BCE ancora as taxas em baixa, mas escasseia em ferramentas e soluções: primeiras reações

europa europeia
Créditos: Markus Spiske (Unsplash)

É um grande contraste entre os caminhos que a política monetária parece estar a tomar na Europa e nos Estados Unidos. Embora a última reunião da Reserva Federal tenha surpreendido pelo seu tom mais restritivo, a do Banco Central Europeu teve um tom marcadamente acomodatício. A reunião de julho do BCE enviou uma mensagem clara: as taxas de juro na Europa permanecerão baixas por mais tempo do que o esperado. 

A presidente da entidade, Christine Lagarde, foi explícita no seu discurso. "As taxas de juro do BCE permanecerão nos níveis atuais ou mais baixas até que a inflação chegue a 2%", disse. E frisou: isto pode implicar um período de transição em que a inflação fique moderadamente acima da meta. 

Um vento favorável para os títulos europeus

“A barreira para o aumento das taxas de juro foi levantada novamente. O BCE não tem pressa”, interpreta claramente Ulrike Kastens, economista da Europa da DWS. E a declaração continha mais elementos dovish, destaca. Embora os riscos para a economia sejam considerados globalmente equilibrados, Lagarde fez referência especial ao gap que ainda prevalece em relação aos níveis pré-crise. As incertezas causadas pela disseminação da variante Delta também foram apontadas como um risco. "Parece que o BCE vê maiores riscos na eliminação prematura da acomodação monetária, à luz do rápido aumento de casos covid", comenta Morgane Delledonne, diretora de Análise da Global X. 

Para Ario Emami, gestor de fundos de Obrigações da Fidelity, esta é a primeira conclusão. É improvável que as taxas subam por muitos anos. E isto tem as suas consequências. Qualquer possibilidade de aumento das taxas que o mercado teria previsto nos próximos anos devido ao aumento da inflação que vimos, até agora, neste ano terá que ser refletida nos preços. Ou seja, um vento favorável para as yields. “A core duration da Europa deve continuar a apresentar um bom desempenho neste ambiente, assim como a dívida pública periférica”, analisa Emami. 

Mais do mesmo? A história da inflação

Mas a sensação que deixou no mercado é que estamos a enfrentar mais do mesmo. Talvez, se tanto, com uma embalagem diferente. Esta reunião de julho é a primeira no âmbito do novo quadro estratégico da entidade monetária. Há poucas semanas, apresentou a revisão da sua estratégia onde foi modificado o seu objetivo de inflação para um mais simétrico. Por outras palavras, o BCE concordaria em ser mais relaxado com um IPC acima de 2%. E, por isso, a única expectativa com esta reunião era um esclarecimento das nuances. 

Quanta inflação está o BCE disposto a tolerar? É um ponto que especialistas como Esty Dwek, Responsável de estratégia de Mercado Globais da Natixis IM Solutions, não veem resolvido. “Falta consenso sobre como avançar na nova meta de inflação”, interpreta Dwek. E Jon Day, gestor da Newton (BNY Mellon IM) concorda em ver pouca substância: "O euro, inalterado no dia, diz tudo." Na sua opinião, o BCE está agora oficialmente a seguir a Fed ao querer ver um retorno adequado da inflação antes de recuar na sua política monetária.

Para Nicolas Forest, responsável global de Fixed Income da Candriam, com estas mudanças na meta de inflação o BCE procura restaurar a sua credibilidade. Mas, como recorda, estamos longe do limite de 2%. O BCE espera que a taxa de inflação volte a 1,5% em 2022 e 1,4% em 2023. Além disso, a pandemia continua a ser uma ameaça para as perspetivas de crescimento e inflação. "Não é de admirar que a nova interpretação do mandato do BCE se pareça preocupantemente com a anterior com um bonito laço", concorda James Athey, diretor de Investimentos da Aberdeen Standard Investments

Uma mensagem claramente dovish, mas e agora?

"Por não anunciar nenhuma ação robusta, permanece uma questão em aberto, a forma como pretendem atingir essa nova meta", diz Gero Jung, economista-chefe da Mirabaud. Ou seja, como planeia colocá-lo em prática com as ferramentas atuais. Assim, a reunião de julho poderá ser resumida na tendência para a qual o BCE está a apontar. Um caminho marcadamente complacente. Tanto a substância quanto o tom e até mesmo a conferência de imprensa de Lagarde foram dovish, conforme interpretado por Gilles Moëc, economista-chefe da AXA IM. O problema apontado pelo especialista é que se trata de uma solução de curto prazo. Como esperado, nenhuma granularidade foi proporcionada sobre a calibração de QE pós-PEPP ou se o PEPP (programa de compra de emergência pandémica) poderá ser atualizado. Isto significa que a grande batalha fica para setembro, com a atualização das projeções macro. Ou até dezembro, se os receios relacionados com o covid ressurgirem. 
O BCE entra num terreno complexo. Na atual conjuntura, o espaço de política monetária na área do euro é limitado pelo limite inferior efetivo (effective lower bound). “O BCE pode ter dificuldades para voltar a ancorar as expectativas de inflação e recuperar espaço político sem recorrer a medidas adicionais ou obter mais apoio da política fiscal”, avisa Elga Bartsch, responsável de Análise Macro do BlackRock Investment Institute. Neste contexto, a próxima revisão das regras fiscais europeias será crucial. Caso contrário, a Europa corre o risco de minar ainda mais o espaço monetário de que dispõe.

EUA e Europa: as duas caras da inflação

É um ponto que estão a vigiar as gestoras: até quando aguentará o mercado. “A referência aos excessos transitórios provavelmente não impressionará de forma duradoura os mercados, dado o longo historial de incumprimento da anterior definição mais conservadora de estabilidade de preços”, argumenta Konstantin Veit, gestor da PIMCO. Para setembro, a gestora espera que comecem a preparar o final do PEPP. Também veem um aumento do APP regular em 2022, para manter as condições pandémicas, já que o progresso em direção ao objetivo de inflação continua inadequado.

Como destaca Athey, a realidade é que o BCE continua a prever um enorme déficit de inflação no horizonte da política monetária. E, no entanto, não aporta novas ferramentas ou mudanças de política para tentar fechar este gap. Por agora, as obrigações celebram que as compras não tenham data de finalização. Ao fim e ao cabo, o QE em curso a um ritmo elevado também suporta os spreads nos próximos meses, explica Peter Allen Goves, analista de obrigações da MFS IM. Mas, até quando? “A esperança não é uma grande estratégia”, recorda Athey. “A questão de como prevê o BCE alcançar um objetivo ainda mais ambicioso com as mesmas ferramentas e configurações de sempre continua sem resposta”, coincide Veit.