Luís Sancho (BBVA AM): "Parece-nos haver coerência nas revisões das estimativas de resultados das empresas"

Luis Sancho
Luís Sancho. Créditos: Vítor Duarte

TRIBUNA de Luís Sancho, gestor de carteiras do BBVA AM.

Todos tínhamos presente que o ano de 2022 se iria pautar pela inversão da política monetária por parte dos principais Bancos Centrais, contudo, o que não era expectável é que surgissem um conjunto de eventos que precipitaram uma intervenção mais musculada de aperto monetário. Estes eventos inevitavelmente conduziram a um primeiro semestre marcado por fortes correções dos principais ativos de risco.

O cenário

O almejado processo de reabertura económica, forçado por dois anos marcado pelas restrições impostas pelo controlo da pandemia, foi mitigado pelo eclodir do conflito na Ucrânia com consequências negativas sobres os níveis de crescimento económico.

As manifestações de domínios da esfera de influência, de algum modo, aceleram o processo de desglobalização. Muitos países privilegiam relações entre parceiros mais confiáveis e mais próximos em detrimento de um maior alinhamento a nível global.

Acresce que os desafios inerentes à sustentabilidade do planeta também têm as suas dores de crescimento que acarreta custos económicos e sociais que não deixarão de nos afetar.

Será possível evitar uma recessão económica nos principais blocos?

Nos EUA, acreditamos que o cenário de recessão será evitável nos próximos meses. Posto isto, não devemos descartar uma maior pressão sobre os consumidores norte-americanos, à medida que o mercado laboral comece a perder algum ímpeto e as poupanças comecem a diminuir, fruto da inflação que terá impacto no poder de compra das famílias. Neste contexto, uma diminuição da taxa de crescimento para níveis à volta de 2,5% ou 3% será o cenário provável.

Na Europa, apesar da resiliência apresentada pelos principais indicadores de atividade económica, os efeitos da guerra não deixarão de ter impacto. Este deve-se especialmente aos efeitos disruptivos no mercado energético e a problemas que persistem nas cadeias de abastecimento. Neste particular, a economia alemã não deixará de ser uma das mais impactadas, devido à elevada dependência energética do gás russo. Nas nossas análises o crescimento poderá moderar para níveis de 2,3%.

Na China, devido aos efeitos das fortes medidas de restrição à mobilidade impostos para combater os surtos de Covid-19 e admitindo que as leituras do crescimento económico referentes ao 2º trimestre poderão ficar bastante abaixo do projetado, é expectável um esforço das autoridades chinesas para ajudar a reativar a economia. Através da ajuda ao financiamento de projetos em infraestruturas e do apoio ao mercado hipotecário, com redução das taxas de juro e o corte de alguns impostos, o governo pode dar um novo fôlego à economia e permitir taxas de crescimento à volta de 4%, ou mesmo, 4,5%.

O mercado obrigacionista

O processo de normalização monetária, com o aparente fim do ciclo de taxas de juro negativas, teve o condão de devolver às obrigações de dívida soberana o seu papel diversificador no universo dos ativos de risco. Nos EUA, a possibilidade de usufruir taxas de juro reais positivas poderá fazer com que algumas partes da curva atraiam a atenção dos investidores, especialmente se os juros a 10 anos começarem a transacionar de um modo sustentado acima de 3,5%.

Na Europa o tema da fragmentação financeira obrigará a uma maior vigilância do BCE. Isto pode abrir oportunidades em períodos de maior alargamento dos diferencias da periferia, face à referência alemã.

Após a forte ampliação de spreads e a subida de juros experimentada, os ativos com risco creditício voltaram a recuperar o seu atrativo relativo, especialmente no segmento de investment grade que viu a sua rentabilidade esperada aumentar. Tomando como referência as taxas SWAP a 5 anos (para a Europa e EUA) e os atuais diferenciais para esta classe de ativos, contamos com uma rentabilidade à volta de 3,25% e 4,25% respetivamente.

Ações? Existem oportunidades

No espaço do mercado acionista, parece-nos haver alguma coerência nas revisões mais recentes em alta das estimativas de resultados das empresas. Será necessária uma maior discricionariedade nos ativos elegíveis. Acreditamos que o estilo valor, que historicamente costuma ter um melhor desempenho que o growth em ciclos de subidas de taxas de juro, poderá ter uma ligeira vantagem favorecendo setores como a energia e o financeiro. No entanto, o contexto de maior incerteza poderá levar a um apetite por negócios mais resilientes e potenciar uma maior procura pelo estilo quality. Destacamos a China. Este país parece-nos bastante atrativo em termos de valorizações e poderá tirar partido do novo impulso económico pós-covid 19.

Numa perspetiva mais estrutural, os desafios que se colocam à Europa na sua transição para uma economia mais sustentável, e simultaneamente mais independente de constrangimentos energéticos, poderá potenciar um ciclo de investimentos virtuoso na região.

Tal como no início do ano, e provavelmente pela perceção real da perda do poder de compra por parte das famílias, o problema maior poderá advir do aumento das desigualdades sociais. Este levará a mais episódios de contestação social promovendo, aqui e ali, o surgimento de políticas de caráter populista.