No mundo da gestão profissional de fundos e carteiras, a conjuntura económica que se iniciou em 2023 trouxe consigo o regresso das obrigações - e títulos de rendimento fixo em geral - com yields positivas e cupões interessantes. Uma peça que passou uma década a encaixar mal no puzzle da gestão de carteiras, cumpre novamente o seu papel diversificador e gerador de rendimentos. No entanto, nada disto quer dizer que o papel dos gestores ficou mais fácil. O mundo do rendimento fixo continua complexo e desafiante, e a duration vai-se alongando nas carteiras, mas com muita cautela. Isto ficou muito evidente, numa discussão recente em que Ramón Carrasco, da Carmignac, Ricardo Duarte Silva, da CA Gest, João Zorro da GNB Gestão de Ativos e Joel Carvalheira, da Caixa Gestão de Ativos, partilharam a sua opinião e experiência.
Os gestores adicionam duração, mas com cautela
“Nós gerimos os nossos portefólios em relação ao benchmark, pelo que a duration é encarada de uma forma relativa. Vemos os 100% como uma posição neutra, os 80% como underweight e os 120% como overweight. Estamos mais perto dos 120% agora”, introduz o especialista.
No entanto, apesar de pender para uma maior sensibilidade às taxas de juro, Joel Carvalheira acredita que ainda existem riscos que pairam sobre os mercados no que diz respeito à inflação. “O Banco Central Europeu continua a focar a retórica na inflação, mas é preciso ter em consideração os efeitos desfasados da atual política monetária. Em algum ponto terão que olhar para o enfraquecimento da economia, com a Alemanha a revelar-se o paciente mais doente atualmente, e o mercado vai ter que refletir no preço alguns cortes nas taxas de juro. Não obstante, o mercado evolui e é muito dinâmico. Apenas há seis meses, os mercados refletiam cortes nas taxas nos Estados Unidos para setembro”, lembra.
Já no que diz respeito aos prazos mais longos da curva, Joel Carvalheira relembra o quão mais arriscados e sensíveis às expetativas de movimentos das taxas de juro são. No entanto, “depois das yields terem subido nas últimas semanas, vemos algum valor, pelo menos nos países mais core. Os 3% nos 30 anos da Alemanha são atrativos pelos padrões da última década. Nesta perspetiva, acreditamos que uma reverão para a média é uma possibilidade e isso pode representar uma boa oportunidade”, detalha.
1/4“Nós, basicamente, olhamos para dois mercados, o dos Estados Unidos e o europeu, e temos estado focados no curto-prazo e em carry. Não temos ido além dos três anos. O muito longo prazo das curvas não nos interessa pela simples razão de que, com uma curva invertida, estamos a assumir mais risco de crédito por menores yields”, expõe João Zorro.
O profissional revela que, na GNB GA, preferem adicionar crédito de curto-prazo, para adicionar yield, e ir rolando as emissões. “Tentamos ter a maior almofada possível”, diz. Por outro lado, as apostas em duration são feitas em dívida pública norte-americana. Para o especialista, as taxas mais elevadas representam um maior risco de recessão, mas a verdade é que uma recessão não é algo que esteja a acontecer. Isto causou pressão nas yields em subida, e a estratégia de João Zorro e da equipa é aproveitar para adicionar duração. “Nos 4% a 10 anos adicionámos, e outra vez nos 4,5% e 4,75%. Em simultâneo, vendemos calls que compensam a queda dos preços. Como o ponto de partida da duração é muito baixo, temos margem para ir adicionando e manter o carry o mais elevado possível. Podemos sofrer em preço no curto-prazo, mas estou confiante que como estratégia a médio prazo, vai funcionar”, explica.
Já nas componentes mais arriscadas nos segmentos de rendimento fixo, João Zorro revela que as carteiras multiativos já incluem outros ativos de risco, não procuram adicionar muito mais por esta via. “No entanto, vejo valor nas híbridas financeiras a pagar 8 ou 9%, nas híbridas corporativas a 6,5% ou high yield acima de 5%”, revela.
2/4“Alguns dos portefólios que gerimos não nos dão margem para sermos flexíveis em termos de duração, mas naqueles que dão, temos estado posicionados de forma mais construtiva nessa métrica”, diz Ricardo Duarte Silva. Mais concretamente, o profissional da CA Gest revela que se posicionam entre 120 e 130% da duração dos benchmarks nas carteiras em que têm mais flexibilidade, principalmente nos fundos de pensões.
Segundo explica o profissional, é um posicionamento com o qual já haviam começado o ano, “um pouco antes do tempo”, nas suas palavras, considerando que o mercado continua a estabilizar. “Vemos as taxas ainda a subir, mas estamos convictos de que os bancos centrais estão a chegar ao final do ciclo de subidas”, explica. Para Ricardo Duarte Silva, os conceitos de “mais elevado por mais tempo” e de “soft landing” andam de mãos dadas e têm ajudado a impulsionar os movimentos que temos visto nos mercados, nomeadamente a reinclinação da curva.
No atual cenário, não acredita que uma recessão esteja totalmente refletida nos mercado de dívida corporativa, o que faz com que estejam mais defensivos em spreads de crédito. “Estamos longos em duração, em obrigações governamentais, mas em crédito estamos um pouco defensivos no momento. A economia não vai resistir a este nível de taxas por um período longo. Somos da opinião que em algum ponto, as brechas que já identificamos vão alargar-se e veremos a economia a perder vapor”, conclui.
3/4“As nossas carteiras de rendimento fixo são naturalmente flexíveis e podemos passar de duração negativa para duração positiva. Se subimos a duração? Sim, subimos”, introduz. O profissional vê os seus gestores assentarem as decisões de investimento em três pilares, neste momento. “O primeiro, as taxas de juro estão muito elevadas. Demasiado ou por muito tempo, não sabemos, mas estão muito altas. Isso faz com que haja muito pouco espaço para subidas adicionais. E, claro, com este nível de taxas de juro, temos carry. Um carry relevante. Temos que tirar partido deste cenário que não vimos nos últimos 10 anos”.
Em segundo lugar, o profissional realça o risco de recessão. “Se houver uma recessão no curto-prazo - 12 meses - a reação dos bancos centrais vai ser, certamente, a de descer taxas. Se reduzirem, há que estar longo em duração”, diz. E, finalmente, o terceiro pilar que orienta a gestão dos portefólios: a inflação. “Na Carmignac apostamos num cenário em que a inflação vai manter-se elevada nos próximos 12 a 18 meses”, diz, naquele que é o pilar que pede mais cautela no posicionamento em duração. “A macroeconomia vai ajudar a definir a nossa estratégia. Somos macrodependentes”, diz.
Com este cenário, o fundo mais defensivo da casa viu a duration subir de zero para 12 meses, o intermédio de zero para três anos e o mais agressivo, subiu a duration para os seis anos. “Estamos num dos melhores momentos para os investidores em rendimento fixo ganharem dinheiro. Há incerteza, sim, mas o custo de oportunidade é muito elevado. Há que assumir risco e aumentar a duração”.
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