Fed surpreende com um tom mais hawkish: as reações das gestoras internacionais

Créditos: Raúl Nájera (Unsplash)

Precisamente quando o mercado parecia aceitar a sua permissividade com a inflação, a Fed surpreende com um tom mais hawkish na última reunião. A Reserva Federal falou de uma subida de taxas pela primeira vez desde o rebentar da pandemia. E, para surpresa de muitos, poderá acontecer antes do esperado. Segundo o último gráfico de pontos, a primeira subida das taxas chegará em 2023. De facto, o dot plot de previsões da Fed reflete até duas subidas nesse ano. Até à reunião anterior não se esperava nenhuma até 2024.

Há algum tempo que um banco central não transmitia uma mensagem tão clara aos mercados e, sobretudo, diferente do consenso. “Desta vez é inegável, a Reserva Federal deu os primeiros passos para seguir um caminho mais agressivo”, sentencia Oliver Blackbourn, gestor da equipa de Multiativos da Janus Henderson. A mudança na mensagem da Fed é crucial. “A referência ao passado abrandamento do ritmo da recuperação foi substituída por um forte contexto de fortalecimento da economia”, comenta Paolo Zanghieri, economista sénior da Generali Insurance AM.

As yields das obrigações sobem

A notícia fez-se notar de imediato nos mercados, como resume Blackbourn. A curva de yields do Tesouro americano respondeu rapidamente, notoriamente a barriga da curva registou o maior movimento. As yields das obrigações do Tesouro dos EUA a cinco anos subiram cerca de 0,10% e as yields de referência a 10 anos também subiram. Em contraste, as rentabilidades das obrigações do Tesouro dos Estados Unidos a 30 anos mudaram um pouco, já que o prognóstico da taxa de juro a longo prazo da Fed manteve-se igual em 2,5%. E especialistas como Nicolas Forest, responsável global de obrigações da Candriam, esperam ver movimentos semelhantes nas obrigações europeias.

Também se notou o tom restritivo no dólar, que se fortaleceu. É o efeito que mais perdura. Porque ainda que o S&P 500 tenha conseguido recuperar a breve queda, as ações emergentes estão a ser afetadas pela moeda mais forte e as yields mais altas.

O debate: determinar quando será o tapering

Na reunião de junho também se colocou sobre a mesa a retirada de estímulos. Isto, quando o mercado não esperava uma conversa sobre o tapering até à data da Jackson Hole em agosto. Olhando para o calendário, tendo em conta que a primeira subida de taxas será em 2023, Tiffany Wilding e Allison Boxer, economistas dos EUA da PIMCO, calculam que o FOMC poderá anunciar a primeira redução do seu programa de compra de obrigações já em setembro. Outros especialistas, como Anna Stupnytska, economista global da Fidelity International, defendem que, ainda que se comece a falar do tema, Jerome Powell será mais cauteloso e comedido no momento de reduzir os estímulos monetários. Em todo o caso, Stupnytska concorda que a credibilidade da política continua a ser o principal risco macro no atual contexto favorável ao risco.

O que é verdadeiramente surpreendente sobre a mensagem da Fed é que agora alinhou-se com o que os mercados pediam há alguns meses. “Curiosamente, as alterações mais agressivas nas expectativas da trajetória das taxas de juro dos participantes do FOMC vieram apesar das poucas alterações na taxa de desemprego e nas previsões da inflação para 2023. Isto sugere menos tolerância à inflação em excesso do que se pensava anteriormente”, comentam Wilding e Boxer.

Um movimento surpreendentemente esperado

“Claro que, com uma economia forte, a recuperação do mercado de trabalho e as pressões sobre os preços, embora em grande parte transitórias, é provável que a inflação estabilize a um nível mais elevado do que durante a última década, e não deve ser um choque ver as expectativas das taxas avançarem. Em todo o caso, isto deverá ajudar a ancorar as expectativas de inflação à volta dos 2%”, defende Seema Shah, estratega chefe da Principal Global Investors. “Reconheceram que esta força pode exigir uma ação política antes do final de 2023, como tinha sido a sua mensagem anterior”, entende David Norris, chefe de crédito dos EUA na TwentyFour AM (uma boutique da Vontobel AM). Ele também destaca um detalhe importante. Sete dos governadores da Fed veem a necessidade de uma subida das taxas em 2022. Este é um aumento de quatro em relação à reunião anterior. “Trata-se de um passo importante para reconhecer a força da economia e a potencial necessidade de ação política”, interpreta.

Agora que as águas acalmaram, começam a surgir cada vez mais especialistas que pedem que a mudança seja interpretada com a racionalidade que merece. “Num horizonte tão distante, o impacto desta decisão não deve ser exagerado. Powell salientou que esta mudança deve ser tomada com um grão de sal”, diz Bruno Cavalier, economista chefe na Oddo BHF AM.

A Fed, apesar de estar mais alerta, continua a defender que a inflação atual é transitória. E reviu as suas previsões macroeconómicas para refletir isto. A taxa de inflação com base no indicador PCE tinha terminado o ano 2020 em 1,2%. Espera-se agora que aumente para 3,4% até ao final de 2021, com um pico à volta de 4% (a inflação do IPC já está a 5% numa base anual). Esta é uma reviravolta significativa face aos 2,2% que previram em março. “A inflação aumentará mais do que o esperado a curto prazo, mas deverá estabilizar ao mesmo nível previsto em 2022-2023”, analisa Cavalier.

Um ponto-chave para Axel Botte, estratega global na Ostrum AM (Natixis IM), é o facto da Fed ainda estar concentrada em permitir melhorias mais rápidas no emprego em direção ao nível que prevalecia antes da pandemia, mas Powell não tinha a certeza se a participação no mercado de trabalho voltaria aos níveis pré-crise. Os desajustes entre a reforma e a oferta e procura podem impedir uma recuperação total dos postos de trabalho. Recordamos que o emprego é um dos mandatos da Fed.