Kunal Kapoor (Morningstar): “A gestão ativa não vai desaparecer, mas a gestão cara sim, e ninguém deve chorar por isso”

Kunal Kapoor Morningstar
Kunal Kapoor. Créditos: Cedida (Morningstar)

A cidade de Madrid é a primeira protagonista do encontro da FundsPeople com Kunal Kapoor, visto que o CEO da Morningstar começa por afirmar que Espanha se está a tornar num hub muito importante para a empresa na Europa e nas suas diversas atividades (análise, DBRS, Pitchbook).

Sobre a sua estratégia para os próximos anos, o CEO argumenta que é fundamental continuar a centrar-se na proximidade com o investidor. “As carteiras costumavam ser mais simples: cash, obrigações e ações. Continuam assim, mas atualmente há mais classes de ativos e instrumentos. O nosso trabalho é ter os dados disponíveis. Temos feito um grande esforço em áreas como o private equity e a dívida privada, às quais acrescentamos também análise e ratings. O nosso objetivo é continuar a apoiar os investidores para que possam alcançar os seus objetivos”, aponta.

Na Europa, estão muito centrados nos dados e na análise. “Também continuamos a investir na DBRS, a empresa de classificação creditícia, que está a ganhar quota de mercado”.

Inteligência Artificial

Em plena febre da IA, o CEO destaca que sempre manteve um forte investimento em tecnologia. “Podem acontecer muitas coisas à IA, mas também existe aquilo a que chamo síndrome do impostor da IA, porque, hoje em dia, quando alguém conta o que está a fazer neste campo, na verdade, refere-se mais a machine learning”. Kunar Kapoor considera que a IA “é mais do que fazer com que umas máquinas aprendam o que os humanos já fazem. Vai além disso, e muda a carga de trabalho e a forma de trabalhar”.

Na sua opinião, a IA vai ser relevante para a Morningstar tanto interna como externamente. “Internamente, na medida em que podemos utilizá-la para reduzir algumas das fricções que surgem em algumas das nossas tarefas. Por exemplo, atualmente, um analista tem de ver vários relatórios para obter os dados de que precisamos, mas, no futuro, o ideal é que isso possa ser feito por um sistema de IA, que pode até orientar o analista sobre onde encontrar determinadas informações”, explica. Externamente também será um apoio, “por exemplo, no momento de fazer o screening. Por isso, oferecemos o serviço MO, um assistente digital que já pode ajudar com as dúvidas sobre os nossos dados”, acrescenta.

Qualidade dos dados

Neste contexto, considera que será inevitável ver mudanças no Morningstar Direct. “A forma de fazer pesquisas vai mudar, mas o mais importante vai continuar a ser possível confiar na fonte de informação. Hoje em dia, no entanto, vemos que há várias respostas para uma única pergunta, o que significa que temos de ser muito cuidadosos com os desenvolvimentos tecnológicos”, argumenta.

Para Kunar Kapoor, é importante fazer a distinção entre qualidade e  comparabilidade dos dados, porque pode haver confusão entre os resultados de distintos fornecedores. Espera que, “com o tempo, os resultados melhorem, uma vez que haverá mais divulgação por parte dos emitentes. Por isso, a atenção vai centrar-se mais na qualidade desses dados divulgados”.

Acredita que é essencial “continuar a manter o equilíbrio entre a tecnologia e as pessoas que analisam os dados e que dão um valor acrescido. A forma de trabalhar pode mudar, mas há espaço para as pessoas e para a tecnologia”.

Regulamentações da UE

Quanto ao projeto de regulamentação de fornecedores de dados de sustentabilidade da União Europeia, acredita que “a intenção é boa, mas o diabo está nos pormenores. É importante não confundir o desejo de consistência com definir uma fasquia baixa, porque, no mercado ESG, o reporting tem melhorado a cada ano sem necessidade de regulamentação.  O importante é que a regulamentação não baixe a fasquia, que a informação continue a ser útil para que os investidores possam continuar a saber qual é a materialidade desses dados”.

Acrescenta, além disso, que a regulamentação não deve ter consequências onerosas e deve fazer sentido. “Não seria positivo acabarmos por ficar com dados divulgados irrelevantes ou incompreensíveis”.

O investimento sustentável nos EUA e na Europa

Sobre a politização do investimento ESG nos EUA e o recuo de alguns investidores, na sua opinião, “é preciso recordar que os dados de ESG podem ser utilizados de várias formas. Na nossa base de clientes, há investidores que estão a favor e outros que estão contra. Cada um pode utilizar os nossos dados da forma que quiser e considerar mais útil, e acredito que isso é bom”. Acrescenta que “a retórica política perde de vista o facto de que, em última instância, é uma questão de escolha do investidor. Além disso, a procura pela personalização vai continuar a crescer nos EUA, e vamos continuar a precisar de todos esses dados. A procura de dados ESG existe e vai continuar a existir”.

O CEO afirma que a Europa está claramente à frente na utilização destes dados. “O tempo dirá se a utilização destes dados produz bons resultados nas carteiras, mas já vimos que sim em muitos casos. No entanto, alerta que “a Europa corre o risco de o nível de regulamentação provocar um efeito contrário ao desejado, o que seria uma pena”.

Tendências globais

Como empresa global, a Morningstar tem a oportunidade de ver as tendências de cada região no seu contexto. Kunal Kapoor destaca que “a Europa lidera em ESG. Os EUA são um mercado gigante muito eficiente, pelo que não é de estranhar que tenha sido o sítio onde as comissões mais baixaram, dada a competitividade. A Ásia, no entanto, está-se a desenvolver”.

A nível global e em maior ou menor grau, enumera como tendências principais a descida das comissões, a personalização, a importância da assessoria e o aumento da pressão regulamentar.

Gestão ativa e passiva

Relativamente a uma possível barbellização do universo de investimento entre produtos passivos e baratos, por um lado, e produtos alternativos não líquidos, por outro, opina que “a maioria dos investidores procura soluções mais simples. A gestão ativa não vai desaparecer, mas a gestão cara sim, e ninguém deve chorar por isso”.

Quanto ao desenvolvimento da sua solução para produtos de mercados privados (Pitchbook), assinala que outra das tendências do mundo atual é a convergência dos mercados público e privado. “Atualmente, quem investe não pode considerar que estes são mundos separados. Vai ter de fazer comparações, sobretudo se for um investidor institucional. No entanto, há diferenças, como a volatilidade e as comissões, mas estas vão convergindo”.

Kunal Kapoor finaliza a entrevista refletindo sobre os possíveis desafios para a atual bonança dos mercados, entre os quais sublinha o risco de um excesso de confiança e o ruído geopolítico, que, na sua opinião, não deve paralisar a poupança e o investimento.