Que novos requisitos deve cumprir uma gestora para ganhar um mandato?

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sorw201, Flickr, Creative Commons

O preço e escala foram, historicamente, dois critérios muito importantes no momento de conseguir um mandato. Não obstante, já não são os únicos. Agora existem outras questões-chave que, se não puderem ser demonstradas pela entidade, a poderão deixar fora do concurso. Concretamente, no momento de selecionar a gestora, o investidor institucional está a ter em consideração dois novos critérios, os quais revela David Cienfuegos, responsável de Investimentos em Espanha da Willis Towers Watson, numa entrevista à FundsPeople.

1) A cultura interna da gestora. “É algo que passou para um primeiro plano. Outorgar um mandato a um gestor que teve bons resultados nos últimos 10 anos não garante que volte a ter no futuro, a menos que tenha uma capacidade de adaptação brutal. Se contarmos com uma equipa mono-opinião, monocultural e monoprocesso, não introduzimos o desafio conceptual necessário. Em geral, as grandes deficiências das gestoras são a falta de inclusão a nível cultural e étnico nas suas equipas. É a principal mudança que temos levado a cabo no nosso processo de investimento”, assegura Cienfuegos. Para executar esta análise, existem algumas métricas.

“Por exemplo, pode-se estudar como gerem as reuniões internas, quem fala em primeiro lugar, a diversidade cultural, de pensamento e cognitiva que existe na equipa… São questões complexas de medir, mas que se dedicarmos tempo e recursos a analisá-las, permite saber se nos processos que aplicam existe essa mentalidade de unir ideias ou se é o chefe quem marca as diretrizes e o resto consente. A ideia é que o processo seja o mais robusto possível, que o gestor saiba enfrentar o futuro e, para isso, os membros da equipa não podem ser clones uns dos outros. Isto faz cair os gestores estrela. Nunca selecionaremos um deles para gerir um mandato”, reconhece.

2) Sustentabilidade. É o segundo conceito que saltou para primeiro plano no momento de conceder um mandato. E, segundo Cienfuegos, a sua importância será maior. “Tudo o que tenha relação com estratégias ligadaos aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, com a transição energética, com a melhoria da governabilidade das empresas, com o status dos empregados… tornou-se na prioridade número um. Se a gestora não tem um prognóstico relativo a estas questões é muito provável que fique relegada no concurso. Antes falava-se de rentabilidade/risco e só depois dos benefícios da sustentabilidade. Agora é ao contrário: o primeiro que se aborda é como aquilo em que investimos melhora o mundo”.

Segundo Cienfuegos, para ser sustentável, não é preciso censurar negócios. “Somos mais partidários do engagement do que da exclusão. É importante descartar de antemão as indústrias nas quais não temos interesse em influenciar como, por exemplo, acontece com os fabricantes de bombas de fragmentação. São temas tão graves que não faz sentido negociar uma mudança. São empresas que, se não investimos nelas, cada vez vão contar com uma menor capitalização, o que fará com que seja mais fácil tirá-las do mercado. Não obstante, noutras podemos exercer a nossa influência a partir de dentro, ou seja, ser capaz de mudar o mundo através das nossas participações nessas empresas”.

O profissional da Willis Towers Watson não acredita que replicar índices sustentáveis seja o caminho mais adequado para avançar em matéria de sustentabilidade. “Somos mais partidários da gestão ativa porque a incorporação dessas políticas de engagement e influência sobre os nossos investimentos é algo crítico. Perante o futuro, para outorgar um mandato, o facto de os propósitos de investimento do gestor face aos ODS estarem perfeitamente descritos será algo básico. Vamos criar métricas que nos vão permitir avaliar isto. Se hoje perguntarmos a um gestor sobre como está a incidir com os seus investimentos nos ODS, ainda é algo que muitos não sabem responder”.

Para Cienfuegos, o ISR não é uma moda, mas uma procura social. “A regulação vem como resposta às mudanças que a sociedade exige. Não faz sentido aforrar para um futuro no qual o mundo vai ser pior do que é hoje”. Neste ponto, o especialista introduz uma reflexão. “Mais de 75% das ações das três empresas de maior capitalização nos Estados Unidos estão nas mãos de investidores institucionais que representam os direitos de acionistas de retalho. No caso do EuroStoxx, a percentagem é de 40% e no Ibex 35 é superior a 40%. As empresas estão nas mãos de aforradores. Se houvesse uma ação coordenada, diríamos a essas empresas o que podem e não podem fazer. Nesse dia o mundo vai mudar”, pressagia.

O facto de os investidores de retalho começarem a exercer a sua influência nas empresas em que investem é algo que Cienfuegos vê como cada vez mais provável. “Estão a começar a criar plataformas de voto de aforradores individuais, com o objetivo de abordar nos conselhos de acionistas questões relativas à forma de remuneração dos executivos, medidas que estão a ser tomadas para reduzir o impacto da pegada de carbono… O que era uma utopia há algum tempo, agora é mais possível e as corporações estão a começar a dar conta disso, tratando de se antecipar ao potencial efeito do poder e a influência que, se se coordenarem, podem chegar a ter”, conclui o especialista.