Inflação subjacente: o que é e por que razão é no IPC que os bancos centrais se realmente focam?

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Créditos: Philip Myrtorp (Unsplash)

Os últimos dados revelados mostram que a inflação em Portugal está em 4,3% em julho. No entanto, a inflação subjacente continua muito acima destes níveis e é precisamente esta que os bancos centrais mais têm em conta na hora de definir a sua política de taxas. Nesta entrada do Glossário da FundsPeople explicamos o que é. 

O que é a inflação subjacente?

A inflação subjacente é a que calcula a evolução dos preços sem ter em conta nem os preços da energia, nem os preços dos alimentos não transformados. Inclui tudo o resto: alimentos processados, roupa, restauração, comunicações, lazer, cultura. 

O termo foi introduzido pela primeira vez em 1970, na sequência de um conflito que envolveu vários países produtores de petróleo e que provocou, desta forma, a subida acentuada do preço do crude. “Isto provocou, em primeiro lugar, um aumento no custo dos setores económicos que dele dependiam diretamente para funcionar - como o transporte ou a indústria - e, depois, os que dele dependiam de forma indireta - como a produção agrícola ou têxteis”, explica o Santander no seu blog. Daí a procura por um novo mecanismo para medir a inflação que não tivesse em conta esses efeitos e que pudesse ser utilizado para analisar o comportamento dos preços à margem dessas situações pontuais. 

Em que difere da inflação?

Como foi explicado no parágrafo anterior, a principal diferença entre a inflação e a inflação subjacente é que esta última não tem em conta os preços da energia, nem dos alimentos frescos (assim evita-se também o impacto que os eventos climáticos possam ter nos preços dos alimentos).

A outra grande diferença é o período de tempo em que é medida. Enquanto a inflação compara sobretudo a evolução dos preços a longo prazo, normalmente anual, a subjacente pode ser medida numa base mensal ou trimestral

Por que razão há tanta diferença entre as duas?

Tomando o caso de Portugal, em concreto os dados de junho, vemos que enquanto o IPC global se situou nos 3,4%, a inflação subjacente no mesmo mês foi de 5,3%. Mabrouk Chetouane e Nicolas Malagardis, estrategas globais de mercados da Natixis IM Solutions, explicam as causas. “Enquanto o recuo do IHPC de junho continuou a ser explicado principalmente por componentes voláteis, como a energia e os alimentos frescos, a inflação subjacente, que exclui estas componentes, ajustou-se apenas modestamente, refletindo a sua natureza volátil”, explicam. Isto é também influenciado pelo efeito base, uma vez que a taxa atual é comparada com a de há um ano, quando os preços da energia e das matérias-primas estavam em níveis máximos. 

Além disso, explicam que por detrás desta inflação subjacente ainda elevada, e não apenas em Portugal, está o setor dos serviços, que, por sua vez, impulsiona uma maior procura de mão de obra e, por conseguinte, um aumento da inflação salarial. “O crescimento salarial deverá manter-se mecanicamente acima do seu nível anterior à crise e continuar a alimentar a inflação subjacente através de efeitos de segunda ordem”, afirmam os especialistas.

Uma ideia que também foi destacada pela DWS após ter sido conhecido o valor da inflação subjacente na zona euro de 5,4%, é que “o problema são os serviços, que requerem muitas vezes muita mão de obra e, por isso, são diretamente afetados pelos aumentos salariais e pela escassez de mão de obra no mercado de trabalho”, explica Ulrike Kastens, economista na gestora. 

Por que é importante para os bancos centrais?

Por detrás da alteração da política monetária realizada pelos bancos centrais está a luta para reduzir a inflação, que há apenas um ano ultrapassava os 10%. De momento, os vários aumentos do preço do dinheiro, juntamente com a queda nos preços do petróleo e de outras matérias-primas, deram bons frutos. 

No entanto, isto foi sentido sobretudo nas taxas do IPC e não tanto nas subjacentes, pelo menos na Europa. Daí que, na reunião de maio, o BCE tenha aumentado as suas previsões de inflação subjacente para a zona euro para 5,1% em 2023, diminuindo para 3% em 2024 e para 2,3% em 2025. E é também por isso que o consenso do mercado já não prevê reduções das taxas de juro, pelo menos na Europa, este ano.  

A política monetária vai conseguir fazer diminuir a inflação?

Neste momento, o mercado desconta mais uma subida por parte do BCE, em setembro. Resta saber qual o efeito que esta terá na inflação geral e também na subjacente. 

Daniel Lacalle, economista-chefe da Tressis, explicou recentemente que esse efeito, quando chegar a um determinado ponto, será limitado. “Há um ponto em que as subidas de taxas deixarão de ter efeito, mas ainda não chegámos lá; o provável é que as taxas continuem a subir”, afirma. 

Explicou também que este ponto é o que se designa por barreira natural e está ligado à taxa de inflação subjacente. “Quando as taxas estão ao mesmo nível que as expetativas de inflação subjacente a longo prazo, o aumento das taxas não funciona”, afirma. E acrescenta que não terá esse efeito porque não são acompanhadas de outras medidas, como a redução dos balanços dos bancos centrais ou a redução da despesa por parte dos governos.