João Marques (Caixa Gestão de Ativos): “Os níveis de posicionamento dos investidores, no espectro global, permanecem como um fator de suporte para a classe de ações”

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João Marques. Créditos: Vitor Duarte

(Artigo escrito por João Marques, responsável da Direção de Estratégia e Alocação da Caixa Gestão de Ativos)

É expectável que, em 2021, a economia global registe o crescimento mais elevado desde o final da última grande recessão de 2008-09. Após uma paragem transversal da atividade motivada pelo choque exógeno da COVID-19 na 1ª metade de 2020, a qual se deverá traduzir num registo anual negativo do PIB na maioria dos países desenvolvidos e emergentes, a retoma subsequente, iniciada no 3º trimestre, apresenta-se também global e, de certa forma, sincronizada. No entanto, deverão subsistir inevitáveis diferenças em termos de setores e de geografias, dados os diversos graus de exposição aos efeitos da crise epidemiológica. No que concerne às principais economias, para além das incertezas em torno do contexto do vírus, a natureza do impacto sofrido em 2020, a eficácia das medidas de combate à pandemia e as políticas macroeconómicas em curso serão determinantes para a respetiva evolução no próximo ano.

Ao nível dos grandes blocos, a China deverá destacar-se ao registar um crescimento positivo em 2020, atingindo um grau de riqueza criada acima do patamar de pré-pandemia e com perspetivas de um robustecimento desta tendência no próximo ano. Este país, a par com outros soberanos do norte asiático, é identificado pelos analistas como um dos primeiros, não só a testemunhar os impactos negativos da pandemia, mas também a exercer um controlo mais eficaz, ou seja por “FIFO - first in first out”. Adicionalmente, as evidências sugerem uma situação epidemiológica favorável e os indicadores divulgados nos últimos meses traduzem uma forte recuperação dos diferentes setores de atividade e a continuidade da expansão.

Nos EUA e na Europa, os ritmos de crescimento poderão ser expressivos, acima do seu potencial estimado, embora as recuperações devam permanecer incompletas até ao final de 2021 e à 1ª metade de 2022, respetivamente, isto é, com os níveis de produto gerados ainda abaixo do patamar atingido no início de 2020. As fortes quedas ocorridas no consumo e no investimento, o aumento do desemprego e os elevados níveis de incerteza prevalecentes deverão contribuir para uma retoma mais lenta no setor serviços. Este segmento, por sua vez, constitui o peso mais proeminente na composição do PIB das referidas economias. Paralelamente, numa ótica trimestral, dever-se-á verificar alguma divergência transatlântica devido à discrepância temporal do aumento de novos casos de COVID-19, com os Estados-membros europeus a iniciarem o próximo ano a partir de uma contração no 4ºT e os EUA, por sua vez, a vivenciarem os primeiros três meses de 2021 com um crescimento negativo do PIB. No entanto, assumindo o pressuposto de massificação das vacinas, de crescente imunidade de grupo e de reabertura gradual dos setores de atividade, estas economias deverão registar uma retoma mais sustentada a partir da 2ª metade do ano.

Já no caso dos países do bloco emergente (ex - China) também será expectável que evidenciem uma trajetória de crescimento positiva, embora com padrões distintos entre regiões. As economias asiáticas, de maior cariz exportador, fortemente associadas às dinâmicas do ciclo industrial e do setor tecnológico globais, e que mais eficazmente também têm contido a evolução da pandemia, tenderão a prolongar o melhor desempenho verificado em 2020. Contrariamente, os países da América Latina e da Europa emergente, mais afetados pelo vírus, poderão evidenciar um comportamento semelhante ao dos países do bloco desenvolvido.

No que respeita à inflação, os indicadores de preços deverão exibir um comportamento tendencialmente abaixo dos objetivos das autoridades monetárias. Dada a recente e inédita quebra da atividade e a incompletude da recuperação atual e esperada, será provável a ausência de uma pressão generalizada para o aumento de preços. Por outro lado, apesar da subida em curso dos preços dos bens, a lenta recuperação estimada para o setor dos serviços, que, tal como face ao produto, representa um peso significativo nos cabazes de preços dos países desenvolvidos, deverá contribuir para um risco reduzido de se materializar uma forte aceleração da inflação em 2021.

Em termos de políticas macroeconómicas, a retoma global deverá ser suportada pelas medidas monetárias e fiscais que se perspetiva permanecerem expansionistas na maior parte dos países. No caso da atuação dos principais bancos centrais, as comunicações públicas mais recentes apontam para a continuação das taxas diretoras em patamares historicamente baixos, ao nível do limiar mínimo considerado efetivo (ELB - effective lower bound) e dos programas de compras de ativos, sendo que, em alguns casos, as autoridades monetárias já estabeleceram formalmente o prolongamento dos mesmos para lá de 2021 e, no que respeita a outras medidas, até à recuperação sustentada dos principais agregados económicos e ao efetivo controlo da situação pandémica. Finalmente, no que concerne à intervenção dos governos, apesar de, globalmente, se perspetivarem medidas de apoio e de estímulo fiscal face ao nível do PIB relativamente inferiores às de 2020, o viés continuará significativamente acomodatício e, deste modo, determinante para as expectativas de continuação da retoma.

Principais classes de ativos

Após os comportamentos registados em 2020, as principais classes de ativos iniciarão o próximo ano com níveis de valorizações historicamente elevados. De facto, dadas as intervenções em larga escala e coordenadas por parte dos bancos centrais, as yields, ou taxas de rendibilidade ex-ante, das diferentes classes de ativos apresentam-se genericamente baixas. No entanto, em termos comparativos, persistem diversas oportunidades de exploração de prémios de risco e de captação de valor, entre segmentos de mercados e sub-classes.

Ao nível dos mercados monetários da Área Euro, com a perspetiva de continuação dos indexantes (Euribor) associados aos diversos prazos em patamares negativos, as aplicações de depósitos proporcionadas pela generalidade das instituições financeiras deverão demonstrar retornos potenciais praticamente nulos. Aliás, os mesmos poderão ser negativos em termos reais, quando expurgados da inflação realizada.

Igualmente, uma parcela significativa do universo de obrigações do tesouro do espaço europeu apresenta yields negativas, inevitavelmente abaixo das suas médias históricas, e diferenciais de taxas de maturidades longas vs. curtas reduzidos, por sua vez expressos em curvas de rendimentos com uma inclinação relativamente diminuta. Assim, este segmento de mercado ostenta um perfil assimétrico de rendibilidades potenciais, pois, apesar de beneficiar das aquisições de ativos dos bancos centrais e de contextos intermédios de aversão ao risco, a probabilidade de subida das taxas de mercado, dado os próprios níveis atuais e a retoma perspetivada, é maior. Em paralelo, no referido enquadramento de taxas de juro extremamente reduzidas, os títulos de emitentes soberanos, apesar de apresentarem níveis de spreads genericamente comprimidos face a Alemanha tendo em conta os seus fundamentais, poderão beneficiar da procura generalizada dos investidores por ativos com yields superiores. Já as obrigações do tesouro americanas de prazos mais longos, após as fortes rendibilidades registadas em 2020, apresentam níveis de taxas de juro próximos de mínimos pelo que a atratividade da classe é menor comparativamente à de final de 2019. Apesar da Reserva Federal ter sinalizado a ausência de intenção de descida das taxas diretoras para níveis negativos e, deste modo, implicitamente ter reduzido o potencial do mercado de dívida pública, o mesmo poderá beneficiar dos níveis positivos de yields que apresenta, ainda acima dos da maior parte dos mercados desenvolvidos.

No caso dos mercados de dívida privada (crédito), o suporte técnico advindo dos programas de compras de ativos deverá continuar a demonstrar-se relevante para o comportamento dos prémios de risco, tanto do segmento de grau de investimento (investment grade) como especulativo (high yield). Por sua vez, estes spreads, apesar de nas tranches de melhores ratings já se situarem próximos dos níveis mínimos da última expansão, apresentam alguma atratividade relativa face à dívida pública considerada benchmark em função do contexto esperado de yields reduzidas e negativas e da potencial procura advinda de determinadas classes de investidores. Apesar de não se perspetivar um ciclo de alargamento de spreads, as rendibilidades totais dos mercados de investment grade poderão ser negativamente afetadas pela ascensão da componente de yields sem risco. Já no caso dos segmentos de high yield, os valores absolutos de prémios de risco mais elevados e a respetiva duração relativamente menor (i.e. sensibilidade à variação das taxas de juro) poderão propiciar melhores retornos ao nível da classe de obrigações.

Em relação às ações, também as diferentes métricas de valorizações, como os rácios de preços em função dos lucros, em especial para os índices de mercados desenvolvidos, encontram-se historicamente elevadas. No entanto, em termos relativos, face a obrigações, a classe denota atratividade. Paralelamente, as fases semelhantes de ciclos económicos anteriores, ou seja de início de recuperação, de crescimento dos lucros empresariais e de expansão de margens, após um período recessivo, foram demonstrativas de melhores rendibilidades da classe. Por outro lado, com base no pressuposto de confirmação da retoma ao longo de 2021, os mercados de maior enviesamento cíclico como os europeus e emergentes, por sua vez mais afetados pela crise pandémica, poderão evidenciar um melhor comportamento. Já os níveis de posicionamento dos investidores, no espectro global, permanecem como um fator de suporte para a classe. Atualmente, o crescimento significativo da massa monetária e as alocações historicamente elevadas a veículos de liquidez sugerem que, com a maior visibilidade da retoma e a gradual superação da crise epidemiológica, novos fluxos de capital serão direcionados para os mercados acionistas.

No complexo das matérias-primas poder-se-ão verificar comportamentos divergentes entre os segmentos. Por um lado, os preços dos metais industriais, de cariz pró-cíclico deverão ser favorecidos pela retoma esperada e, em particular, pela confirmação da expansão em curso na China. Já no que concerne aos metais preciosos, o ouro, como um dos principais ativos de “refúgio”, poderá ser intermediamente beneficiado com o surgimento de focos de incerteza mas, por outro lado, tendo em conta o cenário dominante perspetivado de recuperação e de subida das taxas de juro de mercado, sobretudo da componente das taxas reais, o valor do metal poderá evidenciar uma maior resistência para uma nova subida. Por sua vez, o petróleo provavelmente será dominado por forças distintas. Em termos da procura, apesar de estruturalmente se perspetivar uma redução, poder-se-á verificar um aumento intermédio com a recuperação económica de 2021. No entanto, permanecerão incertezas em torno da oferta, nomeadamente quanto à divergência de objetivos de aumento de quotas de produção nacionais e de simultâneo suporte ao preço. Deste modo, na ausência de um choque inflacionista ou geopolítico, não se perspetiva uma forte direccionalidade ao nível do agregado da classe.

No que respeita ao mercado cambial, num quadro de alguma redução da volatilidade de acontecimentos geopolíticos e de conflitos comerciais, nomeadamente após a vitória de J. Biden nas eleições americanas, e de retoma global, no próximo ano, o dólar poderá registar uma tendência generalizada de depreciação. Todavia, será esperada uma trajetória distinta nos casos pontuais de moedas de países em que a recuperação do crescimento seja mais incerta. Em relação ao euro, a perceção de menores riscos associados ao projeto político europeu, a forte compressão das taxas de juro americanas face às europeias e a perspetiva de situação orçamental e de balança comercial mais fragilizada nos EUA, face à da AE, poderão contribuir para uma depreciação da moeda americana.

Em suma, apesar das incertezas vigentes, a continuação de políticas macroeconómicas acomodatícias, a fase de recuperação do crescimento e a ausência de pressões inflacionistas, associadas ao enquadramento de taxas de juro comprimidas, sugerem um contexto de mercado de melhores desempenhos por parte das classes mais pró-cíclicas, numa ótica de rendibilidade / risco.                    

Riscos para 2021

Com a realização das eleições americanas, a aprovação do orçamento plurianual da União Europeia, que inclui o novo fundo de recuperação - Next Generation EU, e o recente acordo associado “Brexit” a partir do início de 2021, os eventos políticos mais relevantes identificados apresentam-se atualmente com um risco associado menor. Deste modo, subsistem como maior foco de incerteza para o mercado de capitais, e também para o negócio da gestão de ativos, as dúvidas em torno da evolução da situação pandémica, sobretudo ao longo do 1º trimestre do próximo ano, do processo de vacinação à escala global e das evidências em torno da respetiva eficácia e da imunização de grupo. Assim, deverá ser objeto de monitorização a relação que se tem verificado entre a mobilidade, o surgimento de novos casos de COVID-19 e o comportamento dos indicadores económicos. A possível quebra da referida relação constituirá um reflexo da eficácia da vacina ou do decréscimo do grau de contágio do próprio vírus.

Por outro lado, assume também particular relevância o eventual retomar de confinamentos generalizados que impactarão negativamente a economia através do aumento da incerteza e da aversão ao risco por parte dos agentes económicos e financeiros. Tal poderá conduzir ao agravamento dos efeitos negativos e a uma crise mais duradoura, com consequências permanentes em termos de inviabilidade de empresas de determinados setores, de desemprego estrutural e de menor reação dos agentes a novos estímulos monetários e fiscais.

Recomendação para 2021

Tendo em conta o contexto descrito, as estratégias de investimento multiativos, adaptadas ao perfil de risco do investidor, apresentam-se como soluções adequadas, não só para o ano de 2021, mas também para um horizonte de médio e longo prazo. Estas proporcionam uma exposição diferenciada por classes de ativos, geografias e moedas, geradora de um efeito de diversificação associado aos comportamentos distintos que os vários mercados tipicamente demonstram. Ao mitigar a componente de risco específico, estas soluções apresentam um binómio de rendibilidade / volatilidade mais eficiente do que a generalidade dos investimentos mais concentrados num tipo de ativo ou mercado. Tal como perspetivado no ano transato, apesar da conjuntura atual bastante distinta, a expectativa reforçada pelas autoridades monetárias de permanência das taxas de juro diretoras em níveis nulos e negativos (como no caso da Área Euro) para além de 2021, deverá traduzir-se em retornos praticamente nulos das aplicações de risco mais baixo. Dado o cenário fundamental perspetivado, um investimento multiativos tenderá a propiciar rendibilidades mais atrativas do que as aplicações tradicionais em depósitos. Ademais, uma alocação plurianual a esta tipologia de investimento possibilita a exposição a diferentes fases do ciclo económico, a absorção de quedas de mercados, que normalmente acontecem em períodos mais curtos, e a obtenção de potenciais rendimentos e ganhos de capital com o decurso do tempo.

Em termos das referidas soluções, a Caixa Gestão de Ativos disponibiliza duas famílias de fundos mistos, os Fundos “Seleção Global” e os Fundos “PPR/OICVM”, com três níveis de exposição distintos às principais classes de ativos que refletem três diferentes perfis de risco. Neste âmbito constitui também uma solução de investimento o Fundo “Caixa Investimento Socialmente Responsável - Fundo de Investimento Mobiliário Aberto”, para um perfil de risco moderado, que representa uma filosofia com as mesmas características de multi-classe e que, adicionalmente, incorpora fatores de sustentabilidade ambiental, social e de governo - ESG (Environmental, Social and Governance). Estes princípios têm assumido uma crescente relevância nos últimos anos, com a comunidade de investidores global a proceder à sua incorporação, de forma cada vez mais significativa, nos processos de alocação e de seleção de ativos dos seus portfólios.

Complementarmente, de acordo com o perfil de cada investidor e o objetivo de otimização da relação rendibilidade potencial / risco do investimento, as alocações às famílias de fundos mistos podem ser balanceadas com uma exposição a veículos monoativos ou temáticos, também inclusos na oferta da Caixa Gestão de Ativos. Neste âmbito, os Fundos de obrigações com investimento diferenciado em dívida pública e privada, os Fundos de ações com alocação a geografias e setores distintos e os Fundos de classes alternativas como o imobiliário, as infraestruturas ou o private equity constituem soluções elegíveis.

Temas de investimento

Dado o caráter disruptivo dos acontecimentos de 2020, torna-se premente a seleção da informação mais assertiva sobre as consequências da crise epidemiológica, o desenvolvimento do processo vacinação e a eficácia do mesmo. Em concreto, dados sobre a evolução dos novos casos, das hospitalizações e da letalidade deverão constituir informação avançada e relevante para o contexto económico e mercados em cada momento perspetivado. De acordo com o supracitado, uma forma de se monitorizar a eficácia do combate à COVID-19 serão as evidências da relação entre a trajetória dos novos casos e a mobilidade.

(Podem ser obtidas informações adicionais sobre os Fundos aqui mencionados, tais como o prospeto e as informações fundamentais destinadas aos investidores, nos locais e meios de comercialização e no sítio de internet da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) www.cmvm.pt. Esta é a visão da Caixa Gestão de Ativos, SGOIC, S.A., que não deverá ser interpretada como uma recomendação de investimento. Para tal, seria necessário considerar objetivos de investimento, situações financeiras ou necessidades e circunstâncias específicas do investidor).