Arif Husain (T. Rowe Price): “A aterragem dura está a chegar. É apenas uma questão de saber quando”

Arif Husain
Arif Husain. Créditos: Cedida (T. Rowe Price)

O cenário de uma aterragem suave da economia está a ganhar cada vez mais força. Até os bancos centrais se atrevem a dar credibilidade ao soft landing, como é conhecido na indústria. Mas será que a economia global conseguirá realmente ultrapassar o ciclo de subidas de taxas mais agressivo da história recente? Em contraste com o consenso, Arif Husain mantém-se cético. 

Na opinião do diretor de Investimentos de Obrigações da T. Rowe Price, a aterragem dura está a chegar. É apenas uma questão de saber quando. “Eu penso de outra forma. Uma aterragem suave não é mais do que um conto de fadas confortável, adaptado para que coincida com o mercado e baseado em circunstâncias únicas”, afirma o também gestor do Dynamic Global Fund

Para Arif Husain, as preocupações de 2022 não desapareceram, apenas foram adiadas, dando falsas esperanças. Na Europa, o quente inverno europeu permitiu que a região evitasse uma profunda recessão que, há apenas 12 meses, parecia inevitável. E este foi o gatilho para o otimismo deste ano. Agora, porém, voltamos ao mesmo ponto. “A dinâmica energética europeia melhorou, mas provavelmente não o suficiente. Teremos outro inverno quente? Não sei se os investidores devem alocar o seu capital baseando-se nessa esperança”, alerta o especialista. 

O auge dos factores benignos?

Quanto aos Estados Unidos, o país recebeu até agora o apoio fiscal de medidas como a Lei da Redução da Inflação (Inflation Reduction Act) e da Lei CHIPS. Mas agora que estamos a entrar em ano de eleições, Arif Husain não tem tanta certeza de que haja vontade política para manter este apoio fiscal adicional num contexto de um défice público já elevado.

Arif Husain fala de um “pico de tudo”. Ou seja, todos os fatores que contribuíram para a resiliência da economia mundial mudaram. O pico fiscal, pico no crescimento da China, pico de inflação, pico de liquidez, pico no emprego, pico no crédito… Por exemplo, os benefícios temporários de condições financeiras mais flexíveis e dos gastos fiscais nos EUA desaparecerão em breve. 

De facto, o especialista já deteta alguns pontos de preocupação. “Já parece que a indústria transformadora mundial está a dar sinais de estar em recessão. E o auge induzido pela COVID no setor dos serviços está a dar sinais de que também já ultrapassou o seu pico. Os mercados de trabalho não estão tão fortes como antes”, afirma.  

E o mais importante, o ponto no ciclo monetário em que nos encontramos. “Quando os indicadores de atividade económica mundial se situavam em torno dos atuais níveis em ciclos económicos anteriores, os bancos centrais já estavam em modo de redução de taxas. Mas, desta vez, os bancos centrais continuam a endurecer as condições”, sublinha Arif Husain. Na sua opinião, a preocupação com o endurecimento global acumulado tornar-se-à a narrativa dominante em vez do atual consenso do mercado. 

Uma cratera de liquidez

O que o preocupa é o facto de, entretanto, poder surgir outro evento de liquidez. “A alavancagem do sistema financeiro parece estar a aumentar e sabemos por experiência que uma alavancagem elevada pode rapidamente causar fissuras que se transformam em crateras”, avisa. E já tivemos problemas de liquidez nos bancos regionais dos EUA este ano, bem como graves tensões no setor imobiliário da China e nos fundos de pensões do Reino Unido. “Receio que a próxima possa ser uma cratera”, insiste. 

Um domínio em que a alavancagem aumentou foi no dos balanços públicos. Durante a pandemia, verificou-se uma transferência a grande escala da alavancagem do setor privado para o setor público. E isto tem várias consequências. 

Em primeiro lugar, os balanços fiscais estão agora em grande parte esgotados. “Quando a recessão chegar, será difícil para os governos gastar para sair dela”, acredita Arif Husain. Em segundo lugar, os governos mundiais precisam de emitir muito mais. Grande parte das emissões têm sido feitas no mercado de bilhetes do Tesouro (a prazos curtos), mas à medida que nos aproximamos de 2024, muitos destes títulos terão de vencer e ser substituídos por dívida a mais longo prazo. "Quem irá comprar toda esta duração, especialmente num momento em que os bancos centrais estão a reduzir as suas compras de obrigações?", pergunta Arif Husain. 

A consequência que vê é um aumento da yield das obrigações a longo prazo. “Assim, mesmo que, a dada altura, os bancos centrais respondam tardiamente à recessão com reduções de taxas, existe a possibilidade de que o poder tranquilizador dessas reduções seja compensado por uma falta de resposta nas yields a mais longo prazo”, prevê. Uma resposta tardia, fraca e incompleta pode levar a um mal-estar mais profundo e prolongado.