João Paulo Caldeira da Silva, do novobanco, apresenta as suas perspetivas para 2024, cujo tema central é o da continuação do atual movimento de queda da inflação.
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COLABORAÇÃO de João Paulo Caldeira da Silva, do departamento de Desenvolvimento e Marketing do novobanco.
Never make forecasts, especially about the future. Esta famosa advertência, que, de acordo com uma pesquisa na internet, terá a sua origem num ditado popular dinamarquês, é uma introdução estranha e, até mesmo, contraditória para um artigo intitulado Perspetivas para 2024, mas é propositada. De facto, consideramos ser importante esclarecer algum possível leitor, que não seja um investidor profissional, de que este artigo, tal como o seu título indica, pretende descrever as nossas perspetivas, ou opiniões fundamentadas, para a economia e mercados financeiros ao longo de 2024 e não realizar previsões. Para além de responder ao amável convite da FundsPeople, a lógica subjacente à compilação de perspetivas assenta nas regras fundamentais para o investimento de clientes particulares, como sejam a perspetiva de longo prazo e a diversificação. Este artigo tem, pois, como finalidade apresentar e justificar a nossa opinião sobre quais as classes de ativos que se apresentam como mais bem posicionadas para 2024, em termos do seu rácio de risco/retorno.
2023: da recessão mais aguardada de sempre para a mais atrasada de sempre
2023, que, verdade seja dita, ainda não terminou (nota: este artigo foi redigido na 2ª semana de dezembro) tem sido um excelente exemplo de como os mercados financeiros se podem comportar de uma forma radicalmente diferente do esperado. À entrada de 2023, o consenso generalizado, para não dizer unânime, entre economistas e investidores era de que a mais ampla e rápida subida das taxas de juro de referência da última década dificilmente deixaria de provocar uma recessão nas economias desenvolvidas. A realidade foi bem distinta, com os EUA a demonstrarem uma invejável robustez ao nível do crescimento económico e a Europa a sofrer uma quebra de atividade quase impercetível a olho nu. A outra grande surpresa a nível macroeconómico e de sentido inverso, foi a deceção em relação à recuperação aguardada para a economia chinesa.
Neste contexto, em que o crescimento económico surpreendeu pela positiva e foi adiando o fim do ciclo económico, os mercados acionistas obtiveram um desempenho positivo, com os mercados desenvolvidos a superiorizarem-se nitidamente aos mercados emergentes.
O reverso da medalha de uma economia norte-americana, bem mais robusta do que o esperado, foi o constante adiar das previsões relativas ao fim do ciclo de subida das taxas, algo que provocou uma subida constante das taxas de mercado (yields), que, por sua vez, foi prejudicando de forma crescente o desempenho da dívida pública dos EUA. Esta tendência de subida das yields inverteu-se em novembro após a divulgação de dados favoráveis em relação à inflação, algo que, a manter-se, poderá permitir à dívida governamental dos EUA escapar a um terceiro ano consecutivo de perdas, algo que não tem precedente histórico. As restantes categorias de dívida que acompanhamos encaminham-se para um ano positivo. A dívida governamental da zona euro sofreu uma subida de yields menos pronunciada do que nos EUA, no que diz respeito à dívida core, e inclui setores de spread como a dívida periférica, que, tomando como exemplo a dívida pública italiana (a 7 de dezembro de 2023 apresentava uma rendibilidade total de cerca de 12%), teve um desempenho muito interessante. As obrigações corporativas, tanto de investment grade como de high yield beneficiaram de spreads bem comportados depois de passado o susto da crise financeira de março. Finalmente, a dívida dos mercados emergentes tirou partido do facto de vários países já se encontrarem num ciclo de descida de taxas e de um dólar americano menos forte.
Perspetivas económicas: a transição de Higher for Longer! para Higher for how much Longer?
O tema central das nossas perspetivas macroeconómicas para 2024 é o da continuação do atual movimento de queda da inflação, que permitirá aos bancos centrais (Reserva Federal, Banco Central Europeu e Banco de Inglaterra) iniciar o movimento de redução das suas taxas de juro de referência. Esta é, também, a visão generalizada dos investidores, que se traduz numa alteração da interpretação do discurso, ainda, prevalecente dos bancos centrais de higher for longer! para higher for much longer?. E é precisamente neste pormenor, que as opiniões, naturalmente, se dividem. A visão mais otimista é a de que o ciclo de descida das taxas se vai iniciar no 1º trimestre de 2024, com o BCE a tomar a dianteira sobre a Reserva Federal, visão com a qual discordamos. De facto, perspetivamos os primeiros cortes para o verão, ou seja, algures entre o final do 2º trimestre e o início do 3º trimestre, com a Reserva Federal a ser a primeira a tomar a iniciativa. As razões que nos levam a ter esta perspetiva mais cautelosa prende-se com o facto de a queda mais rápida do que o esperado nas taxas de inflação se deveu muito a efeitos de base favoráveis, ligados aos preços da energia. Este contributo favorável deverá esbater-se nos próximos meses, o que fará com que a inflação continue em queda, mas de uma forma mais lenta. No caso concreto do BCE agir mais tarde do que a Reserva Federal, o nosso raciocínio assenta na combinação de uma subida de salários em conjunto com a desaceleração ou queda da produtividade que determinam uma subida dos custos unitários do trabalho (ou custos do trabalho por unidade produzida), que, por sua vez, deverá pressionar em alta a inflação.
Esta trajetória descendente da inflação permite-nos antever que já atingimos o fim do ciclo de subida das taxas, o que significa, que o abrandamento da economia necessário para combater a inflação não vai ser de molde a provocar uma recessão, nem profunda, nem duradoura. Se, por um lado, não descartamos a possibilidade de vir a ocorrer uma recessão nos EUA, sobretudo porque, a nosso ver, ainda não se fizeram sentir nessa economia todos os efeitos da política monetária restritiva da Reserva Federal, por outro lado, acreditamos que a acontecer esta será, tal como estará atualmente a acontecer na zona euro, bastante branda.
Para terminar, no que respeita à China, o nosso cenário central é de que a mesma vai continuar a desiludir em termos de crescimento (desiludir no sentido de não regressarmos às taxas de crescimento das últimas décadas). No entanto, dado que o nível de pessimismo em relação à economia chinesa é bastante alto, não seria de descartar uma surpresa positiva.
O principal risco deste cenário macroeconómico prende-se com a possibilidade de os bancos centrais serem demasiado restritivos, ou seja, manterem as taxas ao nível atual por demasiado tempo, o que poderia vir a precipitar uma recessão bem mais prolongada e profunda do que previsto.
Em termos de riscos políticos mais mensuráveis, 2024 vai ter um calendário eleitoral bastante preenchido, com destaque para as eleições para o Parlamento Europeu e a eleição presidencial nos EUA. Sobre a União Europeia paira o espectro de ganhos eleitorais importantes por parte de partidos de pendor eurocético. Nos EUA, o risco de curto prazo deriva de um possível encerramento do governo federal, enquanto a médio prazo existem receios em relação à volatilidade que o ciclo eleitoral pode causar.
Perspetivas para o mercado acionista: S&P 500 a caminho dos 5.000 pontos?
O final de cada ano é época de previsões e, para o índice mais observado, o S&P 500, as previsões das casas de investimento variam entre os 5.200 pontos da Oppenheimer e da Fundstrat e os 4.200 pontos da JP Morgan. Assumindo um valor de fecho intermédio de 5.000 pontos (preconizado pelo RBC e pelo Bank of America), teríamos um resultado positivo de cerca de 8% tendo por base o valor de fecho de 11 de dezembro de 2023. Este nível de rendibilidade, que é bastante satisfatório, sobretudo tendo em conta que acumularia com os cerca de 20% de valorização que o S&P 500 acumula desde o início de 2023, reflete corretamente a nossa perspetiva para o mercado acionista global: cremos que o ambiente vai ser conducente a rendibilidades positivas, mas claramente menos exuberantes do que os +18,2% que o índice global MSCI ACWI acumulava a 8 de dezembro de 2023. A grande razão de ser deste nosso otimismo moderado resulta do nosso cenário central de que os bancos centrais vão conseguir trazer a inflação de volta aos 2% sem causarem danos de maior no crescimento económico, permitindo perspetivar os primeiros cortes de taxas para meados de 2024. Dito isto, julgamos ser importante ter em mente o seguinte aspeto em relação a descidas da taxa de juro nos EUA, fator que sustenta boa parte do otimismo dos investidores em relação ao prolongamento, ao longo de 2024, do excelente desempenho das ações norte-americanas. A nosso ver, o fator crucial não vai ser o “quando”, mas sim o porquê dos cortes nas taxas de juro. Caso estes venham a ocorrer em função de uma rápida (e mais profunda do que a esperada) deterioração da economia, tais cortes não serão um sinal positivo para os mercados acionistas.
Conseguimos ainda identificar mais dois fatores de suporte para as ações. O primeiro tem que ver com aquele que é considerado como o indicador mais preciso de rendibilidades futuras, que é a valorização de partida. Medindo esta valorização pelo rácio de Price/Earnings, verificamos que, a 11 de dezembro de 2023, o único mercado sobrevalorizado é o dos EUA, sendo que este valor ligeiramente abaixo de 20 está distorcido pelo desempenho excecional dos títulos conhecidos como Magnificent Seven. Para as restantes regiões, o rácio P/E está abaixo da sua média histórica (medida desde 1990), sendo que o Reino Unido e a China estão particularmente atrativos. O segundo aspeto tem a ver com a previsão para o crescimento dos resultados das empresas, para o qual se espera que seja não só positivo, como uma clara recuperação face a 2023, tanto nos mercados desenvolvidos, como nos mercados emergentes. Uma nota de cautela para o facto de estas previsões iniciais serem, tradicionalmente, demasiado otimistas. Neste caso concreto, temos a previsão para as ações dos EUA, que refletem uma certeza de que não haverá uma recessão, algo que consideramos ser demasiado otimista.
Um outro aspeto que consideramos que vai influenciar o comportamento do mercado acionista como um todo tem a ver com a atenuação de certas contradições históricas que ocorreram ao longo de 2023, como sejam a subida das taxas de juro prejudicarem o setor financeiro e não o tecnológico, ou as correções de mercado penalizarem os setores defensivos. Isto significa que, para 2024, seja lícito esperar um atenuar do fosso atual entre, por exemplo, o desempenho das ações de pequena capitalização face às de grande capitalização, do estilo value face ao estilo growth, das ações dos mercados emergentes face às dos mercados desenvolvidos, ou, até, do S&P 493 face ao S&P Magnificent Seven.
Perspetivas para o mercado obrigacionista: as Treasuries juntam-se à festa?
À entrada de 2023, a opinião consensual era de que estavam criadas as condições para que a classe de obrigações pudesse oferecer desempenhos bastante interessantes aos investidores, o que se veio a verificar. Olhando para os dados de 7 de dezembro de 2023, a rendibilidade total gerada por esta classe oscilava no intervalo entre os 5% da obrigação governamental alemã a 10 anos e da dívida de investment grade e os mais de 10% da dívida de high yield e da obrigação governamental italiana a 10 anos, sem esquecer os cerca de 8% gerados pela dívida de mercados emergentes emitida em moeda forte. A grande ausente desta festa foi a dívida governamental dos EUA, que, apenas graças a uma forte recuperação em novembro, não ultrapassava, a de 7 de dezembro, uns meros 2% (para a obrigação a 10 anos). Este fraco desempenho relativo foi o reverso da medalha de uma economia norte-americana, que surpreendeu, e de que maneira, pela positiva, o que fez com que a Reserva Federal se visse obrigada a subir a taxa diretora para além do que era esperado, o que, por sua vez, levou os investidores a conduzirem as taxas de juro implícitas para máximos de décadas, tendo a taxa implícita (yield) a 10 anos chegado a cotar acima dos 5%. Esta caminhada ascendente das yields inverteu-se, finalmente, em novembro, após a divulgação de dados encorajadores para a inflação nos EUA, que passou a permitir perspetivar, para o imediato, o fim do ciclo de subida da taxa de referência e, para 2024, o início do ciclo de descida da mesma.
Partindo do pressuposto, que também se aplica às obrigações, de que a valorização de partida é o elemento mais importante para determinar a rendibilidade futura, a nossa perspetiva para 2024 é a de que a classe de obrigações se apresenta como a mais atrativa. De facto, o nível atual das yields, desde os mais de 2% da dívida alemã a 10anos, aos 9% da dívida de high yield, proporciona, não só um rendimento fixo bastante atrativo, não só em termos absolutos, como relativos (em comparação com a taxa de dividendos proporcionada pelas ações), como também uma almofada que permite absorver com algum conforto, eventuais movimentos de subida das yields.
As valorizações de partida ao nível dos diferenciais de crédito (spreads) também são encorajadoras. Sendo certo que não estão baratas, tendo em conta o alargamento que se pode esperar, sobretudo na dívida de menor qualidade, à medida que a economia global desacelera, a verdade é que estão longe de estar caras (a 8 de dezembro de 2023, os diferenciais do investment grade, do high yield e da dívida de mercados emergentes cotavam perto do nível médio dos últimos 10 anos). Como o nosso cenário central assenta na ocorrência, no pior dos casos, de uma recessão insípida nos EUA e na Europa, e como a dívida de high yield apenas se verá confrontada com uma vaga de refinanciamento em 2025, acreditamos que qualquer movimento de alargamento de spreads será contido, podendo, no melhor dos casos, ocorrer apenas como consequência de um movimento de descida das yields das obrigações governamentais.
O outro fator de otimismo em relação às obrigações prende-se, naturalmente, com o forte potencial de valorização, ao nível das cotações, derivado da esperada descida das taxas de referência e das yields. Neste aspeto, a comparação é particularmente favorável em relação às ações, uma vez que as obrigações irão beneficiar com qualquer descida de taxas, ao contrário do que poderá suceder com o mercado acionista, no caso do corte de taxas por parte dos bancos centrais se verificar em reação, desesperada ou tardia, a um claro arrefecimento da economia.
Dentro da nossa visão claramente otimista para esta classe de ativos, e num ambiente de estabilização, seguido de descida de taxas (descida essa, que já é uma realidade em algumas economias emergentes) damos preferência às obrigações de qualidade, ou seja, às obrigações governamentais dos EUA e alemã e à dívida de investment grade.