Pode uma empresa que opta por cortar o seu dividendo ser uma opção interessante para a geração de rendimentos? Tradicionalmente os mercados têm vindo a castigar em bolsa, a curto prazo, aquelas empresas que não têm sido capazes de manter a sua disciplina financeira, e optaram por reduzir, substituir por ações ou inclusive cancelar a sua política de dividendos para poder enfrentar, na maioria dos casos, uma descida dos lucros, que é o motivo mais habitual por detrás destas decisões.
Por outro lado, habitualmente a distribuição de dividendos funciona como um incentivo na hora de adquirir ações em empresas estáveis, tal como recorda Emma Stevenson, redatora de investimentos na Schroders: “Frequentemente, as empresas que distribuem dividendos interessantes são as que já não beneficiam do reinvestimento dos seus lucros, enquanto que aquelas que apresentam uma importante oportunidade de crescimento costumam usar os seus lucros para expandir o seu negócio”.
Portanto, apesar da atratividade dos pagadores de dividendos ser evidente – oferecem uma fonte de rendimentos que fornece uma rentabilidade constante de investimento – como pode ser possível que também seja atrativo o caso oposto? Embora Stevenson admita que “aparentemente um corte de dividendos não seja nada positivo para os acionistas” - o que justifica a descida das cotações das empresas que anunciam este tipo de medidas - frisa que “cortar o dividendo pode constituir uma estratégia muito sensata”.
“A longo prazo, tentar manter os dividendos em níveis insustentavelmente elevados pode ser muito mais prejudicial para a empresa (e para os seus acionistas) do que interrompê-los temporariamente ou cortá-los”, acrescenta. A especialista alerta mesmo acerca da posição de vulnerabilidade das empresas que optam por se endividar no futuro para poder pagar o seu dividendo presente na ausência de um crescimento sustentável dos lucros. A verdade é que “o corte dos dividendos costuma ser um dos primeiros passos que as empresas dão para tentar recuperar a sua estabilidade financeira”, recorda Stevenson.
Como interpretar o corte de um dividendo
“A decisão de cortar os dividendos pode resumir-se ao facto de a equipa de direção priorizar a situação do negócio a longo prazo ou os efeitos na sua cotação a curto prazo”, continua a redatora de investimentos. Do seu ponto de vista, é preferível, tendo em conta os investidores com um horizonte de investimento de longo prazo, que “as empresas cortem o seu dividendo para proteger o seu balanço ou que reinvistam no negócio em vez de distribuírem um dividendo insustentável a todo o custo”.
Por outro lado, Stevenson acrescenta que, quando uma empresa opta por cortar o seu dividendo, esta medida costuma vir acompanhada de uma debandada geral dos quase-dividendos, ao vender as suas ações aos investidores com um enfoque mais de curto prazo. Estas vendas podem representar um ponto de entrada atrativo para aqueles investidores de longo prazo centrados no valor. “Depois, pelo menos em teoria, a equipa de direção estabiliza o negócio, restabelece a distribuição de dividendos e a cotação recupera. Este cenário pode representar uma oportunidade para que os investidores participem tanto no aumento do dividendo como na revalorização das ações”, resume Stevenson.
A redatora da Schroders chega a acrescentar que podem existir momentos pontuais em que faça sentido manter uma ação, embora a empresa tenha cortado o seu dividendo, mas apenas se “o corte responder aos interesses da entidade a longo prazo”.
“Jamais diríamos a uma empresa qual deve ser o seu nível de dividendo. Preferimos brindar as equipas de direção das empresas nas quais investimos com a liberdade e a confiança para cortar o seu dividendo se considerarem que não é sustentável ou que seria melhor investir em capital de outra forma”, comenta a este respeito Simon Adler, gestor de fundos de ações value na Schroders. Adler reivendica que “é muito melhor adotar este enfoque antes de sobrecarregar o balanço para distribuir um dividendo que não pode ser permitido”.
O gestor revela uma última situação que atualmente está mais presente no mercado: a possível vulnerabilidade, neste ponto do ciclo de mercado, daquelas empresas que se comportam como obrigações (“bond proxies), ao repartir dividendos sólidos e estáveis: “Muitas têm medo do efeito negativo que a decepção dos investidores pode ter na sua cotação se cortarem o dividendo”, conclui o especialista.