Irão os problemas no Mar Vermelho provocar um aumento significativo da inflação?

Aviões
Aviões. Fonte: UX Gun (Unsplash)

As crescentes tensões geopolíticas no Médio Oriente começaram a perturbar as cadeias de abastecimento mundiais. Na sequência dos ataques dos rebeldes Houthi aos navios que atravessam o Mar Vermelho a caminho do Canal Suez e das principais economias mundiais, as principais empresas marítimas alertaram para significativos atrasos nas entregas. As imagens por satélite mostram que praticamente nenhum navio com destino aos principais portos europeus ou aos EUA e ao Reino Unido atravessa atualmente o Mar Vermelho, fazendo um desvio, por sua vez, pelo sul de África.

Esta crise surge após os problemas no canal do Panamá, onde uma combinação de seca associada às alterações climáticas e mudanças na precipitação vinculadas ao fenómeno El Niño provocaram uma descida do nível da água. Entretanto, na Europa, o clima húmido faz com que o nível do Reno, uma rota marítima fundamental para os fabricantes alemães, esteja demasiado elevado. E com o resultado das eleições em Taiwan a aumentarem o risco de se repetirem as manobras militares chinesas que interromperam as rotas marítimas asiáticas em 2022, parece que as cadeias mundiais de abastecimento enfrentam uma tormenta perfeita de riscos.

“Tudo isto evoca dolorosas memórias dos problemas na cadeia de abastecimento que surgiram durante a pandemia da COVID. Estes problemas contribuíram para o recente episódio de alta inflação que, em última instância, obrigou os bancos centrais mundiais a subirem agressivamente as taxas de juro. Os mercados preveem agora agressivas reduções das taxas de juro na Europa, no Reino Unido e nos EUA, com algumas descidas previstas já para o primeiro semestre de 2024”, explica David Rees.

Segundo o economista sénior de Mercados Emergentes na Schroders, tudo isto levanta a questão de se os novos problemas na cadeia de abastecimento estão prestes a fazer aumentar a inflação, obrigando os responsáveis políticos a reavaliar as suas perspetivas. Muito dependerá do quanto irá durar esta situação, mas, na sua opinião, existem pelo menos três diferenças importantes no contexto da economia mundial, que sugerem ser improvável que os problemas no Mar Vermelho provoquem um aumento significativo da inflação.

Em primeiro lugar, as condições da procura são agora muito mais flexíveis. “Enquanto os grandes estímulos monetários e fiscais impulsionaram a economia mundial após os problemas iniciais causados pela pandemia mundial, agora, o crescimento está a abrandar. Prevemos um crescimento do PIB mundial de apenas 2,5%, tanto para este ano como para o próximo. A zona euro já está provavelmente em recessão, o Reino Unido apresenta um crescimento débil e a atividade nos EUA está a abrandar”.

Em segundo lugar, apesar de os encerramentos preventivos para conter a propagação da COVID terem feito com que a procura se concentrasse no setor de bens durante a pandemia, os padrões de consumo estão agora muito mais equilibrados. “De facto, a reabertura das economias fez com que a procura voltasse a inclinar-se para os serviços nos últimos dois anos, deixando o setor da indústria mundial em recessão”.

Em terceiro lugar, o lado da oferta da economia mundial também está em melhor forma. “Ao mesmo tempo que, durante a pandemia, houve paragens forçadas da produção, agora não há interrupções deste tipo. Os desvios pelo sul de África vão alargar os prazos de entrega, mas as mercadorias vão continuar a chegar ao seu destino, o que sugere que é pouco provável ocorrer uma escassez total. Em todo o caso, os recentes dados comerciais da China, que mostram um crescimento das exportações muito mais rápido em volume do que em valor, sugerem que as empresas, pelo menos de alguns setores, estão a ter que reduzir os preços para eliminar o excesso de stock”.

Riscos para o fornecimento de matérias-primas

Na sua opinião, o risco mais imediato para a inflação mundial é as tensões no Médio Oriente começarem a afetar o fornecimento de matérias-primas, em particular, fazendo subir os preços da energia. “Isto é algo que começámos a vigiar de perto na nossa última ronda de previsões, assumindo que, além das fricções comerciais, um aumento das tensões na região pode provocar uma escalada dos preços do petróleo para os 120 dólares por barril”.

Os resultados desta simulação mostraram que esta situação poderá encaminhar a economia mundial numa direção estagflacionária, visto que o encarecimento da energia faz subir a inflação, com o risco de os efeitos secundários (dada a rigidez dos mercados laborais) pesarem no crescimento e obrigarem os bancos centrais a abandonar as descidas de taxas e, talvez, subi-las ainda mais.

Até agora, no entanto, os preços do petróleo têm tido um bom comportamento, com o barril de Brent praticamente sem alterações, um pouco abaixo de 80 dólares por barril. “Mas, no mínimo, o último contratempo nas rotas de transporte marítimo é outro lembrete dos riscos da dependência de longas cadeias de abastecimento num mundo cada vez mais instável. Como resultado, a reconfiguração das cadeias de abastecimento mundiais, que constituem um pilar fundamental do 3D Reset, parece que vai continuar”, conclui.