As perdas foram generalizadas tanto nos mercados de ações como nos de obrigações, embora com uma intensidade menor do que a prevista. As gestoras internacionais fornecem pontos chave para entender o que está a acontecer.
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A reação dos mercados financeiros à “nega” dos cidadãos gregos à proposta da Comissão Europeia Europeia, do BCE e do FMI no passado dia 25 de junho não se fez esperar. Como era previsível o “não” no referendo atraiu um panorama ainda mais incerto e complicado que gerou um importante "terramoto" nos mercados, tanto de obrigações como de ações. No que diz respeito ao comportamento das bolsas, as perdas foram substanciais em toda a Europa, com o PSI-20 a ceder 3,81% os 5.366,84 pontos, ou seja, mínimos de fevereiro.
As quedas mais significativas apareceram da Bolsa de Madrid, que encerrou com quedas de -3,7%. Paris, Frankfurt e Londres também não se livraram da pressão vendedora e encerraram com quedas de -2%, de -1,5% e -0,7%, respetivamente. O EuroStoxx 50, principal índice pan-europeu, sofreu uma queda de 2,2%, com as entidades financeiras a liderar as quedas, sobretudo as italianas. Os principais mercados do mundo também não se livraram das correções. A este, as bolsas asiáticas encerraram com quedas de 2,8%, em média, com o Japão a cair 2%. A oeste o S&P 500 manteve-se praticamente plano, nos 2.000 pontos. “O resultado do referendo na Grécia abre um período de volatilidade nos mercados”, indica Paras Anand, responsável de ações europeias da Fidelity.
Nas obrigações, as quedas foram especialmente significativas nos mercados de dívida da periferia europeia. A rentabilidade das obrigações do tesouro portuguesas a 10 anos atingiram os 3,13%, as obrigações espanholas foram até aos 2,38% e as italianas até aos 2,36%. Isto combinado com a queda da TIR das bund alemãs, cuja rentabilidade desceu até aos 0,73% perante o ‘fly to quality’, provocou um forte agravamento do prémio de risco destes países. O mercado de dívida grego é um caso à parte. O prémio de risco helénico disparou até aos 1.700 pontos base e as obrigações do tesouro a dois anos ofereceram uma rentabilidade de 50%, o que na prática supõe estarem a descontar o incumprimento, sem que se tenha produzido uma transferência significativa de contágio por exemplo a Espanha e Portugal.
Relatório de danos, perspetivas sobre a evolução dos mercados e estratégias a seguir
“Os mercados caíram como se esperava; mas basicamente a reação foi modesta”, afirma Léon Cornelissen, economista chefe da Robeco. “Não nos podemos esquecer que a economia grega representa menos de 2% do PIB da Zona Euro, e a sua dívida é apenas 3% da dívida total da União Europeia, pelo que em termos económicos é um país pequeno. E a exposição dos bancos europeus à dívida grega diminuiu; agora está nas mãos dos governos da zona euro, direta ou indiretamente, pelo que são os contribuintes que têm que lhe fazer frente e não os bancos. Uma quebra e um Gexit de facto suporiam um risco sistémico para a Zona Euro”, indica o especialista. A resistência mostrada pelos mercados financeiros também foi visível nas obrigações, onde “os mercados de dívida periféricos resistiram bastante bem”, indica Ramón Forcada, diretor de análise do Bankinter.
“Da Ásia esperava-se que os spreads de países como a Espanha e Itália se ampliassem até aos 200-300 pontos. Não foi assim. O mercado assumiu esta decisão com muita serenidade, o que coloca em perspetiva a dimensão da Grécia e do problema”, assinala. O que se pode antecipar é volatilidade. Segundo Steen Jakobsen, economista chefe do Saxo Bank, o que se espera daqui para à frente é um pouco mais difícil de prever em termos políticos, mas ao nível dos mercados é ligeiramente mais fácil. Vê como provável uma correção de 10% do DAX durante as próximas semanas “a menos que o BCE e a Fed voltem a lançar as suas equipas de proteção como em 2010-2011”. Nas obrigações preveem que os spreads dos países periféricos aumentem entre 20-50 pontos base durante as próximas semanas, uma ampliação que “será considerável no caso de outros países como a Bulgária, a Croácia e a Roménia”. No que diz respeito à relação euro/dólar, espera uma variação de 2-5% durante as próximas 24/48 horas. Forcada, por seu lado, vê um sólido suporte do euro nos 1,095 dólares.
Eric Chaney, da equipa de investigação da AXA IM, acredita que os mercados provavelmente se manterão indecisos até que fique claro se as negociações vão evoluir para um crédito móvel ou para um terceiro resgate começaram a sério. A volatilidade não desaparecerá até que surja um acordo, provavelmente até dia 20 de julho. Uma vez alcançado o acordo, os mercados voltarão a sua atenção para o seguinte tema: a política da Fed. Mas, caso existam desacordos entre a Alemanha e a França, ou pior ainda, caso a Grécia entre em default no dia 20 de julho, o euro e os ativos de risco, incluindo as obrigações da periferia, serão castigados”. Então... como mover-se nos mercados no atual contexto?
Segundo Valentijn van Nieuwenhuijzen, responsável de multiativos no NN IP “embora não existam razões para entrar em pânico, existem motivos para serem cautelosos: o primeiro impulso é reduzir e não aumentar o risco das carteiras. Concorda com Markus Allenspach, responsável de obrigações da Julius Baer, que tem claro que este é um momento de proteger o capital. “Os mercados estavam convencidos sobre a vitória do ‘sim’ na consulta. Agora é o momento de ir à procura da qualidade, permanecendo em ativos defensivos, como o mercado high yield dos EUA e esperar que apareçam oportunidades nos mercados de obrigações periféricos, onde continuamos construtivos dado o poder para aumentarem o seu programa de compra de ativos. Uma forte correção dos mercados abriria uma oportunidade para construir posições, afirma. Da BlackRock, Russ Koesterich, não acredita que "o resultado da Grécia suponha uma ameaça de longo prazo para a economia global ou para os mercados financeiros"
O que esperar da relação entre Atenas e os seus credores?
Para José Luis Martínez Campuzano, estratega da Citi na Espanha, o que é realmente relevante não é o ‘não’ dos gregos, mas sim a resposta do resto dos países que compõem o euro através dos seus representantes democráticos. “O FMI já está sem margem de manobra depois do incumprimento da semana passada. Agora cabe ao BCE decidir, pois se não receber o pagamento dos 3.500 milhões de dívida de 20 de julho, poderá questionar a manutenção dos mais de 80.000 milhões de atuais da linha de financiamento extraordinária (ELA) aberta com Atenas. Em princípio com o não a ter saído “vencedor” do referendo fica complicado alcançar qualquer tipo de acordo. A Grécia parece estar numa situação semelhante à de um limbo, sem ajuda financeira externa e sem poder financiar-se, mas dentro do euro”. Desde o início do ano já encerraram 59 empresas gregas por dia. Segundo Stephanie Flanders, responsável de estratégia de mercados da J.P. Morgan AM para a Europa, “esse número disparará com o encerramento dos bancos e o momento não poderá ser pior para a principal indústria do país – o turismo – já que os estrangeiros estão a cancelar as suas férias familiares na Grécia”.
O país necessita urgentemente de dinheiro fresco, e o “não” no referendo tornou a situação muito mais difícil , assegura Klaus Wiener, economista e responsável de alocação de ativos da Generali Investments Europe. Os novos fundos terão que vir agora através do mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM). A este nível, qualquer programa se baseia numa forte condicionalidade, algo que o Governo de Alexis Tsipras não está disposto a aceitar até ao momento. A posição dos credores era realizar reformas primeiro e falar acerca da restruturação da dívida do país depois. Pelo contrário, o governo helénico queria restruturar a dívida em primeiro lugar. O ponto chave está em perceber se nos próximos dias estas diferenças ficam sanadas. A atividade política depois disso não será intensa”, assinala o especialista.
Sairá a Grécia do Euro? Os especialistas continuam divididos
Enquanto o primeiro ministro grego, Alexis Tsipras, como o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, lançavam mensagens conciliadoras depois do referendo, o certo é que o resultado das urnas fez com que o número de profissionais da indústria financeira que acreditam na saída da Grécia do euro crescesse consideravelmente. O que antes era uma possibilidade à qual se atribuiam baixas probabilidades, agora é um cenário que não se pode descartar. Um dos que acredita veemente num Grexit é Ignacio Méndez, diretor de Análise da Mirabaud Securities em Espanha, que entende que “mais tarde ou mais cedo, o país sairá do euro. Acreditamos que a rutura de opiniões públicas ente Atenas e o resto da UE chegou um beco sem saída, o que a longo prazo implicará que a Grécia saia do Euro. O resultado do referendo dispara as probabilidades de que isso aconteça durante as próximas semanas”.
A visão de Ramón Forcada é outra. “A Grécia vai ficar parada e o PIB vai reduzir-se. Começou antes da crise com 215.000 milhões de euros de dimensão e hoje está nos 181.000 milhões. Se bloquear o seu tamanho poderá cair até aos 125.000-145.000 milhões, o que será a medida de pressão que as instituições utilizarão para alcançar um acordo”. Na sua opinião, a Grécia aceitará cortar pensões, subir o IVA e que o superavit por conta de outrem seja supervisionado, algo que tem de se comprometer se quer continuar no euro. “Poder ser que, numa primeira fase, exista assistência adicional para salvar durante uns meses, mas chegar-se-á à renegociação da dívida. Esta renegociação levará a que os prazos se estendem muito (10 ou 20 anos o primeiro vencimento), mas a respeitar o nominal da dívida sem interesses, porque isso é o que pode dar alento a outros populismos dentro de outros estados membros. Se o resultado final for esse, a crise grega será menos grave do que o que parece”.
Também há quem considera que a crise grega é irrelavante para a direção dos mercados. Uma das gestoras é a Vontobel que apresenta cinco motivos que a levam a pensar assim. “Um: a exposição dos bancos ocidentais à Grécia é insignificante. Dois: cerca de 80% da dívida grega está nas mãos de credores públicos. Três: a situação em Portugal, Espanha e Irlanda tem melhorado. Quatro: o BCE tem os meios e a intenção de conter qualquer efeito de contágio aos países periféricos da Zona Euro. E cinco: a crise grega constitui um incumprimento mais lento e mais previsível da história, contrariamente a outras situações que aconteceram repentinamente, como é o caso da Argentina e 2001, da Rússia em 1998 ou do Lehman em 2008. Isto significa que os investidores, em grande medida, já estão a descontar este resultado”. Na mesma linha pronuncia-se Simon Ward, economista chefe da Henderson, que considera que o “incumprimento da crise grega será limitado por um cenário económico favorável, de abundância de liquidez e no qual as autoridades europeias farão o necessário para evitar o contágio”.
Da Pioneer Investments, Giordano Lombardo, CIO da entidade, considera que são principalmente três os cenários em cima da mesa. O primeiro deles é o de nenhum acordo encontrado. “Se não chegarem a nenhum acordo a Grécia entrará em default técnico quando falhar o pagamento ao BCE. Isso irá colocar ainda mais pressão num sistema bancário que por si só já é frágil, e com a saída do Euro, forçar-se-á a introdução dos IOUs (instrumentos de dívida não negociáveis). O segundo cenário indicado fala da continuação da Grécia na União Europeia, mas abandonando a Zona Euro. “Devido à proximidade da Grécia com a Turquia, forças do norte de áfrica, etc, a Europa poderá continuar a suportar a Grécia com ajuda económica, mantendo-o na União, mas não como parte da Zona Euro”. A terceira e última hipótese refere-se à chegada a uma “espécie” de acordo entre as partes. “A demissão do ministro das finanças grego é um sinal positivo visto como uma oportunidade para negociações mais produtivas”, diz a este respeito Giordano Lombardo.