Uma análise mais fria do que se pode concluir da postura adotada pelo BCE

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Créditos: Cedida

O BCE subiu as suas três taxas de juro oficiais. A principal taxa de juro de refinanciamento foi aumentada de 3% para 3,5%, enquanto a taxa de depósito foi aumentada de 2,5% para 3%, os níveis mais elevados desde outubro de 2010. Não foram anunciadas outras alterações de política. Muitos analistas começaram a interrogar-se se o BCE iria manter as suas anteriores orientações, dada a queda dos mercados financeiros, primeiro devido ao colapso do Silicon Valley Bank nos EUA e depois devido aos problemas do Credit Suisse.

“É evidente que se o BCE não tivesse aumentado as taxas tanto como aumentou, poderia ter enviado um sinal aos investidores de que talvez houvesse alguma preocupação com a estabilidade do sistema bancário. Os investidores estão conscientes de que os responsáveis políticos dispõem de mais informação do que aquela que é tornada pública, pelo que as ações dos bancos centrais são importantes para os investidores quando tentam avaliar o risco em curso”, explica Azad Zangana, economista e estratega sénior europeu da Schroders. O que a autoridade monetária americana fez foi atualizar as suas perspetivas macroeconómicas.

Perspetivas macro do BCE atualizadas

Fonte: Macrobond. Bank J. Safra Sarasin a 16 de março de 2023.

A inflação média para 2023 foi revista um ponto percentual abaixo, até 5,3%, e de 3,4% para 2,9% em 2024, e voltaram a baixá-la ligeiramente até 2,1% para 2025. Por outro lado, a inflação subjacente (excluindo os alimentos, álcool, tabaco e energia) foi revista em alta para este ano, até 4,6%, mas em baixa nos anos seguintes. “A inflação subjacente representa melhor as pressões inflacionistas internas do que a inflação geral e, por isso, o BCE está desejoso de ver como irá baixar nos próximos meses antes de concluir que a inflação está a recuar de forma decisiva para o objetivo”, sublinha o especialista.

Robert Schramm-Fuchs, gestor de carteiras da Janus Henderson, concorda que as pressões inflacionistas irão abrandar ligeiramente nos próximos meses, mas acredita que no decorrer de 2023 e 2024 a inflação subjacente se irá manter estável e um pouco acima dos objetivos dos bancos centrais. “A previsão de inflação para 2023 do BCE parece realista, mas a de 2024 pode revelar-se um pouco otimista. No entanto, dado que a política monetária funciona com um atraso de até um ano, continuamos a esperar uma pausa do banco central e um abrandamento do endurecimento monetário durante o segundo semestre de 2023 para avaliar os dados económicos recebidos”

Redução do ritmo de subidas de taxas…

Para o futuro, o BCE decidiu não dar muitas orientações sobre o caminho das taxas de juro, mas voltou ao seu processo de tomada de decisões dependente dos dados, citando a elevada incerteza causada pelas recentes turbulências nos mercados. Na prática, isto pode significar que, se a inflação descer rapidamente nos próximos meses e os sinais de crescimento salarial diminuírem, o banco central poderá decidir travar qualquer nova subida de taxas. Pelo contrário, se a inflação permanecer estável e o crescimento salarial acelerar, poderão ocorrer novas subidas.

A incerteza em torno das taxas é elevada, mas há quem já antecipe uma redução no ritmo de subidas. “Os riscos inclinam-se para um menor endurecimento e estão relacionados principalmente com a força e a persistência dos problemas dos mercados financeiros. Embora reconhecendo as enormes incertezas relacionadas com as tensões bancárias e a sua repercussão no crescimento e inflação, esperamos agora que o BCE reduza o seu ritmo de subidas de taxas a outros dois aumentos de 25 pontos base e aumente até um máximo de 3,5% em junho”, opina Martin Wolburg, economista sénior na Generali Investments.

A J. Safra Sarasin Sustainable Asset Management também considera que duas subidas de taxas de 25 pontos base, em maio e junho, são coerentes com a mensagem do BCE e as suas previsões macroeconómicas. Não temem pelo setor financeiro europeu. A presidente Christine Lagarde e o vice-presidente Luis de Guindos afirmaram que existem vários instrumentos e facilidades para apoiar o setor financeiro e que a equipa do BCE tinha demonstrado a sua capacidade em crises anteriores para ativar outras ferramentas a tempo.

… e confiança no setor financeiro europeu

“Até agora, considera-se que a resistência do sistema bancário é forte, que as reservas de capital e liquidez são elevadas, que a exposição aos bancos norte-americanos vulneráveis é baixa e que as semelhanças com os problemas específicos dos bancos norte-americanos são muito limitadas”, assinala Karsten Junius, economista-chefe na J. Safra Sarasin Sustainable AM.

Axel Botte, estratega global de mercados da Ostrum AM, filial da Natixis IM, concorda com o BCE neste ponto: “o sistema bancário não mostra debilidades nem uma exposição significativa a instituições estrangeiras em dificuldades”, afirma.