Os maus fundos nunca morrem

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Há acontecimentos que devem fazer refletir a indústria de gestão de ativos. Um deles é a grande sobrecapacidade que existe no setor. Há demasiados fundos de investimento no mercado. Para colocar em perspetiva, basta assinalar que, atualmente, na Europa são comercializados 4.458 fundos de ações europeias. São quase mais de 550 empresas registadas no mercado europeu. Chris Willcox, diretor executivo da J.P. Morgan AM, não pôde definir melhor este contexto no International Media Tour organizado pela gestora em Londres: “existe uma grande sobrecapacidade na indústria. Quando isto acontece, surge uma grande proliferação de produtos, o que leva ao aparecimento de produtos medíocres”, denuncia.

Infelizmente para o setor, os acontecimentos não fazem mais do que lhe dar razão. Continuando com o exemplo das ações europeias, e tendo como referência os dados publicados pela Morningstar no seu barómetro Active/Passive, nos últimos dez anos, apenas 16% dos fundos incluídos na categoria Europe Large Cap Blend Equity conseguiram oferecer uma rentabilidade líquida superior ao retorno líquido gerado pela média de um cabaz de ETFs comparáveis. Se se fizer o mesmo exercício a cinco anos, apenas um em cada cinco produtos conseguiram ultrapassar o fundo passivo. A questão é que, apesar dos maus resultados gerados, a maioria desses produtos continuam a ser comercializados. Dos 645 fundos de bolsa europeia com estilo blend que havia há dez anos, quase metade continuam vivos (44%). E se analisarmos a cinco anos, a percentagem aumenta para os 73% (praticamente três em cada quatro).

Na verdade, isto não é um problema único dos fundos de bolsa europeia. Acontece em praticamente todas as categorias, em alguns casos até de forma mais acentuada. Na bolsa americana, os resultados obtidos pelos fundos ativos são ainda mais preocupantes, com menos de 2% dos gestores ativos a serem capazes de ultrapassar o ETF em categorias como US Large Cap Growth tanto a cinco como a dez anos. E, apesar disso, o rácio de mortalidade destes fundos é baixo. Há uma década, a indústria comercializava 135 produtos incluídos nesta categoria. Praticamente 40% continuam a existir atualmente. A cinco anos, dois em cada três produtos mantêm-se operacionais. Noutras categorias de bolsa americana como US Large Cap Blend, os rácios de sucesso são igualmente baixos e os fundos também não desaparecem da grelha.

Entre a oferta à disposição do investidor podem-se encontrar fundos que metem bastante medo. Existem produtos que existem desde há mais de dez anos e que não ultrapassaram uma única vez o seu índice de referência nem ultrapassaram a média da sua categoria”, revela Fernando Luque, editor financeiro da Morningstar. E estes produtos não serão casos únicos. Num tópico iniciado pelo especialista no Twitter, é divulgado como no mercado se podem encontrar fundos índice que cobram mais de cerca de 2%, produtos com comissões 1,05% anuais e que perdem cerca de 0,5% anualizado nos últimos cinco anos ou monetários que cobram cerca de 0,8% anual. São exemplos que demonstram que o setor se está a manter praticamente indiferente face às evidências de não estar a oferecer produtos com resultados que estejam à altura.

Dizemos "praticamente" porque o mais certo é as entidades estarem a reagir, embora de forma muito lenta. Algumas gestoras estão a simplificar as suas gamas. A J.P. Morgan AM, por exemplo, reduziu a sua oferta de produto em cerca de 23% na primeira metade do ano, ao passar de comercializar 550 fundos no final de 2017 para 423 no final de junho. “No contexto atual deve-se simplificá-la”, assinala Willcox. No entanto, a maior parte da indústria ainda não está nesta linha. É verdade que nos últimos três anos a oferta de produtos diminuiu, mas ainda falta um longo caminho a percorrer. Estão a ser criados menos fundos do que aqueles que estão a encerrar. Precisamente, há hoje em dia cerca de menos de 2,5% de produtos do que no final de 2015. Para Jeffrey Ptak, diretor global da Análise da Morningstar, isto é uma boa notícia. “Há demasiados fundos”, afirma.

O dinheiro está muito concentrado. Os 160 maiores fundos gerem 50% dos ativos da indústria. E os 919 fundos maiores, 80%. Das quase 8.000 estratégias disponíveis, 2.800 têm um património de 100 milhões de dólares ou abaixo desta quantidade; em 1.900 produtos os ativos sob gestão não alcançam os 50 milhões e em 655 estão nos 10 milhões ou menos. Se se encerrar a metade mais pequena dos fundos, apenas perder-se-á 1,8% dos ativos. Mas… porque não se liquidam estes produtos? A resposta poderá estar no seu preço. 70% dos fundos com um volume de ativos mais reduzido encontram-se entre os veículos que cobram comissões maiores.

O problema para o setor é que a comissão do produto tende a estar positivamente correlacionada com a rentabilidade. Isto é: com um custo maior, pior será o comportamento do produto, pelo que é sensato pensar que a maior parte destes fundos de pequeno tamanho são o que estão a diminuir os rácios de sucesso a nível da rentabilidade face aos seus ETFs comparáveis. Para o setor, mantê-los operacionais significa receber rendimentos, mas à custa de dar uma imagem da indústria que causa dúvidas entre alguns investidores que estejam a transferir o seu dinheiro de fundos ativos para estratégias de gestão passiva, como prova a forte transferência de fluxos que está a acontecer em determinadas categorias, como as ações americanas.