A procura pela independência energética impulsiona o investimento na transição

Mikko Ripatti, José França, Raul Afonso e Pedro Silveira Assis. _DNB_PA
Mikko Ripatti, José França, Raul Afonso e Pedro Silveira Assis. Créditos: Vitor Duarte

O investimento nas energias renováveis e na transição energética em geral é central para um número importante de estratégias de investimento temáticas, sejam elas canalizadas através de fundos tradicionais, ETF ou private equity. Desde abordagens mais quasi-bond até àquelas mais arriscadas e em fases iniciais do desenvolvimento de projetos, a verdade é que muitos investidores particulares e institucionais abraçam esta temática, seja pela componente de impacto, seja pelo simples facto de que podem ser muito rentáveis. Num recente pequeno-almoço promovido pela DNB Asset Management em conjunto com a FundsPeople, discutiu-se esta temática e a melhor forma de a abordar. 

Segundo José França, gestor da Montepio Gestão de Activos, na entidade gestora olham, exatamente, para o investimento nas energias renováveis dentro do grande tema que é a transição energética. “Sabemos que é um tema estrutural, talvez o mais estrutural, atualmente e as energias renováveis são uma parte importante do mesmo”, diz. O gestor explica que olha para o tema como um “bom investimento”, mas, mais importante, como uma megatendência na qual tem uma elevada convicção de que “vai perdurar no futuro”. Por oposição, introduz o tema da Inteligência artificial, que fez correr  muita tinta este ano, mas que considera que é um tema onde “existe ainda uma elevada incerteza sobre quais serão as suas aplicabilidades no futuro”. Pelo contrário, vê no tema de energias renováveis, um “em que hoje já é possível ter uma visão relativamente clara de onde os investimentos têm de ser feitos”.

E claro, a transição energética é mais do que uma megatendência. É, para o gestor, algo em que a geopolítica tem uma relevante influência, nomeadamente e, por exemplo, a dependência externa da energia na Europa. “O aumento dos preços do petróleo e do gás natural impõe muita instabilidade na Europa, que os tem que importar. Esta instabilidade só acelera a necessidade e a vontade, tanto do lado da procura como da oferta, para se materializar a transição energética. Do lado da oferta, são os governos a querer ter a produção dentro das suas fronteiras. Na Europa isso só é possível com energias renováveis. Do lado da procura, com o aumento dos custos das energias fósseis, torna-se muito mais benéfico para o consumidor fazer a sua própria transição, aderindo a veículos elétricos, por exemplo”, explica.

Raul Afonso, economista chefe da MFO - Multi Family Office, concorda e vê clara a necessidade de transição na Europa, “a grande importadora de energia”. “Os Estados Unidos já conseguiram neutralizar as suas necessidades e a própria China tem bastante produção de energia, apesar de não ser natural. A Europa é aquela região que se encontra com um colete de forças, agravado pela guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que revela a importância de caminhar no sentido da independência energética”. É por isso que acredita que a Europa está pressionada a liderar a transição energética

Por outro lado, o economista relembra o impacto que o preço do petróleo tem em projetos de infraestruturas de energias renováveis, “não nos contratos que estão em vigor, que estão cristalizados a longo-prazo, mas para novos projetos”, diz. Raul Afonso lembra como muitos projetos foram repensados quando o petróleo desceu agressivamente de preço depois de 2015. “O preço do petróleo elevado é positivo para os projetos de energias renováveis, mas dada a sua volatilidade e o facto de ser controlado por meia dúzia de players torna o próprio investimento em energias renováveis mais volátil”, explica.

Outro tema relevante, diz, é o nível de taxas de juro. “Muitos destes investimentos são feitos com bastante dívida, pelo que as taxas de juro elevadas estão a afetar negativamente a performance este ano. Com taxas de juro zero, muitos projetos eram vistos como quasi-bonds e agora não fazem tanto sentido”, alerta. 

Preços altos do petróleo com efeitos contrários

Para Pedro Assis, sócio da Baluarte Wealth Advisors também é bastante evidente a elasticidade do interesse por projetos de energias renováveis em função do preço do petróleo, mas aponta duas dimensões temporais distintas. “É óbvio que a subida do preço do petróleo, à primeira vista e de uma forma direta, deverá ser positiva para energias renováveis e, portanto, que acelera a transição energética. No entanto, é importante também reconhecer que as energias fósseis - e o petróleo dentro  destas - continua a ser uma variável muito importante para o funcionamento da economia global. Como consequência, períodos de grande aumento do preço do petróleo são normalmente associados - como causa ou como consequência - com períodos de instabilidade geopolítica”, diz. “Isto é, em absoluto, negativo para toda a economia, incluindo para as energias renováveis”, acrescenta. 

Para Pedro Assis, “neste momento já estamos numa fase avançada de maturidade de alguns projetos que há uns tempos atrás providenciavam rentabilidades de dois dígitos. A produção de energia fotovoltaica, e mesmo a eólica, era rentável em grande parte por ser subsidiada e em parte por ser novidade. Neste momento estão a chegar a um plateau, que reduz a sua rentabilidade potencial para os single digits”. Para o profissional, sente-se a necessidade de encontrar outros investimentos mais rentáveis e vê a transição para outras formas de entender o investimento em energias renováveis. “Passa de focar na produção de energia solar ou eólica, para focar na mitigação dos efeitos dos gases de estufa, por exemplo. Aliás, quando observamos com atenção, vemos que apenas um terço deste tema está relacionado com a produção de eletricidade e energia térmica. Dois terços estão em atividades agrícolas, gestão de escritórios… A capacidade de capturar esta transição por parte de gestores ativos é, para nós na Baluarte, muito importante”, atesta.

Para Mikko Ripatti, responsável de Negócio para a Península Ibérica na DNB AM, a gestão ativa é o caminho para investir na temática das energias renováveis. Para o profissional, a gestão passiva “representa um pouco mais o passado do que o futuro e, neste caso em particular, o futuro é mais importante”. Fala, em específico, da capacidade de capturar as novas tecnologias e as novas empresas do setor que estão efetivamente a criar valor. 

“Muitas coisas estão a acontecer em simultâneo. Muitas tecnologias estão a surgir, mas poucas vão ser verdadeiramente importantes”. Adicionalmente, recorda que a gestão passiva não captura o valor criado por muitas empresas que não são, obviamente, um investimento verde ou alinhado com a transição energética, mas estão a dar muitos passos no sentido de equilibrar os seus negócios.

Para o profissional é também importante perceber o quanto de greenwashing existe neste setor. “Há muitas empresas que têm planos, que os têm detalhados numa apresentação powerpoint, mas não se mostram muito comprometidas com esses mesmos planos. É muito importante o trabalho de um gestor em conhecer as empresas e filtrar aquelas que não estão, efetivamente, a fazer esta transição”.