders acredita que as estratégias mais atrativas se caraterizam por uma dinâmica equilibrada entre capital e oferta, que favorece as valorizações e as rentabilidades, e pela exposição a empresas e ativos nacionais mais isolados das tensões comerciais globais.
Dívida privada: auge do financiamento alternativo
No segmento da dívida privada, o consenso é de que as oportunidades estão a crescer, emergindo como um dos setores que mais beneficiará do endurecimento das condições bancárias e da atual incerteza cambial.
Sergio Muelas salienta que “o atual contexto pode favorecer a dívida privada, gerando oportunidades para fundos especializados que forneçam liquidez e adquiram estes ativos com desconto”. Neste novo ambiente, a Tikehau acredita que a China poderá sair beneficiada, “especialmente na dinâmica da dívida na região do Indo-Pacífico e também de uma potencial descida dos preços do petróleo, caso se concretize uma recessão global”, afirma.
A AltamarCAM sublinha que a reação do mercado pode implicar um aumento dos spreads e um abrandamento do crédito direto, mas com oportunidades para gestores em situações especiais. “A exposição a setores como os cuidados de saúde, o software e os serviços IT poderá oferecer alguma proteção”, afirmam.
A Schroders, por seu lado, concorda com este diagnóstico e salienta que produtos como a dívida imobiliária, os empréstimos baseados em ativos e o financiamento especializado estão melhor posicionados face a esta volatilidade. “Uma forma de estar posicionado defensivamente e beneficiar das oportunidades de mercado à medida que estas surgem é estar posicionado em produtos de curta duração e baixa dispersão, com uma redistribuição de baixo custo”, explica Rode. Também destaca as ações ligadas a seguros: “A sua singularidade reside na falta de correlação com a macroeconomia, o que proporciona um alívio muito necessário da volatilidade do mercado”, acrescenta.
Real Estate: um refúgio com condições
O setor imobiliário, embora inicialmente menos exposto, não está imune. Emilio Velasco, responsável de Real Estate na Tikehau Capital, adverte que o verdadeiro impacto virá indiretamente, em resultado de um ambiente macroeconómico marcado por uma inflação mais elevada ou por um crescimento mais baixo. No entanto, neste cenário, o setor imobiliário poderia posicionar-se como um ativo refúgio, “especialmente face à volatilidade dos mercados de ações ou de private equity”, afirma.
A Schroders reforça esta ideia e sugere que as estratégias core/core+ continuam a ser atrativas nas infraestruturas imobiliárias com retornos previsíveis. “Privilegiamos as estratégias que beneficiam de um forte desempenho dos ativos e de uma maior geração de caixa através de uma gestão ativa. Seletivamente, há oportunidades de maior rentabilidade em projetos de infraestruturas como o hidrogénio, embora continuemos cautelosos em relação aos desenvolvimentos em fase inicial”, observa Rode.
Por sua vez, a AltamarCAM alerta para o facto de as tarifas poderem prolongar a pressão inflacionista e atrasar a recuperação prevista para 2025. “A logística poderá beneficiar do nearshoring e da reindustrialização, gerando oportunidades, embora os ativos orientados para a exportação possam sofrer. O aumento dos custos de construção poderá limitar a oferta e favorecer os fundamentais do mercado”, explicam.
Quanto ao impacto geográfico, as tensões geopolíticas também ameaçam travar o investimento nas energias renováveis, especialmente nos EUA, onde a dinâmica governamental enfraqueceu com a nova administração. “Atualmente, vemos mais oportunidades na Ásia e na Europa, onde os governos estão a reforçar os seus compromissos para com as energias renováveis. No entanto, espera-se que a competitividade dos custos inerentes às energias renováveis apoie o desenvolvimento contínuo das infraestruturas, mesmo nos EUA, embora a um ritmo mais lento”, acrescenta o profissional da Schroders Capital.