No seu habitual artigo de opinião, Carlos Bastardo comenta os altos e baixos do mercado nos últimos anos e os riscos que devemos manter debaixo de olho atualmente.
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COLABORAÇÃO de Carlos Bastardo.
Quando andei a estudar no ISEG (1981/1985) já me interessava pelo mercado financeiro. A bolsa portuguesa na altura tinha poucas ações, uma vez que ainda perduravam as nacionalizações de 1975 sobre as grandes empresas. Só em 1989 começaram as privatizações, sendo a primeira a Unicer e a segunda o Banco Totta & Açores, seguindo-se muitas outras. O meu interesse foi crescendo até que em 1990 depois de ter passado pelas auditorias (externa e interna) e pelo capital de risco, cheguei à área da gestão de ativos financeiros, onde permaneci cerca de 25 anos.
E neste longo período passei por crises financeiras, sendo as mais impactantes a de 2000/2001 (bolha tecnológica e crise de crédito das empresas não financeiras) e a de 2008 (crise de crédito e financeira). Assisti a vários ciclos de subida e de descida das taxas de juro. Vivi períodos de forte inflação: sabem por exemplo que a inflação em Portugal em 1984 foi de 28,5% e em 1985 de 19,5%? Exatamente.
Os mercados financeiros também tiveram altos e baixos, mas houve uma constante neste longo período: os fatores de risco foram sempre indicadores avançados do que poderia acontecer. E por isso, são tão importantes de serem monitorizados, quer se trate de investimento em ativos financeiros ou em ativos reais.
Outra questão importante, é que o investimento em ativos financeiros deve ter sempre um horizonte temporal de médio/longo prazo e o investidor deve ter sempre uma base monetária que cubra com alguma margem de segurança as suas despesas correntes e previstas. Este e outros assuntos como as questões do perfil de risco são abordadas com detalhe no meu livro Gestão de Ativos Financeiros.
Mas voltemos aos fatores de risco e principalmente na atualidade, pois são estes que poderão definir as expetativas de rendibilidade nos próximos tempos.
A pandemia provocou problemas nos circuitos de produção e de abastecimento de bens e serviços. Quando estávamos praticamente a normalizar esses circuitos, embora já com efeitos na subida da inflação, iniciou-se a guerra desencadeada pela Rússia, cujo efeito imediato foi a subida significativa dos custos energéticos que afetaram tudo o resto e a inflação subiu rapidamente.
Os bancos centrais consideraram numa fase inicial e erradamente que a subida da inflação seria temporária e demoraram a reagir. Quando reagiram foi com retroativos, ou seja, assistimos a uma subida rápida e significativa das taxas de juro. Em abril de 2022 tínhamos a Euribor a 12 meses negativa e hoje está acima dos 4,2%.
Portanto, temos aqui um primeiro fator de risco. O custo do capital aumentou, os encargos financeiros das empresas estão a aumentar o que aumenta o nível de stress das empresas com mais dívida financeira. O risco financeiro aumenta e como consequência, o custo de oportunidade do capital (WACC), isto é, a taxa com que os investidores irão descontar para o momento zero os lucros, os dividendos ou os cash flows da empresa sobe e com isso o valor é penalizado.
As empresas ao emitirem dívida financeira (titulada ou não) vão pagar mais, pois além da subida da Euribor ou do valor da taxa de juro fixa, há também a questão do spread de risco de crédito que também sobe nestas ocasiões.
Nos últimos dois meses o preço do petróleo voltou a subir, o que não é positivo para a descida da inflação. E esta situação dá força aos bancos centrais para não pararem a subida das taxas de juro. Em setembro, o BCE aumentou a Refi Rate de 4,25% para 4,5% e a Fed manteve a Fed Funds, mas avisou que poderá voltar a subir.
Outro fator de risco é a falta de mão de obra em alguns países europeus, incluindo Portugal. A nível global, os últimos anos foram caraterizados por uma subida dos lucros muito superior ao crescimento dos salários. Com a falta de mão de obra existente, as empresas com melhor situação financeira têm mais condições para oferecer melhores salários, pelo que, as empresas em pior situação financeira ou que estejam localizadas em países com um salário médio mais reduzido, poderão ter mais dificuldades em contratar de forma competitiva.
Ainda relacionado com a questão da mão de obra, a guerra desencadeada pela Rússia, está a ter outras consequências a nível económico e empresarial no mundo. Assistimos a uma espécie de “guerra fria” empresarial / económica crescente. A globalização trouxe a deslocalização de fábricas de alguns setores (automóvel, indústria farmacêutica, tecnologia…) dos países ocidentais para outras regiões e principalmente para a China, país que já viveu melhores dias e que enfrenta hoje problemas económicos que o governo chinês tem tentado a todo o custo minimizar.
O que estamos a assistir é em alguns casos o regresso da produção ao país de origem, o que irá motivar necessidades acrescidas de mão de obra na Europa e nos EUA e, com isso, uma provável subida dos custos salariais que terá impacto nos lucros empresariais.
Outro fator de risco a ter de ser monitorizado é a dívida dos Estados. A pandemia obrigou os governos a políticas orçamentais expansivas. Com as taxas de juro reduzidas durante demasiado tempo, isso também ajudou a criar inflação. Os bancos centrais reagiram subindo rapidamente as taxas de juro. A subida das taxas de juro pela sua amplitude e rapidez, estão a ter gradualmente impacto económico (já visível). Economias que poderão crescer menos, dívidas em valor absoluto que aumentaram e encargos financeiros da dívida a subirem.
Finalmente, a evolução tecnológica. Esta não é exclusiva do mundo ocidental nos dias de hoje. Em algumas áreas, a China graças às fábricas ocidentais que se instalaram no país e à sua aposta em competir com os EUA e com a Europa, apresenta-se como um player cada vez mais importante, o que irá obrigar os países ocidentais a reagir. A disputa por novas tecnologias e principalmente pela inteligência artificial será crescente nos próximos anos.
O quadro é desafiador e vai obrigar analistas financeiros e investidores a uma constante monitorização destes (e de outros) fatores de risco, quando avaliam, aconselham gerem e vendem produtos baseados em ativos financeiros e em ativos reais.