O colapso do NYCB: poderão os acontecimentos do banco afetar as entidades mais pequenas?

Paul Smillie. Columbria Threadneedle
Paul Smillie. Créditos: cedida (Columbria Threadneedle)

TRIBUNA de Paul Smillie, analista sénior de Crédito, da Columbria Threadneedle. Comentário patrocinado pela Columbia Threadneedle.

Dentro da nossa equipa mundial de analistas fundamentais, oito dedicam-se às instituições financeiras no âmbito das ações e das obrigações. Esta equipa de finanças reúne com regularidade para debater os grandes temas, e os acontecimentos do New York Community Bancorp (NYCB) fizeram-nos falar tanto desta empresa em concreto como das possíveis implicações em linhas mais gerais.

Enquanto grupo, consideramos que os problemas evidenciados pela crise bancária de 2023 não foram corretamente abordados. A Reserva Federal dos EUA interveio com um programa temporário de liquidez - Programa de Financiamento Bancário a Prazo (BTFP, na sua sigla em inglês) - em março de 2023, e pediu aos médios e grandes bancos que detivessem mais capital. No entanto, não foi tomada qualquer medida para regular os bancos mais pequenos ou para abordar diretamente as margens de liquidez. Por conseguinte, acreditamos que o sistema bancário encontra-se vulnerável às réplicas, uma vez que os bancos centrais prosseguem com o endurecimento quantitativo (QT, em inglês), uma ferramenta de política monetária que serve para reduzir o volume de dinheiro na economia.

O que está a acontecer no NYCB?

Em termos históricos, o NYCB foi um mutuante sobre bens imóveis comerciais na área metropolitana de Nova Iorque. No final de 2015, a OCC, uma dos principais reguladoras bancárias, emitiu uma declaração informando os bancos com elevadas concentrações de bens imóveis comerciais de que estes estariam sujeitos a normas e supervisão mais rigorosas. Isto aconteceu após um período de grande crescimento da classe de ativos em todo o setor, em que as autoridades reguladoras presenciaram um relaxamento dos termos e das condições como consequência da maior concorrência entre os mutuantes. A concentração de bens imóveis comerciais no NYCB era o dobro do nível aceite pela autoridade reguladora. A empresa tentou resolver o problema diversificando-se através de aquisições. A compra do Flagstar Bank em 2022 e dos ativos do Signature Bank pela Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC, em inglês) em 2023 fez aumentar os empréstimos comerciais e industriais, o que diluiu a concentração de bens imóveis comerciais. Em consequência, as aquisições duplicaram a dimensão do banco para 116.000 milhões de dólares no final de 2023.

No entanto, o facto de o limite de 100.000 milhões de dólares em ativos ter sido ultrapassado provocou outro problema com o qual a cúpula diretiva teve de lidar. O NYCB é atualmente uma instituição de Categoria IV aos olhos da Fed, o que traz consigo requisitos mais rigorosos em termos de capital e liquidez. As conversações entre os bancos e as suas principais autoridades reguladoras são quase sempre privadas, embora não seja descabido supor que a Fed tenha pedido ao NYCB que melhorasse a sua posição de capital e liquidez para se assemelhar mais a outros bancos de Categoria IV. A cúpula diretiva respondeu, comunicando o aumento da posição de liquidez do NYCB e das suas reservas para futuras perdas creditícias na carteira de empréstimos sobre bens imóveis comerciais. O custoso aumento de liquidez diminuiu a margem de juros líquidos, o que se traduziu num retrocesso do perfil de rentabilidade futura do banco, que rondou os 40%, enquanto o aumento das provisões fez o banco registar perdas durante o trimestre. Além disso, o banco cortou a sua distribuição trimestral em 70% com o objetivo de conservar capital, o que culminou na queda das ações.

E agora?

Ironicamente, o NYCB é atualmente um banco muito mais seguro do que era há três meses. Não obstante, a cúpula diretiva tem considerado adotar mais medidas com o objetivo de reforçar o balanço. O rácio de empréstimos/depósitos é demasiado elevado, situando-se em mais de 100%. Poderão tentar vender alguns dos empréstimos comerciais e industriais que acaba de comprar - carteiras de financiamento de equipas e empréstimos a concessionários podem ser opções -, mas não podem vender empréstimos sobre bens imóveis comerciais neste momento do ciclo. Porquê? Isto deve-se principalmente ao facto de os empréstimos serem vendidos a níveis mais baixos do que o que se reflete no balanço atualmente, pelo que tal teria um impacto negativo nos níveis de capital.

E um comprador?

Na nossa opinião, a probabilidade de surgir um comprador é quase nula. Muitos dos empréstimos do NYCB são garantidos por edifícios com rendas reguladas em Nova Iorque. Estes ativos não oferecem qualquer atrativo. Os mutuários estão a ser pressionados porque não podem aumentar as rendas para fazer subir os fluxos de liquidez. A isto soma-se ao facto de a legislação contabilística obrigar o comprador a adaptar toda a carteira de empréstimos adquirida ao valor do mercado, o que obriga a uma injeção de capital. Também não acreditamos que tentar aumentar o capital seja uma boa opção, visto que pode agravar mais os problemas em vez de os resolver. Tudo isto deixa-os numa situação complicada.

Como voltámos a chegar a este ponto?

Do nosso ponto de vista, a responsabilidade recai sobre a cúpula diretiva, as autoridades reguladoras e os políticos: Vejamos por partes:

Cúpula diretiva: o NYCB apresentava uma enorme concentração de bens imóveis comerciais com frágeis posições de liquidez e capital, enquanto a dimensão do banco duplicava no período de dois anos com aquisições paralelas (back-to-back). Torna-se muito difícil manter uma gestão de risco disciplinada quando isto acontece. A história oferece-nos inúmeros exemplos, mas o que nos vem à mente é a situação dos bancos irlandeses no início dos anos 2000, que não acabou bem.

Autoridades reguladoras: acreditamos que as autoridades reguladoras têm uma grande responsabilidade nesta situação. A Corporação Federal de Seguro de Depósitos vendeu ao NYCB a grande carteira de empréstimos procedentes da quebra do Signature Bank. Esta venda implicou que o NYCB fosse submetido a uma normativa mais rigorosa para a qual a empresa não estava preparada. A venda obrigou a entidade bancária a adotar medidas drásticas para cumprir a nova normativa, o que desencadeou a crise. Será que a FDIC antecipou esta série de acontecimentos e prosseguiu à mesma com a venda, ou também ficou surpreendida com a situação?

Políticos: os bancos de menor dimensão (que contam com menos de 100.000 milhões de dólares em ativos) estão submetidos a uma normativa muito permissiva em comparação com os seus homólogos de maior dimensão. Estes bancos costumam operar a uma escala mais local, e as suas comunidades confiam neles como uma alternativa aos operadores nacionais de maior magnitude. Esta concentração geográfica neutraliza a diversidade económica do banco de pequena dimensão. No entanto, o risco de operar a uma escala local vem acompanhado por um importante aliado: o político local. Parece que cada nova normativa, mais estrita, inclui uma exceção para estes pequenos bancos. O seu representante aponta que a comunidade precisa deles para concederem empréstimos quando os grandes bancos os recusam. E, como se argumenta, o custo do cumprimento irá supor um peso para o banco pequeno, visto que irá precisar de sistemas complexos de gestão de riscos. Tudo isto pode ser verdade, mas implica que os bancos com maior risco e maior concentração estão a ser geridos de acordo com uma normativa permissiva e com nefastos sistemas de gestão de riscos. Os políticos querem que os seus bancos locais sejam regidos por uma normativa menos rigorosa, e, quando o banco local cresce demasiado (como aconteceu com o NYCB), as suas debilidades são expostas, o que traz consequências terríveis.

Vejamos alguns números

Os quatro grandes bancos americanos têm uma margem de mais de 200 pontos base, em média, de acordo com os requisitos mínimos de capital excessivamente regulados (gold plated). No caso dos grandes bancos europeus, falamos de 400 pontos base acima de requisitos menos onerosos. Se aplicarmos a mesma normativa aos pequenos e médios bancos dos EUA que cobrimos, o dígito situa-se abaixo de 50 pontos base, e algumas entidades ficam abaixo do mínimo exigido. Da mesma forma, os quatro grandes bancos dos EUA apresentam balanços de liquidez equivalentes a 20% dos depósitos em média, enquanto este dado ronda os 10% na maior parte dos bancos do país, em que alguns chegam mesmo a ter 5% ou menos.

E na Europa?

O Credit Suisse foi a peça de dominó afetada pelo que aconteceu com o Silicon Valley Bank. Poderão os problemas do BNYCB propagar-se pela Europa? É muito possível. Os grandes bancos europeus, da mesma forma que os seus homólogos americanos, apresentam uma boa capitalização e uma reduzida exposição aos bens imóveis comerciais. No entanto, um punhado de mutuantes regionais alemães apresenta mais exposição ao segmento de empréstimos a escritórios dos EUA do que muitos bancos americanos. Se de um dia para o outro colocarmos as provisões nos níveis dos grandes bancos americanos - como fez o NYCB -, estes bancos ficarão próximos dos níveis mínimos de capital. Prevemos alguns meses incómodos no futuro.

Não podemos simplesmente deixar que o capitalismo atue e que os bancos pequenos quebrem?

Um argumento contra a regulamentação dos bancos de menor dimensão é o facto de serem suficientemente pequenos para quebrar sem causar problemas sistémicos. O problema reside no facto de que, se vários pequenos bancos tiverem problemas de liquidez ao mesmo tempo, o crédito começa a ser restringido, e tudo começa a tornar-se um pouco sistémico. Os empréstimos dos pequenos bancos são importantes para a economia dos EUA: cerca de dois terços de todos os empréstimos bancários para bens imobiliários comerciais são cedidos através de bancos pequenos.

A isto acrescenta-se o facto de estarmos a entrar numa época incerta para a liquidez bancária, visto que o QT se mantém. A expansão quantitativa (QE, em inglês) supôs uma injeção de cerca de 10 biliões de dólares nos sistemas dos EUA, do Reino Unido e da zona euro durante uma década, uma quantidade equivalente a 25% dos depósitos do setor bancário9. Os bancos centrais demoram aproximadamente um ano a retirar essa liquidez. Até à data, não se registaram solavancos no processo, e os EUA estão bastante adiantados, embora nos mantenhamos atentos ao que acontecerá este ano.


1 A referência a ações ou obrigações específicas não deve ser interpretada como recomendação de negociação

2 The Office of the Comptroller of the Currency (OCC) Real Estate Lending: Interagency Statement on Prudent Risk Management for Commercial Real Estate Lending, dezembro de 2015

3 New York Community Bancorp, relatório da empresa de 2023

4 Reserva Federal, Requirements for Domestic and Foreign Banking Organizations, outubro de 2020

5 Bloomberg, fevereiro de 2024

6 New York Community Bancorp, relatório da empresa de 2023

7 New York Community Bancorp, relatório da empresa de 2023

8 SNL, Fed Flow of Funds, Autonomous. Abril de 2023

9 Bancos centrais nacionais