Um ECMS mais verde

Samuel Cavaco. Créditos: Cedida (ITIC)

TRIBUNA de Samuel Cavaco, responsável pelo departamento de Gestão de Ativos do ITIC – ISCTE Trading & Investment Club.

A tendência de movimentos relacionados com a temática ESG tem vindo a propagar-se muito rapidamente nos mercados financeiros, sendo agora a vez do Eurosystem Collateral Management system (ECMS). 

O que é o ECMS?

O ECMS é uma das ferramentas menos conhecidas do BCE, atraindo muito pouca atenção dos media. Este sistema assegura a segurança financeira do banco central quando as instituições financeiras entram em incumprimento. As operações principais de refinanciamento (MRO) e as operações de refinanciamento de longo prazo (LTRO) são as principais operações que recorrem a este mecanismo.

Este sistema de gestão de risco foi posto em causa por não promover uma transição para economias mais verdes, sendo favorável a indústrias intensivas em carbono. No entanto, torná-lo verde tem implicações que não podem ser ignoradas e que podem pôr em risco a estabilidade financeira do banco central. 

Como o ECMS beneficia certas empresas ou governos?

Para compreender como o BCE beneficia algumas instituições temos de analisar o funcionamento deste sistema, e os dois fatores-chave são: capital allocation e haircuts. De forma simplificada, o BCE seleciona diariamente quais os ativos que aceita como garantia, maioritariamente obrigações, e para cada ativo define um corte a aplicar ao valor de mercado do ativo, baseada no risco de crédito, cupão, volatilidade, liquidez, tempo até ao vencimento, entre outros. Este corte, também conhecido como haircut, é um instrumento de gestão de risco do BCE. Ao aplicar um corte ao valor dos ativos conforme o seu nível de risco, o BCE assegura que em caso de incumprimento consegue limitar as suas perdas. Para recorrem a empréstimos do BCE, os bancos devem adquirir ativos elegíveis. Este sistema beneficia enormemente estes ativos, sendo provado que as empresas e países cujas obrigações passam a ser elegíveis beneficiam de melhores condições de financiamento. Esta melhoria é justificada pela alocação de capital realizada pelos bancos e por investidores privados que compreendem a significância que a elegibilidade do ativo tem no seu valor e tentam capitalizar sobre essas posições, o aumento da procura valoriza os ativos e por usa vez diminui as yields. 

Como está o ESG envolvido neste sistema e como podemos alterá-lo?

Os atuais ativos elegíveis incluem várias indústrias poluentes, e se tivermos em consideração os efeitos da sua inclusão no sistema, podemos afirmar que o BCE está ativamente a melhorar as condições financeiras destas indústrias. 

Agentes que defendem que o ECMS deve ser mais verde, defendem a adaptação dos haircuts com base na classificação ESG dos ativos. Isto significa que para ativos com o mesmo nível de risco, ativos verdes teriam haircuts menores. Os modelos criados para esta adaptação asseguram que, após as adaptações, a quantidade de dinheiro que pode ser emprestada é aproximadamente a mesma.  Tal significa que se os bancos realocarem as suas carteiras, podem aceder à mesma quantidade de dinheiro e, ao mesmo tempo, beneficiam as condições financiamento de empresas com uma boa classificação ESG. O que estes não conseguem igualar é a quantidade de risco que as instituições têm de incorrer para se financiarem na mesma quantia de dinheiro

Olhando para os critérios que definem os haircuts apenas o risco de crédito pode ser alvo de alguma subjetividade. Assim, existem apenas dois cenários relativamente à solução anterior, ou o BCE está a incorrer em riscos mais elevados indo contra tudo o que um processo de gestão de risco deve fazer, ou a avaliação do risco de crédito feita sobre estas ativos está errada. Este último ponto foi utilizado por vários Defensores da adaptação do sistema, mas se este for o caso, então estão concentrados no agente errado. Se green bonds são mais seguros do que bonds tradicionais, então a notação de crédito deveria ser melhor, e o ECMS beneficiaria estes ativos, resolvendo toda esta problemática. 

A solução 

Em conclusão, o argumento de que o ECMS deveria beneficiar ativos com um bom ESG rating está fundamentalmente errada. Ao utilizar tais critérios, os resultados seriam tendenciosos e levariam a instituição a envolver-se em riscos mais elevados, colocando o BCE em perigo quando ocorrem recessões, e os incumprimentos tendem a aumentar. 

A questão não se deveria centrar na pertinência do BCE ter um papel ativo na transição climática, mas sim em como atua nesta transição. O ECMS é um sistema de gestão de risco e não de alocação de capital. Se é verdade que as green bonds são mais seguras, então o problema não reside no BCE, mas sim nas agências de rating. Se houver uma solução, esta deve residir na forma como as agências avaliam o risco e não na forma como o BCE aplica haircuts aos ativos elegíveis.