Análise à performance dos hedge funds

António Marques Dias, Catarina Quaresma, António Mello Vieira, Filipe Barreto, Virgilio Garcia, CFA, Nuno Sousa Pereira, Sixty Degrees.
António Marques Dias, Catarina Quaresma, António Mello Vieira, Filipe Barreto, Virgilio Garcia, CFA, Nuno Sousa Pereira, Sixty Degrees. Créditos: Vitor Duarte

TRIBUNA da equipa da Sixty Degrees.

No passado mês de junho, foi publicado no Financial Analysts Journal um estudo intitulado Hedge Fund Performance: End of an Era? pelos autores Nicolas P.B. Bollen, Juha Joenväärä e Mikko Kauppila. O estudo pretende validar a hipótese que tem vindo a ser avançada pelos media de que a performance relativa dos hedge funds sofreu uma deterioração ao longo da década seguinte à crise financeira global. Tendo em conta o volume de 5 biliões de dólares que ainda se encontra atualmente investido em hedge funds (Barth, Joenvaara, Kauppila e Wermers, 2021), torna-se relevante perceber as implicações de uma underperformance por parte desta classe. Assim sendo, o estudo pretende dar resposta a três questões principais:

  • A performance agregada relativa dos hedge funds diminuiu desde 2008 tal como reportado nos media?
  • Devem os investidores recorrer ao uso dos modelos desenvolvidos até hoje para selecionar um conjunto de hedge funds que registe outperformance?
  • Quais as explicações mais prováveis para a deterioração no desempenho dos hedge fundse quais as implicações para o investimento futuro nesta classe?

Relativamente à questão 1, o gráfico abaixo ilustra os resultados obtidos no estudo para o retorno acumulado de uma carteira constituída por todos os hedge funds disponíveis em cada mês, igualmente ponderados, e para o retorno acumulado de um portfolio 50-50 ações/obrigações.


Fonte: Financial Analysts Journal

Tal como se pode observar no painel A do gráfico acima, a carteira de hedge funds gerou um retorno acumulado de 225%, entre 1997-2007, superando claramente o portefólio 50-50 ações/obrigações que gerou um retorno acumulado de apenas 125%. Porém, o painel B ilustra uma alteração significativa no período seguinte, de 2008- 2016, com as duas séries próximas durante os anos da crise financeira global, mas a apresentar uma clara divergência a partir de meados de 2011, culminando numa performance acumulada de 25% para a carteira de hedge funds versus 70% para o portefólio 50-50 ações/obrigações.

O gráfico abaixo apresenta uma comparação entre o rácio de Sharpe das duas séries e a conclusão acima mantém-se. A carteira de hedge funds apresenta desempenho superior na primeira metade do período, as duas séries assemelham-se durante os anos da crise financeira global e posteriormente, a partir de meados de 2011, o portefólio 50-50 ações/obrigações regista uma outperformance significativa.


Fonte: Financial Analysts Journal

A tabela abaixo mostra um resumo das estatísticas anualizadas calculadas para a base de dados de hedge funds considerada, para o portefólio 50-50 ações/obrigações e para uma carteira balanceada com a seguinte alocação: 20% a todos os hedge funds disponíveis, 30% de alocação ao índice S&P 500 e 50% de alocação ao índice de obrigações VBTIX. A comparação entre um portefólio 50-50 ações/obrigações e a carteira 20/30/50 pretende medir a vantagem que um investidor poderá obter se possuir uma alocação a hedge funds.


Fonte: Financial Analysts Journal

No subperíodo 1997-2007, a carteira com 20% de alocação a hedge funds gera retorno médio ligeiramente superior ao do portefólio ações/obrigações (7,9% versus 7,6%) e um desvio padrão significativamente inferior (5,5% versus 7,4%). Assim sendo, a alocação de 20% a hedge funds permite o aumento do rácio de Sharpe de 0,54 para 0,79.

Já entre 2008-2016, a alocação a hedge funds regista um retorno médio de 5,2%, inferior ao retorno de 6,3% do portefólio ações/obrigações. Embora a alocação a hedge funds também provoque uma diminuição na volatilidade (de 7,9% para 6,4%), a queda significativa no retorno faz com que o rácio de Sharpe permaneça praticamente inalterado.

Em suma e respondendo à questão 1, o estudo conclui que de facto o desempenho relativo dos hedge funds diminuiu de forma considerável na segunda década em estudo.

No que toca à segunda questão, os autores procuraram investigar se o recurso a modelos de seleção de hedge funds lhes permitiria obter a tão desejada outperformance. A ser verdade, os investidores poderiam continuar a beneficiar de uma alocação a hedge funds, mesmo que se deparem com uma deterioração no desempenho geral da classe como um todo.

Mais uma vez, a análise foi realizada através da comparação entre um portefólio 50-50 ações/obrigações e uma carteira constituída da seguinte forma: 20% hedge funds, 30% S&P 500 e 50% índice de obrigações VBTIX. Tal como se pode observar na tabela abaixo, a alocação de 20% a hedge funds é agora realizada com base em vários modelos que selecionam anualmente os melhores fundos segundo alguns critérios. A tabela mostra os diferenciais de performance entre a carteira com alocação de 20% a hedge funds e o portefólio 50-50 ações/obrigações.

Fonte: Financial Analysts Journal

Como se pode observar acima, entre 1997-2016, a alocação a hedge funds selecionados por modelos reduz o retorno médio, mas provoca uma diminuição ainda mais significativa ao nível do desvio padrão. Em geral, a alocação a hedge funds melhora o rácio de Sharpe, embora de forma modesta. Os modelos FH alfa e Macro timing são aqueles que permitem uma melhoria de rácio de Sharpe mais significativa, de 0,13 em ambos os casos. O resultado obtido parece assim indiciar que a utilização de alguns modelos para selecionar hedge funds poderá melhorar a posição do investidor.

Tendo em conta que a deterioração do desempenho relativo dos hedge funds foi verificada a partir de 2008, importa repetir a análise acima para o período pós-crise financeira. Nesse sentido, a tabela abaixo ilustra os resultados obtidos nos dois subperíodos de 1997-2007 e 2008-2016.

Fonte: Financial Analysts Journal

Entre 1997-2007, o investimento em hedge funds com base em modelos permitiu a melhoria significativa dos rácios de Sharpe face a um portefólio 50-50 ações/obrigações, devido à redução substancial no desvio padrão.

No Painel B da tabela acima, verifica-se que entre 2008-2016 a alocação a hedge funds também permitiu reduzir o desvio padrão de forma significativa, no entanto, a redução substancial dos retornos médios durante este período acabou por compensar ou anular o benefício da menor volatilidade, o que se traduziu numa subida insignificante ao nível dos rácios de Sharpe.

Assim sendo, conclui-se que uma alocação a hedge funds selecionados com base em modelos teria aumentando significativamente a performance ponderada ao risco face ao portefólio 50-50 ações/obrigações em 1997-2007, mas não teria trazido benefícios no subperíodo 2008-2016.

Por fim, o estudo procura encontrar as explicações mais prováveis para a deterioração no desempenho dos hedge funds e quais as implicações para o investimento futuro nesta classe.

A primeira hipótese colocada assenta na possibilidade de a intervenção histórica dos Bancos Centrais ter provocado um aumento das correlações e a redução de volatilidade dos ativos. A atuação dos Bancos Centrais, a seguir à crise financeira de 2008, poderá ter criado distorções nos mercados de ativos que tornaram mais difícil a implementação de muitas das estratégias implementadas pelos hedge funds, nomeadamente o longshort.

A este propósito, o gráfico abaixo ilustra as correlações entre ações e setores no mercado acionista dos EUA entre 1997-2016. No Painel A, pode observar-se a tracejado a média das correlações entre ações, a qual duplicou de 0,15 em 1997-2007 para 0,30 em 2008-2016. Já no Painel B também pode observar-se que a correlação média entre os 10 índices setoriais do S&P 500 passou de 0,54 em 1997-2007 para 0,69 em 2008-2016.

Fonte: Financial Analysts Journal

Outra hipótese avançada para a deterioração na performance relativa dos hedge funds prende-se com o aumento da regulação pós crise financeira, nomeadamente após a passagem do decreto Dodd Frank 2010 nos EUA (Dodd Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act). O maior escrutínio regulatório poderá ter provocado um aumento nos custos de compliance e ter comprometido os resultados de alguma atividade de trading dos hedge funds.

Em terceiro lugar, colocou-se a hipótese de retornos decrescentes à escala, já avançada por Aragon, Liang e Park (2014), bem como o efeito da divulgação de research descritivo das estratégias mais bem sucedidas de hedge funds, provocando o seu seguimento por mais intervenientes no mercado, porventura esgotando as oportunidades de geração de alfa.

De forma a avaliar a validade da hipótese de retornos decrescentes à escala, o estudo testou se a performance relativa dos hedge funds incluídos na amostra diminui com o aumento dos montantes sob gestão na classe. Tal como pode observar-se na tabela abaixo, o coeficiente de regressão encontrado foi negativo e significativo, cerca de -0,28, indicando que para cada aumento de 1% na dimensão da indústria, o alfa mensal do fundo médio diminuiu 28bp. Assim sendo, o estudo parece validar a existência de retornos decrescentes à escala na indústria de hedge funds, algo que pode ser uma explicação parcial para a sua underperformance no período.

Fonte: Financial Analysts Journal

Por forma a ser válida, a explicação assente nos efeitos da intervenção dos Bancos Centrais deverá implicar que a deterioração no desempenho relativo dos hedge funds tenha tido início após 25 de novembro de 2008, quando o Fed anunciou a primeira ronda de QE, e seja transversal a todos os modelos de seleção. Seguindo a mesma lógica, a explicação relacionada com o maior escrutínio regulatório deverá implicar que a underperformance dos hedge funds tenha tido início pouco tempo após o decreto Dodd-Frank, em 21 de julho de 2010, e seja também comum a odos os modelos. Por último, a hipótese da publicação das estratégias seguidas pelos hedge funds ter prejudicado o seu desempenho implica que a underperformance de um dado modelo tenha início após a sua divulgação em estudos académicos publicados.

Para avaliar as hipóteses acima descritas, o estudo determinou para cada modelo qual a data chave que divide a amostra em dois subperíodos de performance distinta. O encontro de uma data comum a vários modelos no final de 2008, sustentaria a hipótese da intervenção dos Bancos Centrais. Caso a data comum ocorresse após meados de 2010 tal sustentaria a hipótese do aumento da regulação. Já a deteção de datas que variem consoante os modelos e coincidam com datas de publicação de research das estratégias em causa, sustentaria a última hipótese.

Fonte: Financial Analysts Journal

Tal como se pode observar no gráfico acima, o ponto de viragem na performance encontrado em 5 dos 7 modelos corresponde ao início de 2008. Já os outros 2 modelos apresentaram como data de viragem de performance maio de 2011. Assim sendo, a análise dá suporte às explicações relacionadas com a intervenção dos Bancos Centrais e com o maior aperto regulatório, mas não encontra evidência sobre o efeito da publicação das estratégias seguidas.

Em jeito de conclusão, na medida em que os efeitos acima referidos, nomeadamente a atuação dos Bancos Centrais e a maior regulação, possam persistir no tempo, os hedge funds poderão não ter mais dificuldades em voltar a alcançar o mesmo nível de sucesso que justificou a sua ascensão, entre meados de 1990s e 2007. No entanto, o estudo também mostra que os hedge funds poderão constituir uma fonte viável de diversificação e, como tal, os investidores mais avessos ao risco poderão continuar a justificar uma alocação modesta a esta classe alternativa para seu benefício, via diversificação.