A Reserva Federal prepara terreno enquanto o Banco Central Europeu afirma que ainda é cedo, mas no final do dia, o mercado continua a acreditar que a política monetária do próximo ano será mais acomodatícia do que os bancos centrais preveem.
Registe-se em FundsPeople, a comunidade de mais de 200.000 profissionais do mundo da gestão de ativos e património. Desfrute de todos os nossos serviços exclusivos: newsletter matinal, alertas com notícias de última hora, biblioteca de revistas, especiais e livros.
Para aceder a este conteúdo
Após o ciclo de subidas de taxas mais agressivo das suas respetivas histórias, o caminho dos bancos centrais dos EUA e da Europa começa a divergir. Ou, pelo menos, a retórica dos seus representantes. Na semana passada, tanto a Reserva Federal como o Banco Central Europeu dirigiram-se aos mercados. E a mensagem que ambos lançaram não podia ser mais distinta. O primeiro surpreendeu com um tom mais acomodatício do que o esperado, mesmo abrindo caminho para mais cortes de taxas do que previa no passado mês de setembro. “Trata-se de um importante ponto de inflexão. Ainda que a Fed tenha sido criticada por demorar demasiado tempo a aumentar as taxas, é evidente que não tem intenção de perder tempo a baixá-las”, aponta Franck Dixmier, diretor de Investimento Global em Obrigações na Allianz Global Investors.
O segundo, pelo contrário, insiste que o término da primeira descida de taxas nem sequer está em cima da mesa. O grande problema: o mercado não acredita no discurso cauteloso do BCE. Basta ver a primeira reação. Como bem aponta Katharine Neiss, economista chefe para a Europa na PGIM Fixed Income, as obrigações e os ativos de risco responderam ao tom mais moderado da Reserva Federal do dia anterior.
O BCE terá de mudar de opinião
Assim, as yields da dívida pública alemã caíram fortemente, enquanto os ativos de risco, como os spreads das obrigações corporativas em euros e os spreads das obrigações soberanas periféricas em euros, estreitaram-se consideravelmente. Porquê? Uma explicação de Neiss é de que, talvez, o comunicado do BCE, embora tenha claros elementos restritivos, também tenha soado mais equilibrado em vários aspetos. “Quase que foram estabelecidas as bases para uma transição para a flexibilização se os dados continuarem a ser corroborados, no início do novo ano”, aponta a especialista.
Ou seja, Neiss acredita que, se os factos mudarem, o BCE vai reagir. “De facto, vemos um cenário de forte deterioração da atividade económica na zona euro que levaria o BCE a reduzir as taxas precoce e agressivamente em 2024”, defende.
George Curtis, gestor de carteiras na TwentyFour AM (boutique da Vontobel), tem uma opinião semelhante. Os futuros a curto prazo preveem cortes de aproximadamente 125 pontos base, tanto nos EUA como na zona euro no próximo ano, e a probabilidade de um primeiro corte continua a subir. O mercado está a avaliar uma probabilidade de 72% de um corte da Fed para março, e 88% de probabilidade na zona euro. E, embora não se espere necessariamente um corte tão rápido, Curtis não o descarta se as economias continuarem débeis, ao mesmo tempo que a inflação se aproxima dos objetivos dos bancos centrais.
Quando e quanto
Continua assim o desentendimento entre o que pensa o mercado e o que os bancos centrais afirmam ir fazer. “Apesar de afirmarem que têm previsto manter as taxas altas durante um longo período, e mesmo aumentá-las se necessário, os mercados financeiros preveem agora a descida de taxas em mais de um ponto percentual até ao final de 2024. A especulação do mercado centra-se agora em quem vai baixar primeiro e quando”, reconhece Steven Bell, economista chefe para a região EMEA na Columbia Threadneedle Investments.
Quem tem razão? Na opinião de Bell, as descidas de taxas vão começar na primavera, com cortes ainda maiores dos que o mercado prevê atualmente. “No entanto, os bancos centrais querem estar seguros de que a inflação se dirige aos seus respetivos objetivos de 2% de forma sustentada, antes de contemplarem descidas”, afirma. OS EUA são os que mais se aproximam: a inflação geral do IPC mantém-se nos 3% e, ainda que a inflação subjacente seja mais alta, está a cair rapidamente.
A volatilidade é a única coisa garantida
Apesar do desejo da Fed de uma aterragem suave, Jonathan Duensing, diretor de Obrigações dos EUA na Amundi, também acredita que o risco de um crescimento mais débil não é tão baixo como o mercado considera atualmente. Por isso, prefere manter a cautela e continua a favorecer uma maior duração das taxas de juro, maior qualidade creditícia e setores em que os spreads compensem a possível incerteza macroeconómica e uma liquidez do mercado mais ajustada.
Com o debate completamente aberto, a volatilidade pode ser um fator-chave no próximo ano, prevê Pablo Duarte, analista sénior do Instituto de Investigação Flossbach von Storch. Porque algo a ressalvar é que o conselho da Fed mudou de opinião bastante rápido. “Os fatores que há uns meses eram chave, como as condições de financiamento, que faziam o trabalho da Fed, ou a inflação supercore, parecem ter passado para segundo plano”, explica.