Eduardo Monteiro (BPI Gestão de Ativos): “Os setores que se revelaram vencedores durante a pandemia deverão manter a sua outperformance em 2021”

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Eduardo Monteiro. Créditos: Vítor Duarte

(Artigo escrito por Eduardo Monteiro, head of discretionary portfolios of HNWI na BPI Gestão de Ativos.)

Tendo em conta a sua excecionalidade histórica, seria incontornável começar por lembrar em pequenos apontamentos o que foi o ano de 2020, o que também permitirá compreender melhor o que esperar de 2021.

2020 foi um ano sem precedentes: nos últimos cem anos, nunca tinha existido uma queda económica tão abrupta causada por condições auto impostas pelos Governos, com o objectivo de “achatar” a curva de propagação de um então vírus desconhecido. Para garantir que não haveria um cataclismo económico com repercussões persistentes, a resposta coordenada entre política orçamental e monetária foi de uma dimensão sem precedentes. Nas principais economias desenvolvidas, os Governos implementaram medidas discricionárias acima de 10 pontos percentuais do PIB (distribuídas entre apoios directos, moratórias e garantias financeiras), o que é de uma dimensão bastante acima dos valores da crise financeira de 2008. Em conjugação, os Bancos Centrais lançaram programas de impressão monetária (Q.E.) a um ritmo de compras incomparavelmente superior ao ocorrido no passado. Também o esforço ao nível da investigação e desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus foi ímpar. De tal modo que o quarto trimestre de 2020 presenteou-nos com notícias positivas da última fase de testes de 3 vacinas, sendo que as primeiras doses começaram a ser administradas na população ainda em 2020.

Perspectivas para 2021

Tendo por base o que conhecemos de 2020, os desenvolvimentos positivos no campo das vacinas vieram afastar os cenários mais dantescos a nível macroeconómico para o próximo ano, dando mais suporte a uma visão construtiva para a economia mundial em 2021.  

Em princípio, algures a meio do ano deverá existir uma percentagem da população vacinada que garanta imunidade colectiva, facto que deverá permitir o regresso daquela que é a principal alavanca das economias desenvolvidas, o consumo privado. No primeiro semestre do ano, as atenções ainda continuarão voltadas para as medidas de confinamento localizadas, bem como para o anúncio de novos estímulos orçamentais, essenciais para os balanços do sector privado se manterem saudáveis para operar em pleno quando os confinamentos já não forem necessários.

Em termos accionistas:

Em 2021, espera-se que as acções tenham um desempenho positivo, sendo um activo essencial para um investidor conseguir gerar retornos positivos. Um termo comummente usado na gíria dos estrategas de asset-allocation é a “TINA – There Is No Alternative”, um acrónimo que traduzido para português significa “não há alternativa”. Com taxas de juro “espremidas” em níveis historicamente baixos devido à abundante liquidez injetada pelos bancos centrais, quem quiser obter retornos acima de zero “não tem alternativa” senão sair do conforto da dívida pública e investir em activos relativamente mais arriscados.

Este factor continua a suportar uma tese positiva para o mercado acionista. Apesar de os analistas mais negativos para acções alegarem que os preços dos índices bolsistas se encontram caros face aos lucros das empresas, se tivermos em conta que as taxas de juro estão em níveis historicamente baixos, muito provavelmente existe margem para os múltiplos accionistas se poderem manter nos níveis actuais ou até aumentarem. Deste modo, o processo de retoma económica impulsionará os lucros das empresas que, por sua vez, levará a uma expectativa de retorno positivo da classe acionista.

Na classe acionista, em termos sectoriais pode-se assistir a uma melhor performance relativa dos sectores mais cíclicos e mais alavancados à economia, nomeadamente na Europa e nos Emergentes. Estes últimos deverão igualmente beneficiar de um presidente norte-americano mais previsível e um dólar mais fraco. Apesar desta visão, consideramos que os sectores que se revelaram vencedores durante a pandemia, nomeadamente tecnologia, deverão manter a sua outperformance em 2021 se mantiverem um crescimento das vendas acima dos demais sectores.

Em termos obrigaccionistas:

No campo obrigacionista, o ambiente de abundância de liquidez e a expectativa de manutenção das taxas de juro nos níveis actuais por um longo período de tempo, extendeu-se para o outro lado do Atlântico, trazendo as taxas da dívida soberana norte-americana a 10 anos para níveis historicamente baixos, abaixo de 1%. Há quem vaticine que a maior coordenação da política orçamental e monetária garantirá que a impressão monetária chegue numa maior magnitude à economia real,  e que tenhamos entrado numa mudança estrutural de um regime deflacionista (que começou na década de 80) para um regime inflacionista. Todavia, a curto prazo ainda existem demasiadas incertezas para tirar esta conclusão que implicaria o término de um bull-market de 40 anos das obrigações.

No entanto, estando as taxas das dívidas soberanas em níveis negativos ou próximos de 0%, parece ser cada vez mais difícil defender uma tese de que este ativo possa obter valorizações futuras e duradouras muito pronunciadas. De facto, as obrigações de dívida pública apresentam-se presentemente com uma capacidade de diversificação mais limitada, posicionando-se também menos atractivas quando se olha num binómio risco/retorno. Neste sentido, dentro da classe obrigacionista, existe uma preferência por obrigações corporate com classificação de crédito investment-grade. Esta subclasse apresenta duas características que explicam esta preferência: em média apresenta taxas mais atractivas que a dívida soberana, e simultaneamente é alvo das compras directas por parte dos Bancos Centrais. Assim, apesar de ter menos retorno que o high-yield, beneficia da presença de um comprador tão relevante como o Banco Central, que compra independentemente do seu preço, o que lhe confere maior resiliência em contextos mais negativos de mercado.

O que se recomenda para 2021 em termos de gestão de portfolio?

Em qualquer instância, na gestão de um portfolio, recomenda-se uma exposição diversicada a diversas classes de ativos e adequada à situação do Cliente, e ao seu perfil. Contudo, no próximo ano, a construção de um portefólio de asset-allocation tem uma dificuldade maior. Os investidores habituaram-se a ter, nas obrigações de dívida pública, um activo que não só dava protecção em momentos de desvalorização do mercado acionista, como apresentava retornos positivos, algo que sucedeu durante 40 anos. No contexto de taxas baixas supracitado, surge, portanto, uma maior necessidade de procurar novos ativos que confiram capacidade de diversificação e retorno esperado positivo.

Por exemplo, o ouro é um ativo que este ano apresentou um retorno positivo e que tem potencial de continuar a sua tendência de valorização. Um factor que no curto prazo é o mais relevante é a redução das taxas de juro reais das economias. De facto se: 1) a tendência de continuação da recuperação das expectativas de inflação persistir, baseada no apoio dos Governos à economia e numa segunda fase na recuperação económica pós-confinamentos; 2) os Bancos Centrais limitarem as taxas nominais para garantir a manutenção dos custos das dívida em níveis suportáveis para os governos; 3) a taxa real reduzir-se-á, o que leva a que o ouro valorize.

Adicionalmente, o ouro historicamente tem sido a refúgio perante a criação monetária, uma vez que não pode ser criado a “partir do nada”, ao contrário das moedas fiduciárias que os Bancos Centrais emitem. Assim, o ouro é uma protecção face a futura criação de moeda. Este cenário torna-se mais relevante à medida que tem cada vez mais surgido na gíria dos estrategas macroeconómicos a sigla “MMT”, que traduzida literalmente para português quer dizer “Teoria Monetária Moderna”. Esta teoria vem lembrar que, ao contrário da visão predominante actual, um Governo não precisa de financiar o aumento de despesa com mais impostos ou emissão de dívida: pode imprimir moeda para o fazer, uma vez que um governo não pode falir numa moeda na qual é ele monopolista na emissão. Ainda é cedo para aferir até que ponto esta visão ganhará tracção, mas o certo é que eventos extraordinários como o Covid podem levar a que medidas temporárias, como a enorme despesa pública financiada indirectamente por impressão de moeda pelo Banco Central, se tornem em permanentes.

Riscos para 2021

A abundância de liquidez e a coordenação fiscal e monetária, teve e tem o potencial de conseguir colmatar as situações negativas criadas pela crise pandémica, no entanto, se não forem retirados ou mitigados a tempo poderão gerar uma inflação acima do desejável limitando a expansão económica em curso.