O novo ano lunar que começou neste fim de semana corresponde, segundo o horóscopo chinês, ao galo de fogo. Este animal é considerado como um incompreendido pela astrologia chinesa, mas também como inteligente, vaidoso e excêntrico. A China começa o ano do galo envolta em dúvidas, pelas polémicas políticas protecionistas prometidas por Donald Trump em campanha, mas também porque continua a pedir emprestado, de forma massiva; 2016 foi o segundo ano de maior crescimento da dívida do país em termos históricos, depois de 2009. Além disso, as autoridades chinesas continuam a enfrentar o trilema conhecido como Trindade Impossível (impossible trinity, em inglês), ou seja, ter de combinar uma política monetária com uma taxa de câmbio fixa e a livre circulação de capitais.
Brendan Mulhern, estratega da Newton (parte da BNY Mellon Investment Management) atribui a escalada da alavancagem ao incremento que aconteceu no ano passado nos estímulos fiscais, "em grande parte devido à engenharia financeira", que permitiu alcançar o objetivo oficial de crescimento de 6,5%. "É provável que o impulso económico gerado por esta dose de estímulos se vá debilitando ao longo de 2017, tendo em conta que as autoridades chinesas já começaram a reduzir as medidas de apoio, consciente dos riscos que supõe o crescimento do endividamento", avisa Mulhern. Mulhern acrescenta que "em certos aspetos, a bolha de crédito chinesa já superou as dos Japão, Irlanda, Espanha e EUA".
O país enfrenta outro dilema de grandes dimensões: "Embora as autoridades chinesas tenham declarado a sua intenção de levar a cabo reformas estruturais para abandonar a procura financiada com a dívida, veem-se limitados pela necessidade de criar emprego, uma limitação que vai estar muito presente em 2017". Para o estratega, tendo em conta que o terceiro trimestre irá acolher o XIX Congrego do Partido Comunista", não fará falta que a economia perca alguma amplitude, de forma a que as autoridades voltem a pôr em marcha os estímulos". O dilema surge porque "há sinais de que o governo considera que é cada vez mais difícil manter a economia à tona, e porque o stress do sistema financeiro é cada vez mais evidente".
"A China é um risco chave no médio prazo, mas é improvável que o seja em 2017", afirma Philippe Ithurbide, responsável global de análise da Amundi. O estratega assinala que a imensa maioria do endividamento se encontra dentro do país, e concretamente que 150% da dívida está no sector privado. Mais do que a proporção ou a localização, o que verdadeiramente preocupa o especialista é a falta de eficiência na nova concessão de crédito: "Antes, por cada unidade de dívida, a China conseguia medir a unidade de crescimento: agora, essa proporção caiu para um quarto".
Dito isto, Ithurbide defende que "a China está a cumprir com o guião de forma adequada. É lógico que apresenta um crescimento mais débil do que no passado, mas a estrutura desse crescimento mudou-se radicalmente": Segundo os seus cálculos, o país deve estar a crescer em cerca de 5% e "não será um problema se mantiver esse ritmo nos próximos três a cinco anos".
Novo capítulo da relação China-EUA
O estratega termina com uma observação e um aviso: "A internacionalização do renmimbi vai ser uma questão de tempo. A China não o quer desvalorizar, mas sim atrair fluxos de capital de forma natural. Não obstante, se os EUA impuserem tarifas, então não hesitarão em desvalorizar".
"Embora o tempo tenha vindo a dar prioridade à estabilidade económica, a China poderá ver-se forçada a defender-se caso a política comercial norte-americana lhe seja desfavorável, pelo que as prioridades do país poderão ver-se cada vez mais condicionadas por fatores externos", refere Rob Simpson, gestor de dívida emergente na Insight (parte da BNY Mellon).
Sobre a recente decisão de Trump de cancelar a participação dos EUA no Tratado Transpacífico de Comércio Livre (TTP), Simpson opina que "poderá aumentar, de forma significativa, a influência da China nos próximos anos, se os integrantes do TTP decidirem apoiar-se na segunda maior economia do mundo para salvar o acordo".
Claudia Calich, responsável de dívida emergente na M&G Investments, coloca as relações comerciais China-EUA em contexto com o Congresso do Partido Comunista Chinês: "Os atuais dirigentes e os novos líderes da China deverão abordar a desafiante relação que se avizinha com os EUA este ano e no próximo, além de tentarem solucionar outros problemas do país". A especialista aclara que, até serem eleitas novas caras no Partido no final de ano, o consenso não espera que os líderes atuais iniciem grandes reformas: "o objetivo será manter o statu quo".
Atualização das ações chinesas
Matthew Vaight, gestor da M&G, declara que "a China é um ator muito relevante da economia mundial e, com o tempo, será de esperar que o seu mercado de capitais cresça tanto em tamanho como em importância, para refletir de forma adequada a envergadura económica do país". De facto, o mercado de ações A (as que estão em Xangai) já é o segundo maior do mundo em termos de capitalização, "mas, proximamente, vai-se abrir aos investidores internacionais, pelo que irá atrair mais capital o que se vai refletir nos índices bolsista mundiais".
Atualmente a economia chinesa divide-se em dois grandes blocos: a Velha China ou economia tradicional, "baseada fundamentalmente na produção de baixo custo e no investimento em infraestruturas" e na Nova China, "centrada nos sectores terciários, o consumo e internet". Esta divisão também se reflete no mercado de ações: "as empresas expostas à economia tradicional não atraem muito interesse e, por isso, parecem contar com umas avaliações baratas, se bem que é provável que estas avaliações mais baixas sejam justificadas. As empresas expostas à nova economia são muito mais interessantes e, por isso, apresentam umas valorizações mais elevadas".
Para o gestor, esta diferença de valorização "constituiu um grande desafio para os investidores, na hora de investir na China: as empresas de valor parecer armadilhas de valor, e as empresas de maior qualidade com melhores perspetivas apresentam valorizações que dificilmente podemos justificar".