Banco do Japão sobe taxas pela primeira em 17 anos: será o fim de uma Era ou apenas uma reviravolta de curto prazo?

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Créditos: JJ Ying (Unsplash)

O Banco do Japão foi o último banco central a afastar-se das taxas de juro de 0% para começar a aumentá-las. Mas a sua decisão tem uma particularidade importante: é a primeira vez que sobe as taxas em 17 anos. Em concreto, o governador da instituição, Kazuo Ueda, anunciou uma subida das taxas oficiais de 10 pontos base, deixando o preço do dinheiro no intervalo de 0-0,1%. “Embora a decisão pareça hawkish, não o foi, ou pelo menos o mercado não o reflete, visto que não foi uma decisão unânime (sete votos a favor e dois contra) e o ajuste de taxas é bastante simbólico, embora já faça uma grande diferença sair do território negativo e entrar no intervalo de 0/0,1% face aos −0,1% anteriores”, aponta Franco Macchiavelli, responsável de análise da Admirals.

A reação dos mercados

“Os mercados adiam as expetativas de novas subidas de taxas, o que está a provocar uma debilidade no iene e a servir de apoio às obrigações japonesas a dez anos, que se mantêm com yields de 0,7%”, explicam da Banca March. O Nikkei, por sua vez, reagiu ao comunicado em alta, apesar de o Banco do Japão ter anunciado que vai deixar de comprar ativos de risco através de ETF.

Se este é o fim da política de taxas zero ou apenas uma paralisação temporária depende da evolução da economia japonesa e de uma inflação que sempre esteve em mínimos no país.

“Qualquer subida adicional das taxas dependerá provavelmente, em grande medida, da situação da economia real e, sobretudo, das expetativas de inflação. Se as expetativas de inflação se mantiverem em torno dos níveis atuais num contexto de descida das taxas de inflação geral, tal será um sinal de que o comportamento no Japão está a mudar de forma duradoura e de que a mentalidade deflacionista chegou, finalmente, ao seu fim”, explica Raphael Olszyna-Marzys, economista internacional na J. Safra Sarasin.

De momento, os últimos dados do IPC publicados no Japão registaram uma subida no mês de janeiro de 2,4%, menos cinco décimas do que em dezembro de 2023, mas ainda no nível dos 2% fixados pelo objetivo do Banco do Japão. “Na reunião de hoje, o Conselho de Administração do Banco do Japão valorizou o círculo virtuoso entre preços e salários e considerou que o objetivo de estabilidade de preços de 2% vai ser alcançado de forma sustentável e estável”, indicou a instituição no seu comunicado.

Dependentes do Shunto

O chamado Shunto, a revisão salarial anual negociada entre os sindicatos e empregadores, terá muita influência na evolução da inflação, que vai determinar se o BoJ adota uma nova política monetária, ou se mantém a atual. “É provável que a revisão salarial anual (Shunto) atraia toda a atenção no primeiro trimestre do ano. Espera-se que esta negociação anual entre os sindicatos e o patronato confirme a tendência de aumento dos salários provocada pelos aumentos dos preços”, explicam na Capital Group.

De momento, os lucros empresariais publicados pelas principais empresas japonesas apontam para a possibilidade de uma revisão salarial positiva. “O facto de todas as expetativas se terem mantido razoavelmente bem apesar da menor inflação de custos e bens é animador, e deverá favorecer maiores aumentos salariais no Shunto do ano fiscal de 2024. E mais importante, poderá ser um sinal de que a mentalidade começou a mudar”, explica Raphael Olszyzna-Marzys.

Em todo o caso, mesmo que a inflação não surpreenda negativamente, é de esperar que, caso este seja o início de uma normalização, esta ocorra muito progressivamente. “Após esta recuperação da inflação tão duramente conquistada, acreditamos que é pouco provável que o Banco do Japão sabote agora este progresso ao endurecer agressivamente a sua política, um ponto que o governador Ueda reforçou na conferência de imprensa”, afirma Ben Powell, estratega-chefe de Investimento na região Ásia-Pacífico do BlackRock Investment Institute.

Uma ideia, a da normalização progressiva, que também partilham na Goldman Sachs AM: “Prevemos subidas de taxas, ainda que limitadas, tendo em conta que as taxas reais no Japão continuam a ser baixas e que as condições financeiras são permissivas em relação ao contexto da inflação”, afirmam da gestora.